28 Agosto 2020
Há exatos quarenta anos, uma bomba destinada ao bravo jurista Eduardo Seabra Fagundes, então presidente do Conselho Federal da OAB, explodia na sede da entidade e roubava a vida de Dona Lyda Monteiro.
O ato terrorista, sabia-se então e sabe-se hoje, tinha origem nos porões infectos da ditadura: vinha da mesma "tigrada" abjeta que torturara, estuprara e matara nos aparelhos de repressão, seguindo ordens vindas "de cima". O mesmo lixo humano que já explodira bomba na Câmara Municipal do Rio, mutilando um servidor, incendiava bancas de jornais, e no ano seguinte explodiria a sede do jornal Tribuna da Imprensa, além de tentar massacrar 20 mil jovens (eu, inclusive) no Riocentro. Um lixo humano cujos remanescentes hoje frequentam palácios.
Quatro anos depois, conheci o tão querido Luiz Felippe Monteiro Dias, filho de Dona Lyda, de quem me tornei colega e amigo, e a quem muito admiro. O que antes era uma indignada solidariedade a distância tornou-se algo muito próximo e intenso. Quarenta anos passados desde o sórdido crime, nada disso arrefeceu: seguimos firmes, cada qual na sua "trincheira" docente, no cultivo dos valores cuja defesa pela OAB fez com que aqueles chacais perpetrassem tão inominável violência. Meu sempre forte e fraterno abraço, Luiz Felippe querido, continuamos juntos!
O caso Flordelis parece trazer um aspecto que venho ressaltando nos últimos tempos como espécie de padrão cultural do bolsonarismo. Longe do fundamentalismo religioso típico e do conservadorismo edulcorado, é uma espécie de Brasil profundo recalcado pelas últimas décadas que emerge monstruosamente. A mesma liderança conservadora cristã exemplar, a ponto de receber um filme-homenagem pelos seus belos trabalhos sociais, é a que pratica orgias, incesto e homicídio por trás dos panos.
Nesse sentido, é um Brasil muito velho e profundo que reemerge, algo que se experimentava muito frequentemente no cinema dos anos 70 e 80, com altas doses de perversão, crueldade e violência que acabaram sendo reduzidas ao caráter erótico, às vezes até pornográfico, mas que a rigor traduziam uma certa cultura visceral e ao mesmo tempo imensamente hipócrita que percorria o imaginário nacional.
O cinema e imaginário em geral da década passada, embarcando na maioria dos casos fortemente na esperança lulista, recalcou esse Brasil por uma imagem mais edificante da ascensão social vivida.
Evidente que a expressão "politicamente correto" carrega milhões de problemas, sobretudo quando quer minimizar a importância da revolta dos "novos personagens que entram em cena" e reivindicam o fim da violência que sofrem, seu lugar discursivo no espaço público e na distribuição econômica, mas quando ela é sinônimo de um certo regime de eufemismos usados para encobrir singularidades que não combinam pura e simplesmente com o esquema oprimido/opressor, ela está operando exatamente o recalque a que me refiro.
Nelson Rodrigues é um dos personagens malditos que melhor retratam essa ambivalência, espécie de materialização da moeda crueldade/moralismo que caracteriza o Brasil. De alguma forma, teremos que recuperar ou reinventar os malditos e sua coragem da verdade do lado de cá.
Portanto, mais uma vez não se trata pura e simplesmente de um legalismo, de uma política de lei e ordem nos moldes neoconservadores. Como Ricardo Salles mostrou, o bolsonarismo tem a legalidade como sua inimiga. O próprio presidente, aliás, passou sua trajetória política integral atacando leis como a Lei Maior - a Constituição -, o Estatuto da Criança e do Adolescente, a legislação ambiental, o Estado da Igualdade Racial, entre outros. A chave para compreender seu sucesso não é o conservadorismo cultural nem o legalidade anticorrupção. Há uma espécie de luta infralegal em que se autoriza os mais fortes a prevalecerem -- e o encontro com o neoliberalismo, embora tenha gerado um casamento feliz (que vai acabar?), foi contingente. Essa crueldade se modula sob múltiplas formas, e se partiu da forma cínica da trollagem (o "opressor 2.0"), agora está cada vez mais parecida com a velha hipocrisia nacional.
É esse submundo transversal à sociedade brasileira que, depois de se acreditar absorvido e reequacionado pelo lulismo, se mostrou resiliente e capaz de hoje estar se colocando visível à luz do dia.
O Tinder é um concorrente da astrologia. Um e outro funcionam por algoritmos para dar match. Os usuários fornecem informações sobre a oferta e a demanda e o matchmaker avalia a chance de dar liga. A oferta são os atributos do usuário e a demanda, o seu interesse nos atributos da outra parte. A diferença é que o astrólogo mapeia um de cada vez, enquanto o aplicativo mapeia inúmeros. O big data no fundo é um mapa astral multitudinário.
Quando levantamos a mão para pedir um táxi e o taxista pára o carro, ocorreu uma liga. Houve algoritmo? Sim: nos disponibilizamos num determinado ponto, em certa calçada ou no horário tal do dia, a fim de maximizar a chance de um táxi vazio passar.
Para pedir um Uber, colocamos a informação da demanda num pool online e o algoritmo mapeia potenciais ofertas em função da maior chance de dar match, isto é, distância, tempo de atendimento e preço. Tudo se dá bem mais rápido e a eficiência cresce exponencialmente, aumentando a rapidez do atendimento e reduzindo o custo.
No capítulo 7 de "A Riqueza das Nações" (1776), Adam Smith define o mercado como uma máquina de liga entre ofertas e demandas. O melhor mercado é aquele em que são maximizadas as chances de cada oferta encontrar a sua demanda. Quanto mais e melhores ligas, melhor para todas as partes. As trocas podem ser ganha-ganha.
Friedrich Hayek coloca a informação como essencial para o êxito do mercado. Os preços devem ser livres pois assim comunicam melhor as avaliações sobre os atributos das ofertas e demandas. Um algoritmo é tão melhor quanto mais informações e de melhor qualidade forem disponibilizadas pelos próprios usuários.
Por isso a memória acoplada ao aplicativo é fundamental. A contínua realimentação dos bancos de dados é melhor para os usuários nas duas pontas, da oferta e da demanda. Cedermos os nossos dados maximiza o processamento impessoal dos interesses, os nossos e os dos outros.
Ao digitarmos o nosso interesse no Google, o algoritmo oferece dez links candidatos para ver se dá liga. É como o astrólogo que filtra pretendentes de acordo com o mapa astral de cada um. A mesma tarefa de matchmaker do que a pessoa que, na festinha, cochicha no seu ouvido que a amiga quer ficar com você.
A crítica de Karl Marx a Adam Smith não é que a Mão Invisível não exista. Que seria um mito do espontâneo e auto-organizado. Muito pelo contrário. Marx leu o pai da cibernética, Charles Babbage (1791-1871). O leitor atento da obra de Marx vai encontrar uma malta de autômatos, inteligências coletivas e processos maquínicos. É que há mais organização no espontâneo do que supõe a vã filosofia dos organizados (do Sujeito).
Marx não critica a Mão Invisível por ela não existir, mas porque a mão invisível dá um tapa na cara do trabalhador. As trocas não são ganha-ganha, porque comunicam a desigualdade de condições que subsiste na produção do que é trocado em primeiro lugar.
Para Marx, o foco na liga oculta a gênese dos termos. Ao chegar no mercado dos matchmakers, deixamos em segundo plano a produção, isto é, os makers. Tudo o que é condição para o funcionamento da liga deixa de ser relevante e é esquecido.
"Às vezes eu penso: seria o caso de pessoas de fé e posição se reunirem, em algum apropriado lugar, no meio das gerais, para se viver só em altas rezas, fortíssimas, louvando a Deus e pedindo glória do perdão do mundo"
GSV
"Jagunço não se escabrêia com perda nem derrota - quase que tudo para ele é o igual. Nunca vi. Para ele a vida já está assentada: comer, beber, apreciar mulher, brigar, e o fim final"
GSV
Precisei ir ao mercado hoje cedo, pela manhã. Pensa num ajuntamento de gente. Tinha uma família inteira passeando pelos corredores, o pai pilotando o carrinho escorado, com a bunda atirada para trás, a passinho, como se fosse um domingo. Máscara tapando mal apenas a boca. A criança tinha uns 12 anos, ia pegando o que via pela frente e largava de volta nas gôndolas. Muitos idosos, gente atracada no telefone teclando loucamente, outros se abraçando e deixando os carrinhos pelo caminho, abarrotados. Peguei o que precisava de uma vez e me fui à casa. Tem horas em que a gente se sente bem idiota e impotente.
Eu não vou entrevistar ninguém. Já entrevistei bastante. E muito menos ser entrevistado. O grande problema do país é justamente o excesso de entrevista - o mundo do espetáculo. Em lugar da entrevista, o silêncio e a invisibilidade. Discurso nenhum. Programinha na WEB nenhum. Projeto nenhum.
“No governo atual, não vejo uma organização de corrupção. Não vejo. Filho é prato preferido da imprensa. Tem que ir devagar com isso” (FHC, revista Época) A baixeza de tais frases é inacreditável. Nós merecíamos respeito do presidente FHC . Que vergonha FHC, que vergonha!
Rita Grassi
Ela está em ótima companhia:
Há 10 anos, a gota Raimon Panikkar se misturou novamente ao imenso oceano. Há 3 anos e meio, nos (re)encontramos e, desde então, me conecto com sua mente brilhante para entender sua obra, suas palavras, suas ideias e, a partir delas, criar algo que possa servir ao mundo. Pesquisar um autor é, de alguma forma, casar-se com ele. Temos nossas diferenças, nossos desafios, às vezes não entendo o que ele “diz”, mas, no geral, temos uma mesma visão de mundo e eu busco demonstrar a grandeza de seu pensamento, que vou descobrindo de forma tão íntima. Que seu pensamento dialógico nos auxilie a enxergar a beleza na pluralidade, a harmonia na diversidade e que somos também gota, neste imenso oceano de amor, que é pura relação. OM SHANTI OM. Que assim seja.
Eu ainda não encontrei cangurus pelas ruas. Isso seria um bom sinal ou devo me mudar para a Austrália? O trecho da fala é muito curto não permitindo saber se o híbrido saltitante que ele diz ser verdade iminente de sua paranoia seria um problema de ordem transgênica? hologramática? mutante? Ou ele vive um retrocesso pós-darwiniano? Será que estudou a evolução ou é adepto da involução mental? Será que sabe o que é a condição humana? Parece falha no primeiro grau ou erro crasso de formação em aulas de antropologia. Tudo isso prá te dizer que o povo brasileiro passa fome e uma parte do clero repleta de asneiras e diversionismo. É de chorar pela mediocridade. Faria melhor se rezasse em silêncio! Fica a questão: De onde é esse padre? Onde fez teologia se é que cursou? Dormia nas aulas? Quem é seu bispo diocesano? Aprovaria esse discurso fútil?
Lewknowicz (2005) fala-nos que estamos vivendo em uma cultura com características crescentemente narcisistas; onde há um predomínio do uso da imagem de ação em vez da reflexão para lidar com a ansiedade e um incentivo exagerado ao consumismo e ao culto ao corpo. Nos pacientes de funcionamento narcisista há uma exagerada preocupação com a aparência; pequenos defeitos físicos são intensamente valorizados. Apresentam uma necessidade exagerada de serem amados e admirados, buscam elogios e se sentem inferiores e infelizes quando criticados ou ignorados. Tem pouca capacidade para perceber os outros, levando a vida emocional superficial. Há inclusive uma forte dificuldade de formar uma verdadeira relação terapêutica. Como o Mito do Narciso, o paciente com esse tipo de funcionamento constrói sua sensação de engrandecimento da auto-estima através de uma intensa desvalorização, rejeição e abandono dos objetos. E sobre a base dessa rejeição que o organismo se estrutura.
(Lewkowicz, 2005).
Dia 28/08/2020, é dia de Santo Agostinho, e hoje foi dia de Santa Mônica, mãe de Agostinho. Visitei as Confissões de Agostinho e cheguei ao Livro X, quando vem abordado um tema fascinante: Quem é Deus? Agostinho narra suas indagações e sua procura do Mistério Maior. Sua grande questão: O que amo quando amo a Deus?
Pergunta à terra sobre Deus e recebe como resposta: "Eu não sou". Interroga depois o mar, os abismos e os repteis animados e vivos, e a resposta é semelhante: "Não somos o teu Deus; busca acima de nós". Indaga então aos ventos, ao ar e a resposta a mesma: "Eu não sou o teu Deus". A interrogação se volta para o céu, o Sol, a Lua e as estrelas, que igualmente responderam: "Nós também não somos o Deus que procuras".
Angustiado, Agostinho pergunta a esses seres que o rodeiam: "Já que não sois o meu Deus, falai-me do meu Deus, dizei-me, ao menos, alguma coisa d´Ele". E "exclamaram com alarido: ´Foi ele quem nos criou".
E Agostinho:
"A minha pergunta consistia em contemplá-las; a sua resposta era a sua beleza".
Simplesmente!!!
O documento mais importante da História do Brasil
* * *
Mais uma vez as forças e os interesses contra o povo coordenaram-se e novamente se desencadeiam sobre mim. Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam, e não me dão o direito de defesa.
Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes.
Sigo o destino que me é imposto. Depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci. Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive de renunciar.
Voltei ao governo nos braços do povo. A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios.
Quis criar liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobras foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre.
Não querem que o povo seja independente. Assumi o Governo dentro da espiral inflacionária que destruía os valores do trabalho. Os lucros das empresas estrangeiras alcançavam até 500% ao ano. Nas declarações de valores do que importávamos existiam fraudes constatadas de mais de 100 milhões de dólares por ano. Veio a crise do café, valorizou-se o nosso principal produto. Tentamos defender seu preço e a resposta foi uma violenta pressão sobre a nossa economia, a ponto de sermos obrigados a ceder.
Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo, para defender o povo, que agora se queda desamparado.
Nada mais vos posso dar, a não ser meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida.
Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no pensamento a força para a reação.
Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta.
Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com o perdão.
E aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue será o preço do seu resgate.
Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte.
Nada receio.
Serenamente, dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História.
Rio de Janeiro, 23/08/54
Getúlio Vargas
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Breves do Facebook - Instituto Humanitas Unisinos - IHU