28 Agosto 2020
Como é possível que pessoas aparentemente comuns, em algum momento, cometam crimes hediondos? Um grupo de pesquisadores do Instituto Holandês de Neurociência, portanto, foi investigar de que forma tudo isso pode acontecer.
A reportagem é de Mariella Bussolati, publicada por Business Insider, 26-08-2020. A tradução é de Luísa Rabolini.
Nos tempos da Alemanha nazista, cidadãos alemães respeitáveis, que até então não haviam torcido um fio de cabelo a ninguém, denunciaram seus vizinhos judeus sabendo o que aconteceria com eles. Na batalha sangrenta entre hutus e tutsis em Ruanda, até mesmo os camponeses pegaram em armas contra aqueles que até então haviam trabalhado junto com eles. Os exemplos podem continuar com pessoas mais diretamente envolvidas, como soldados de baixo escalão que realizaram massacres ou agentes penitenciários que se transformaram em torturadores. Como é possível que pessoas aparentemente comuns, em algum momento, cometam crimes hediondos?
A empatia, o traço que nos permite compartilhar a dor e ativar o comportamento altruísta, está fortemente impressa em nossa biologia humana e serviu para nos fazer evoluir. Tanto é que é visível em nosso cérebro: quando vemos que alguém está sofrendo, a parte frontal e o córtex cingulado são ativados, o que nos leva a agir pelo bem dos outros. Na prática, mapeamos seu desconforto em nosso próprio sistema de reconhecimento do mal, graças aos neurônios-espelho. Portanto, na prática, não buscamos experiências negativas porque não queremos experimentá-las em nós mesmos. Outros mamíferos, como roedores ou primatas, também têm o mesmo mecanismo. Por outro lado, aqueles que conseguem ignorar esse impulso e provocar sofrimento devem obviamente seguir um processo completamente diferente.
Um grupo de pesquisadores do Instituto Holandês de Neurociência, portanto, foi investigar de que forma tudo isso pode acontecer. E descobriram que o motor que permite ignorar as próprias pulsões biológicas é a obediência a ordens, ditadas de forma violenta. Trata-se de uma obediência particular, aquela que corresponde a uma hierarquia de poderes, na qual a pessoa que dá a ordem tem um status superior daquela que a recebe.
Para entender por que, nesse caso, um comando é suficiente para levar alguém a ser imoral, utilizaram pares de participantes, um com o papel de agente, o outro de vítima. Em seguida, trocaram de papéis, fazendo com que as vítimas se tornassem agentes. Nesse ínterim, os agentes passavam por um exame de ressonância magnética que permite estudar as reações do cérebro. Eles eram solicitados a decidir, pressionando um botão, se infligir ou não um choque na vítima. Em caso positivo, eles também recebiam 0,05 euros. Mas se tratava de uma escolha livre. Posteriormente, ordens autoritárias foram impostas a eles e o comando para infligir um sofrimento. Nesse caso, os agentes pressionaram o botão com mais frequência para causar dor na vítima. Seus cérebros mostraram que por causa dessa situação as regiões de empatia eram menos ativas, também eram inibidas as áreas que mostravam um reconhecimento do que estava sendo feito e, portanto, o senso de responsabilidade. Áreas relacionadas ao senso de culpa também eram inibidas. Além disso, eles também pensavam que estavam causando menos mal do que quando podiam decidir livremente.
Não por acaso, quando questionados no final do experimento sobre o quanto se sentiam maus ou se sentiam pena, os participantes revelavam que haviam sentido uma sensação maior de desconforto quando puderam decidir por si mesmos.
Adolf Eichmann, executado em 1962 por organizar o Holocausto e planejar o extermínio dos judeus, expressou surpresa no processo ao saber que o odiavam, revelando que ele apenas obedecia. Ele também havia escrito em seu diário que as ordens eram para ele algo do mais alto nível em sua vida, e cumpri-las era algo inquestionável. No entanto, os psiquiatras o declararam são e ele vinha de uma família perfeitamente normal. A história de Eichmann interessou Stanley Milgram, um dos primeiros psicólogos a realizar experimentos sobre a obediência. Ele havia obtido os mesmos resultados que a equipe holandesa, mas não conhecia as causas.
A ressonância magnética, em vez disso, destaca claramente o processo: o córtex cingulado anterior, o putâmen caudado, um grupo de núcleos que estão interconectados com o córtex cerebral, o lobo parietal inferior, a junção temporoparietal, onde os lobos temporal e parietal se encontram, e o giro frontal inferior apareceram como desativados em decorrência das ordens.
Na prática, quando comandos peremptórios são executados, a resposta neural demonstra claramente uma forma de interagir com o próximo completamente diferente daquela que a nossa evolução nos levaria naturalmente a fazer. O poder e a autoridade, portanto, têm uma enorme responsabilidade sobre o comportamento humano e os estudiosos consideram que, para evitar que no futuro se possam repetir as situações que no passado permitiram o extermínio de populações inteiras, seria necessário prevenir essas modalidades de governo. Os pesquisadores também notaram que um dos participantes do experimento nunca infligiu choque, mesmo quando lhe era ordenado. Por esse motivo, não foi considerado no estudo. Mas pode ser considerado uma esperança.
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Estudo explica por que 'pessoas boas' podem obedecer ordens terríveis - Instituto Humanitas Unisinos - IHU