29 Agosto 2020
Enquanto o governo reforçou a regulamentação do uso da máscara nas escolas e nas empresas e enquanto os prefeitos definem perímetros urbanos onde passa a ser obrigatório o seu uso, quem são aqueles que contestam o uso desse tecido apresentado como a primeira barreira de proteção contra o vírus da Covid-19? Quais são os seus argumentos? É a essas e outras questões que procura responder o sociólogo Gérald Gaglio nesta entrevista.
A entrevista é de Olivia Elkaim, publicada por La Vie, 21-08-2020. A tradução é de André Langer.
Gérald Gaglio é sociólogo, professor de sociologia na Universidade de Côte d´Azur. Junto com outros sociólogos das universidades de Toulouse e Mines Paris Tech, lançou em março uma grande pesquisa chamada “Maskovid” para estudar a evolução da percepção da máscara. Eles recolheram vários milhares de testemunhos, durante duas etapas de chamadas à apresentação de testemunhos, em março e no final de maio. Uma terceira etapa está marcada para setembro. Ele decifra para La Vie a ascensão do movimento anti-máscara.
Por que a obrigação de usar máscara é considerada por uma parte da população como “liberticida”?
É paradoxal considerá-lo liberticida porque, na realidade, poder-se-ia considerar o contrário: colocar a máscara garante a liberdade de circulação que foi comprometida durante a quarentena. Esta máscara é um dos meios para manter a possibilidade de deslocamento. Hoje, alguns consideram isso liberticida. Trata-se de uma minoria que se faz ouvir. Os anti-máscaras não são legião. Dizem que sua liberdade também está em não usar. Eles reivindicam um direito individual em uma questão muito coletiva que supõe uma solidariedade muito forte: quando alguém a usa, protege mais os outros do que a si mesmo.
O que exatamente eles contestam?
Eles contestam sua eficácia em termos de saúde, afirmam inclusive que usar máscara é um perigo, pois aventam a falsa ideia de que se pode engasgar, ou até mesmo ficar sem oxigênio, o que foi desmentido pela Organização Mundial da Saúde e pelas autoridades médicas. Um membro dos coletes amarelos chegou inclusive a postar no Facebook um vídeo que supostamente provava sua ineficácia, mostrando que a fumaça do cigarro passava por ela... Há uma vontade de afirmar a liberdade de não usar a máscara apoiando-se em argumentos falaciosos.
Vocês conseguiram identificar que faixa da população contesta o uso da máscara?
É muito cedo para termos dados sobre este assunto. Hipoteticamente, pode-se conjeturar que se trata de uma população muito eclética com uma polarização para os extremos, à direita e à esquerda. Neste verão, em Berlim, 17 mil pessoas foram às ruas para protestar contra o uso da máscara e por um “dia da liberdade”, uma referência explícita a um filme de Leni Riefenstahl, um diretor nazista.
Eles se unem nas redes sociais, incluindo o Facebook, e alimentam a conspiração e a desconfiança em relação aos políticos. Podemos dizer que eles são os novos “coletes amarelos”?
Não é um movimento da mesma magnitude. É uma oposição nascente, um conglomerado de descontentes cujo nervosismo se cristaliza no uso da máscara. Ainda não podemos falar de movimento social, é uma efervescência nas redes sociais. Porém, entre os anti-máscaras e os coletes amarelos, há pontes, afinidades ideológicas, se bem que o movimento dos coletes amarelos é muito diverso.
Em que afinidades está pensando?
Eles são antissistema, recusam-se a aceitar medidas impostas “de cima” que afetam seu cotidiano e defendem uma forma de desobediência civil.
Usar máscara parece ser um indicador social. Que desigualdades o uso da máscara (ou o não uso) revela?
Em março, em meio à escassez de máscaras, o objeto era precioso e despertava inveja. Era um indicador social entre aqueles que o tinham e os outros que não o tinham. O contexto era então de muita ansiedade e a máscara não era contestada. Era preciso ter uma a todo custo. Hoje, o objeto se banalizou, a vida está retomando parcialmente o seu curso e agora parece ser um constrangimento. Por fim, o único elemento interessante do discurso anti-máscara é que ele enfatiza o uso e as dificuldades do uso da máscara.
Ou seja?
É um objeto paradoxal: é removível, mas deve permanecer fixo no rosto sob pena de perder toda a eficácia em termos de saúde. Onde o colocamos quando o tiramos? Quando devemos jogá-lo fora? Devemos manter a máscara no rosto quando saímos de um espaço fechado? Existe uma verdadeira complexidade em torno do uso que permanece impensada. Embora existam anti-máscaras que veiculam um discurso conspiratório, não devemos, no entanto, ocultar o constrangimento que esse objeto representa, até porque o espaço público está fragmentado entre áreas onde seu uso é obrigatório e áreas onde não é. Isso requer um aprendizado, como alguns anos atrás com o telefone celular.
Usar ou não usar a máscara também se tornou um gesto político. Você está surpreso com isso?
De modo nenhum. A máscara é um objeto sanitário, relacional – por exemplo, a interação entre médico e paciente se alterou. É um item de consumo que exige orçamento e levanta a questão do reembolso pelo Seguro Saúde, especialmente para famílias desfavorecidas. Este objeto possui múltiplas propriedades, incluindo a de ser um objeto político. No início da crise, nos Estados Unidos e no Brasil, quem usava a máscara estava cometendo um ato político diante de lideranças que não a queriam. Na França, em abril, nossas testemunhas denunciaram o que consideravam uma contradição na retórica do governo: a princípio, as autoridades disseram que a máscara era inútil para os civis, a fim de encobrir a escassez. Agora, os anti-máscaras lamentam a obrigação de usá-la para acabar com os estoques! E isso seria, segundo discursos conspiratórios, uma forma de testar o grau de submissão da população... Penso, porém, que essa efervescência anti-máscara e esses discursos podem esmaecer em caso de agravamento da epidemia.
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Os anti-máscaras se disseminam nas redes sociais - Instituto Humanitas Unisinos - IHU