18 Julho 2020
"Temos que buscar na literatura luzes que possam contribuir para se entender a relação entre os mercados agroalimentares, segurança alimentar e nutricional e sustentabilidade. Portanto, os sérios desafios que temos pela frente é desenvolver mercados agroalimentares que sejam eficientes, competitivos, accessíveis e nutricionais, que contribuam para transições de sustentabilidade dos sistemas agroalimentares", escrevem José Rodrigues Filho, Maria da Guia Rodrigues Pessoa e Robson Rogério Pessoa Coelho, em artigo publicado por EcoDebate, 17-07-2020.
Jose Rodrigues Filho é professor da Universidade Federal da Paraíba. Foi pesquisador nas Universidades de Johns Hopkins e Harvard. Recentemente foi professor visitante na McMaster University, Canadá, onde desenvolveu trabalho sobre Sustentabilidade e Tecnologia da Informação em Saúde.
Maria da Guia Rodrigues Pessoa é nutricionista, com experiencia executiva em Gestão de Alimentos, Marketing e Pesquisa em Dietas Sustentáveis.
Robson Rogério Pessoa Coelho é professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Doutor em Engenharia de Alimentos e experiencia em Armazenamento de Alimentos.
O discurso de sustentabilidade está em evidência na literatura da agroindústria e agronegócios, assim como em várias outras áreas do conhecimento. É preciso deixar claro que este discurso é facilmente contestado, principalmente no campo de agricultura, razão pela qual temos que desenvolver argumentos sólidos para sua credibilidade. Até recentemente os trabalhos em sustentabilidade e alimentos eram geralmente aplicados a partes do sistema, por exemplo produção, quando se tratava de agricultura sustentável, com enfoques que enfatizavam a dimensão ambiental de sustentabilidade, negligenciando as dimensões econômicas e sociais.
Neste trabalho uma tentativa foi feita para indicar os principais tópicos em discussão no campo da agroindústria, alertando o setor sobre a importância da segurança alimentar na busca de transições para a sustentabilidade. Trata-se de conceitos ou paradigmas diferentes e, por conta disto, são em geral discutidos separadamente. Contudo, temos que evitar esta separação e tratar os dois conceitos conjuntamente visando acelerar a necessária transição para sistemas agroalimentares sustentáveis. Neste sentido, temos que buscar na literatura luzes que possam contribuir para se entender a relação entre os mercados agroalimentares, segurança alimentar e nutricional e sustentabilidade. Portanto, os sérios desafios que temos pela frente é desenvolver mercados agroalimentares que sejam eficientes, competitivos, accessíveis e nutricionais, que contribuam para transições de sustentabilidade dos sistemas agroalimentares. Agroindústria brasileira deve alavancar atividades, estudos e pesquisas nesta direção.
Não há espaço aqui para tratar da complexidade da segurança alimentar e nutricional cada vez mais reconhecida numa perspectiva sistêmica, com foco no sistema de alimentos, como mencionado pelo Painel de Especialistas de Alto Nível (High Level Panel of Experts – HLPE) em Segurança Alimentar e Nutricional. Enfatiza-se, ainda, a integração da Segurança Alimentar e Nutricional, considerando seus quatro pilares ou dimensões, a saber: 1) disponibilidade de alimentos; 2) acesso aos alimentos; 3) uso dos alimentos e 4) estabilidade na disponibilidade de alimentos. Diante desta complexidade, os profissionais de nutrição, com uma visão de sistemas socioeconômicos direcionados para a saúde e nutrição humana, tem desempenhado atividades interdisciplinares voltadas para os desafios dos sistemas alimentares. A colaboração destes profissionais é importante na agricultura, produção de alimentos, processamento, marketing, vendas, cuidados de saúde, saúde pública, gestão de serviços alimentares, além das atividades de ensino e pesquisa. Enfim, a colaboração deles é indispensável ao apoio das mudanças necessárias para os sistemas agroalimentares sustentáveis.
Ao longo dos anos, as políticas alimentares, principalmente na agricultura, não levavam em consideração o campo de conhecimento da nutrição. Além disto, como mencionado acima, ainda existe uma desconexão entre sustentabilidade e segurança alimentar. O Painel de Especialista (HLPE), acima citado, faz um chamamento para a integração de enfoques de sustentabilidade com a segurança alimentar e nutricional, ao considerar que um sistema alimentar que não assegura segurança alimentar e uma adequada nutrição não pode ser chamado de sustentável.
Novamente, não temos espaço aqui para avançar na importância do discurso de sustentabilidade nas várias áreas de conhecimento, incluindo sistemas alimentares, limitando-nos apenas a resumir sua origem. Historicamente, o conceito de sustentabilidade resultou de trabalhos iniciais da comunidade científica internacional sobre desenvolvimento sustentável. Muitos trabalhos sobre sustentabilidade surgiram nos anos de 1980, sobretudo com as discussões internacionais em torno do meio ambiente e desenvolvimento e o renomado trabalho da Comissão Bruntland (Bruntland World Commission on Environment and Development), estabelecida em 1983 e que produziu o seu relatório em 1987 (Bruntland Report – Our common Future). Foi neste relatório que surgiu o conceito de desenvolvimento sustentável, dando ênfase igual ao meio ambiente, sociedade e economia, visto como os pilares chaves em que o desenvolvimento sustentável deve ser apoiado. Este conceito foi aplicado na agricultura e partes do sistema de alimentos, com a preocupação de que o aumento da produção de alimentos nas nações industrializadas e desenvolvidas prejudicaria a base de uma produção futura.
Neste trabalho estamos adotando uma visão holística de sistemas alimentares e como relacioná-la com a segurança alimentar e os objetivos nutricionais, enfatizando as dimensões econômicas e sociais. Assim sendo, temos que considerar a sustentabilidade dos sistemas de alimentos ligada a segurança dos alimentos numa perspectiva mais ampla – de uma perspectiva ambiental para uma perspectiva que englobe as dimensões sociais e econômicas. Nesta nova perspectiva, estamos considerando as dimensões de sustentabilidade interagindo com as quatro dimensões de segurança de alimentos, acima citadas, incluindo ainda a segurança nutricional.
Metade da população mundial é afetada pela insegurança alimentar (obesidade, deficiências de micronutrientes) mostrando-nos a necessidade de se reformar os atuais sistemas de alimentos. Acreditamos que a conexão do discurso de segurança alimentar e nutricional com a sustentabilidade do sistema alimentar é mais do que necessário para se criar uma narrativa coerente para uma transição sustentável. Esta conexão é necessária para uma segurança alimentar e nutricional de longo prazo, considerando as dimensões ou pilares da segurança alimentar como o resultado central de sistemas alimentares sustentáveis.
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Agroindústria Sustentável: Segurança Alimentar e Nutricional e Transições para a Sustentabilidade - Instituto Humanitas Unisinos - IHU