12 Mai 2020
Podemos nos deixar interrogar profundamente pelo que estamos vivendo, confrontá-lo com a Palavra, tentar fazer uma leitura sapiencial disso, sem a pretensão de encontrar imediatamente respostas práticas e propostas pontuais.
O comentário é do padre Filippo Passaniti, pároco na região pastoral de Granarolo dell’Emilia, na Diocese de Bolonha, Itália. O artigo foi publicado em Settimana News, 10-05-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Com três perguntas propostas aos presbíteros da nossa Diocese de Bolonha, pediram-nos que nos expressássemos sobre quais indicações o Espírito sugere à nossa Igreja neste tempo; que experiências significativas surgiram durante o período de emergência; quais as questões urgentes a serem respondidas.
Creio que é difícil declarar com segurança agora quais são as indicações do Espírito. Primeiro, porque se sabe muito bem que o Espírito não fala de modo imediato, explícito e de acordo com as nossas modalidades; segundo, porque cada um poderia dizer aquilo que pensa, apresentando-o como indicação do Espírito, sem a possibilidade de ser desmentido imediatamente pelo mesmo Espírito. Portanto, creio que vamos entender melhor mais à frente aquilo que o Espírito está dizendo à Igreja neste tempo.
Mas podemos nos deixar interrogar profundamente pelo que estamos vivendo, confrontá-lo com a Palavra, tentar fazer uma leitura sapiencial disso, sem a pretensão de encontrar imediatamente respostas práticas e propostas pontuais.
Parece-me útil inverter a ordem das perguntas propostas, porque, no meu modo de pensar, as experiências significativas que surgiram podem ser úteis, depois, para buscar as indicações (do Espírito...). Esclareço que, por “experiências significativas”, não me refiro às tentativas práticas específicas que desenvolvemos nessas últimas semanas para levar em frente as atividades e os contatos comunitários (cada um fez o seu melhor e de acordo com a sua sensibilidade), mas aquilo que tocou profundamente a nossa vida pessoal e comunitária, e que, por isso, revelou-se como experiência significativa, justamente. E nem sempre imediatamente agradável.
- Despojamentos
Acredito que a experiência mais forte que todos tivemos neste tempo é a de um grande e veloz despojamento. De fato, isso também deve ser visto em termos psicológicos como um trauma. Impotência, incerteza, medo (solidão e/ou isolamento) são palavras que se tornaram carne em nós e nas nossas comunidades.
Fomos despojados dos hábitos e das atividades que considerávamos a espinha dorsal da nossa identidade. Isso inevitavelmente pôs em questão a nossa identidade de Igreja e de presbíteros. E o trauma requer acompanhamento e tempos longos de elaboração.
- Confirmações
O sofrimento e o desconforto que nós e as nossas comunidades sentiram, nos fizeram ver que um certo modo de viver a missa e os sacramentos, as devoções pessoais, centrados no clero e nas estruturas paroquiais, são as coisas sobre as quais efetivamente se apoia a nossa prática pastoral habitual. Com o problema nunca superado de que essas coisas, vividas desse modo, manifestam uma visão de Igreja bastante pré-conciliar.
Mas, no nosso imaginário pastoral, são as coisas mais óbvias e mais fáceis (a missa já está pronta, e depois “combina com tudo”, como o preto nos vestidos...). Foi difícil imaginar que a fé, a vida cristã pudesse expressar formas diferentes e leituras profundas dessas realidades, e, portanto, todos fomos levados a replicar essas mesmas coisas nas plataformas digitais.
Também confirmamos que o povo, na sua maioria, está despreparado para viver de modo ativo, criativo e responsável as expressões da própria fé, mas com a surpresa, justamente, de que, apesar de estar despreparado, floresceram muitas expressões criativas familiares.
- Reações
Com a repentina pausa de tudo na vida exterior da Igreja, vieram à tona tantas e várias sensibilidades que estavam presentes no subterrâneo da vida da Igreja e, portanto, também nas nossas comunidades paroquiais.
Emergiram com clareza e às vezes com violência modos de ver diferentes em relação a: o que é a Igreja (no mundo? Diante do mundo? Em alternativa ao mundo...?); o que é a comunidade, o que a paróquia deve fazer; o que é a missa (alimento espiritual? Devoção pessoal? A forma mais válida de oração comunitária? Uma comunidade que celebra a presença do Senhor...?); o que é o presbítero (ministro? Chefe? Pai? Irmão? Organizador? Responsável? Mediador entre Deus e as pessoas...?).
Surgiram tantas e várias reações a essa situação, reações pastorais, reações de reflexão, reações de criativa generosidade, mas também posições ideológicas que não poupam julgamentos sobre as reações dos outros.
Acredito que essa variedade que surgiu de modo problemático terá que ser levada em consideração, sobretudo quando se quiser “pedir a conta”, ou, melhor, quando se puder fazer um sereno discernimento.
- Redescobertas e surpresas
Eu acho que todos estamos fazendo a experiência de ver germinarem coisas bonitas e, de certa forma, inesperadas: a redescoberta de relações mais autênticas; a redescoberta da partilha de fé em família; a redescoberta do contato mais profundo com a Palavra de Deus.
Como eu dizia antes, não podemos saber agora quais são as indicações do Espírito. No entanto, sei que temos indicações preciosas da Evangelii gaudium (e do Congresso de Florença) e vejo que essas indicações correspondem às surpresas que estamos vendo germinar nesta situação.
E também vejo que grande parte corresponde às ênfases que emergiram das assembleias das regiões pastorais feitas antes da emergência sanitária. Tornar-se audazes e criativos ao repensar objetivos, estruturas, métodos, para passar de uma pastoral de conservação a uma pastoral missionária, de proximidade e de encontro pessoal; enfrentar o individualismo cultivando laços, cuidando das relações e da comunhão; cultivar o discernimento e um olhar contemplativo e não de controle; a convicção de que todo o povo de Deus anuncia o Evangelho; a centralidade da Palavra e do querigma; o rosto materno da Igreja.
- Perspectivas e oportunidades
A Evangelii gaudium e também esta situação difícil nos “autorizam” a imaginar e a provar formas novas de expressar a vida cristã: redescobrir a sobriedade e a essencialidade; cuidar da qualidade das relações e a busca de formas de proximidade; desenvolver a criatividade como comunidades paroquiais e especialmente nas famílias.
Reavaliar o sacerdócio dos batizados e, ao mesmo tempo, reavaliar o batismo dos presbíteros: isto é, encorajar a criatividade e a responsabilidade eclesial dos leigos e, ao mesmo tempo, redescobrir uma dimensão humana, evangélica e fraterna da vida do padre, redimensionando tudo o que está centralizado nele: o poder, a visibilidade e as responsabilidades.
Aprofundar o sentido profundo da eucaristia, segundo a Escritura e o Concílio; consequentemente, redimensionar a onipresença das missas.
- Risco
As estruturas (mentais e pastorais) das quais nos despojamos mantêm, de fato, um grande peso: elas voltarão com força (no nosso inconsciente e provavelmente também em muitos pedidos que receberemos das pessoas) para reivindicar serem recuperadas e retomados.
O risco é precisamente o de querer recolher as coisas belas e novas que descobrimos “acrescentando-as” às coisas que sempre fizemos e que inevitavelmente tentaremos retomar, e às pressas, o mais rápido possível (que também seria um modo de não escutar profundamente o que está acontecendo conosco).
Mas, por exemplo, como investiremos energias na busca da proximidade, de elaboração da fé em casa e em família, se as estruturas paroquiais estiverem sempre no centro das nossas atividades e dos nossos pensamentos (e dos nossos investimentos econômicos)?
Como investir no acompanhamento dos jovens no momento em que se levantam as grandes questões da vida, se nós estivermos todos tomados pela organização das primeiras comunhões e das crismas?
Como cuidar das relações e da escuta se a grande parte do tempo será dedicado à organização de atividades, de liturgias (sem falar dos compromissos administrativos dos párocos e agora também das obrigações de segurança relacionadas à propagação do vírus...)?
Como colocaremos a Palavra no centro se ela estiver incrustada entre as celebrações das várias missas?
Eu acho que é prematuro encontrar imediatamente respostas específicas e propostas pontuais feitas teoricamente. Será necessário redesenhar as relações e o tecido eclesial, no entrelaçamento das tramas dadas pela Evangelii gaudium e por aquilo que emergiu de promissor e generativo nas famílias e nas comunidades nessa tribulação.
Talvez também se deva prever e aceitar que não teremos respostas efetivas imediatamente.
No entanto, questões urgentes serão evidentemente aquelas relacionadas ao âmbito das relações, em particular o acompanhamento das pessoas e das comunidades no desconforto que nos dominará, do ponto de vista econômico, humano-psicológico, espiritual, relacional e comunitário, levando em conta que nós, presbíteros, vivemos e viveremos esse desconforto.
Por fim, esse “despojamento” foi e ainda é um importante exercício de desapego. Para muitos, foi o desapego dramático dos entes queridos falecidos. Para todos, o desapego de poder se encontrar com pessoas também muito queridas.
E depois o desapego de hábitos e atividades (e ativismo...) que preenchiam os vários aspectos da vida. Creio, portanto, que uma palavra importante sobre a qual somos convidados a nos debruçar hoje, como questão urgente, é “abandonar”.
Como estamos diante dessa palavra? Quem nos ajuda a atravessar o trauma dessas separações que afetaram a nossa vida e a nossa identidade? Como enfrentaremos o medo de abandonar? Além de termos sofrido esse trauma, também teremos que optar por abandonar aspectos da nossa vida eclesial habitual.
Seremos capazes de fazer essas escolhas? Como acompanharemos as comunidades a abandonarem hábitos consolidados que não correspondem ao tempo em que vivemos e a investir em caminhos inéditos?
Por isso, será importante como Igreja (e também como presbíteros) dar um nome aos medos, caso contrário eles dominarão as escolhas (ou não escolhas): medo de se tornar insignificante, de perder visibilidade, de perder relevância social, de perder identidade, popularidade, controle...
“Onde está o Espírito do Senhor, aí está a liberdade” (2Cor 3,17): podemos imaginar também que, onde está a liberdade, aí está o Espírito do Senhor?
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Anotações de um padre neste “tempo suspenso” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU