16 Janeiro 2020
Dizem que os saberes são o que nos permite ganhar a vida.
O comentário é do cardeal português José Tolentino Mendonça, arquivista e bibliotecário da Santa Sé, publicado por Avvenire, 12-01-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
No entanto, não podemos esquecer que é a sabedoria que nos permite viver realmente. Cada um de nós traz consigo um conjunto de competências - resultado de inúmeras aprendizagens - que nos dão acesso a um serviço, a um emprego, a uma função. Os saberes se enquadram nesse plano. A sabedoria, por outro lado, é o que nos faz tocar o coração da vida, seus sentimentos, sejam de dor ou de prazer, e os seus sem-porquês a perder de vista. Com muita frequência, a nossa tendência é restringir a realidade ao esforço de sua conquista imediata. A luta pela sobrevivência literalmente nos esgota, e deixamos de fazer a viagem mais profunda, aquela que, sem palavras, justifica o nosso estar aqui. O místico Silésio escreveu que "a rosa é sem porquê", desafiando-nos assim para a profunda aventura do viver. E, efetivamente, precisamos de uma vida que não dependa da contingência em que estamos imersos, ou exclusivamente da confirmação de que o que é utilitário ou funcional pode nos dar.
A verdade é que nós vivemos muito na superfície. Afobamo-nos, corremos de um lugar para outro e desse estilo criamos um hábito. Vivemos respondendo às solicitações que nos são constantemente feitas, às imagens que se acotovelam em uma sucessão sonâmbula. No abismo dessas sequências, cada instante aparece como um ponto desconectado que se esvazia num piscar de olhos, e não como um testemunho de uma iminência maior destinada a durar. De tal maneira, acabamos raramente mergulhando no coração da vida. Raramente pensamos em uma vida que nos pertença e que seja mais do que um simples tique, mais do que aquela cega rotina com a qual nos mostramos a nós mesmos e aos outros. Estejamos certos: precisamos de muito mais que isso. Precisamos de uma existência que nos exprima, que desdobre o silêncio, o mistério, a imensidão, a abertura do nosso ser, e não de uma vida reduzida a pele e ossos, sempre condicionada, diminuída e cheia de retratações.
Acontece-nos isto: vemos um jardim, gostamos ou não gostamos, intervimos, cortamos, cercamos e, de repente, parece um jardim geométrico, que impressiona com suas formas perfeitas. É bom saber, no entanto, que o nosso desejo por tais artifícios é uma ilusão enganosa, porque a vida é informe, ainda bruta, sempre inicial. É por isso que é viva. Creio que devemos, isso sim, arrumar nossos canteiros para que sejam bem ordenados, mas também ardentemente desejar que floresçam à nossa porta também flores das quais não conhecemos o nome. Porque serão eles que nos darão o sentido de uma existência em cascata, seu ser puro riacho, em sua originalidade e verdade.
Uma das formas fundamentais de sabedoria é a descoberta que cada um de nós vai fazendo, em sua vida adulta, com seus ciclos e contraciclos, no tempo e fora do tempo, de ser inacabada. Não é à toa que os mestres espirituais ensinam que na vida interior um dos maiores obstáculos é a perfeição, melhor, a ideia da perfeição. Porque, no fundo, nos afasta da vida verdadeira, nos mantém prisioneiros de uma existência que não é a nossa. Mais importante do que a completude é saber-nos nas mãos do oleiro. São duas experiências que devem ser associadas: a da incompletude e a de habitar continuamente um processo de (re)criação. Os dias de nossas vidas, por exemplo, nos quais parece que nada mais vai acontecer, são - embora de uma maneira que provavelmente ignoramos - um tempo de criação. É uma grande tarefa, esta, de levar a sério a vida.
Porque o abraço ao que nós somos é a única possibilidade de um abraço que nos salve. A possibilidade do abraço de Deus. Ainda nos reserva muito a descobrir, o verbo "abraçar".
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
O abraço ao que somos é o que nos salvará - Instituto Humanitas Unisinos - IHU