29 Novembro 2019
Como se sabe, dos quatro evangelhos apenas Mateus e Lucas relatam a história do nascimento de Jesus.
O comentário é de Sergio Rotasperti, publicado por Settimana News, 23-11-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
A história nos informa que, comparado a Mateus, os episódios da história do nascimento e infância de Jesus na versão de Lucas tinham maior eco e ressonância, tanto na arte como na tradição popular. No entanto, também Mateus, como Lucas, tece a história buscando uma finalidade muito precisa, que vai além da narração do nascimento de Jesus.
O autor dedica os dois primeiros dos 28 capítulos de seu evangelho ao relato do evento do nascimento de Jesus, enquadrando-o na história do povo escolhido. Eles não são um corpo separado do resto. O que aqui é aludido ou anunciado é depois amplamente desenvolvido no restante de sua obra. As histórias da infância são como um prelúdio para todo o evangelho.
Já de saída anuncia tudo isso: "Genealogia de Jesus Cristo, filho de Davi, filho de Abraão" (Mt 1,1). O termo grego Βίβλος γενέσεως traduzido para a nossa língua como "genealogia" é uma referência explícita ao livro de Gênesis, onde o mesmo termo é usado: "Estas são as origens do céu e da terra" (Gn 2,4).
Trata-se, portanto, do começo de uma nova criação, que é construída ao longo de um amplo período de tempo, que começa com Abraão, progenitor do povo judeu, continua com o rei Davi, escolhido por Deus por seu coração (1 Sm 16,7) e termina com a presença permanente de Jesus no mundo, como declarado no final do evangelho: "Eis que estou convosco todos os dias até o fim dos tempos" (Mt 28:20).
Depois seguem-se três seções literárias: a árvore genealógica de Jesus (1,2-17), o nascimento de Jesus na perspectiva de José (1,18-25), diferentes reações ao nascimento de Jesus (Mt 2).
Provavelmente, o leitor moderno experimenta um pouco de tédio ao ler uma lista de pessoas, a maioria desconhecida. Na árvore genealógica que chega até José e Jesus (1.2-17), três anotações importantes devem ser observadas. Ao contrário de Lucas, Mateus menciona Abraão como origem. Isso contém um profundo significado teológico, uma vez que o evangelista está teimosamente interessado em destacar o judaísmo de Jesus: ele pertence ao povo judeu. Lucas, em vez disso, faz a genealogia de Jesus remontar a Adão, pois na construção de sua história ele quer destacar como Jesus seja filho de Deus e filho do homem, dentro de um horizonte mais universalista (Lc 3,38).
Uma segunda peculiaridade é a maneira de apresentar os antepassados de Jesus: "todas as gerações, de Abraão a Davi, são catorze, de Davi à deportação para Babilônia quatorze, da deportação para Babilônia a Cristo catorze" (1,17). Existem três ciclos temporais que se apoiam em quatro pilares: a época dos patriarcas com o progenitor Abraão, a da monarquia unida sob o rei Davi (por volta de 1000 a.C.), a deportação babilônica (por volta de 600 a.C.) e, por fim, Cristo. Este período de tempo é dividido em 14 gerações. Existem muitas interpretações em relação ao número 14. De acordo com a técnica da gematria, o valor numérico corresponde às consoantes judaicas do rei Davi. Portanto, Mateus pretenderia destacar a origem davídica de Jesus.
Os estudiosos observam que, exceto Maria, a genealogia menciona apenas quatro mulheres: Tamar, Raabe, Rute, Bate-Seba. Ora, essas mulheres não pertencem ao povo judeu e suas histórias conturbadas contêm violência, falsidade, humilhação, mas também coragem e confiança. Tamar lutou para ter um filho e o obteve com um subterfúgio (cf. Gn 38,14-18); Raabe era uma prostituta, salvou os israelitas escondendo-os em sua casa, casou-se com um israelita e tornou-se mãe de Boaz (cf. GS 2,1.6.17.22-25; Rt 4,21).
Rute era uma estrangeira e tornou-se avó do rei Davi (cf. 4.13-17). Bate-Seba - aqui chamada esposa de Urias - estava ligada ao rei Davi na triste história contada em 2 Samuel (cf. 2 Sm 11,1-27) e tornou-se mãe de Salomão, sucessor do rei Davi. Dessa forma, o autor não deseja evidenciar tanto o aspecto moral da mulher quanto o fato de elas serem mães e ter gerado de maneira inesperada e incomum. Deus entra na história de homens e mulheres, através de formas impensáveis e histórias pessoais, embora atribuladas e obscuras.
O nascimento de Jesus na história de Lucas é muito articulado e detalhado. Maria está no centro da cena e desempenha um papel de primeiro plano. Não é assim em Mateus. A perspectiva e o enquadramento escolhido pelo evangelista é o de José. O nascimento de Jesus é contado do ponto de vista do pai de Jesus, não de Maria (Mt 1,18-25).
Mesmo que apenas mencionado, Mateus também cita o papel fundamental do Espírito no nascimento de Jesus (1,18). Não há anúncio do anjo a Maria em Nazaré. Existe sim, um anjo, mas aparece em um sonho para José e no sonho ouvimos o anúncio do nascimento de Jesus. O leitor é aqui convidado a se identificar com José, um homem justo, que duvida, mas escuta a palavra e age consequentemente de maneira responsável. Um convite para não temer e confiar em Deus, como Maria.
O segundo capítulo nos informa sobre as diferentes reações despertadas no nascimento de Jesus.
A chegada dos Magos em Jerusalém marca a primeira reação. Herodes e os próprios habitantes de Jerusalém estão perturbados. Herodes se enfurece por causa dos Magos (1,16) e, vendo Jesus como uma ameaça ao seu reino, decide massacrar todos os filhos de Belém e arredores: essa é a reação política e militar a Jesus.
Os principais sacerdotes e os escribas coletam informações para Herodes. A reação deles parece mais interessada no poderoso de plantão do que em entender o evento e se pôr em caminho. Indiferentes a Jesus, são atenciosos com aqueles que estão no poder.
Finalmente os Magos. Eles são homens em caminho (não são três e não são reis), deixam-se guiar pelas escrituras hebraicas, embora sejam a eles estranhas. Quando encontram Maria e o menino, mostram sinais de respeito (ajoelham-se) e trazem presentes, realizando sem o saber aquilo sem que Isaías já havia profetizado (Is 2,1-5; 60,1-6) ou seja, que todos os povos irão a Jerusalém e reconhecerão o Senhor da paz e da justiça. Os três dons aludem à compreensão do mistério de Jesus: nele se cumprem todas as profecias antigas. Já aqui podemos ver a missão universal de Jesus que ele mesmo entregará aos discípulos (Mt 28).
Na pessoa de Jesus, encontram realização as promessas feitas aos padres. Mas é superado nele também o exclusivismo judaico e sua vinda se abre a todas as nações. Ao leitor cabe a tarefa de entender e aceitar a novidade do judeu Jesus.
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