26 Novembro 2019
“Responsabilidade vem etimologicamente do verbo latim respondere e comporta - como a reflexão filosófica contemporânea nos lembra - o envolvimento do sujeito em sua liberdade (responder em primeira pessoa), a relação com o outro (responder a alguém) e, finalmente, a avaliação do conteúdo da ação (responder por algo). A declinação correta dessas três figuras define o significado profundo da ação humana em sua valência ética. A essa valência é preciso reconduzir a colaboração do homem para o plano de salvação. Uma colaboração que, longe de obscurecer ou diminuir o valor do dom divino, o torna ainda mais rico e significativo”, escreve Giannino Piana, teólogo italiano, publicado por Il Gallo, novembro de 2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
A questão da relação entre a gratuidade da salvação e a atividade meritória do homem é uma questão que vem de longe. Em jogo, ou melhor, na raiz, existe a relação entre o dom de Deus e a liberdade do homem. A necessidade de manter esses dois polos unidos está fora de questão. Mas o problema é constituído pela modernidade de sua composição. De fato, há quem coloque principalmente o acento no dom de Deus, redimensionando o espaço da liberdade humana, e outros que, pelo contrário, acentuando o peso desta última, acabem tornando menos transparente a relevância do dom divino.
A dialética entre essas duas posições atravessou toda a história do pensamento cristão: desde o período patrístico até os dias atuais. A dificuldade em encontrar o justo equilíbrio está ligada mais a razões de caráter antropológico, do que (e até mais) de ordem teológica. Para determinar uma consistência diferente dos dois fatores é de fato uma diferente concepção do homem, de suas efetivas potencialidades e da capacidade de exercê-las.
A primeira abordagem orgânica da questão remonta a Agostinho, que, reagindo à visão otimista do homem própria do pelagianismo (uma doutrina defendida pelo monge Pelágio, difundida no século V ndr), que não levava em consideração o estado de decadência causado pela queda original, enfatiza fortemente o primado da graça, limitando efetivamente o âmbito de exercício da liberdade humana. Insistindo no estado de corrupção a que a natureza humana foi sujeita como resultado do pecado, ele não hesita em celebrar, com acenos de grande intensidade, a grandeza do dom de Deus, fruto do seu amor misericordioso; um dom que o homem só pode invocar, reconhecendo sua própria pobreza e se dispondo humildemente a recebê-lo.
A teologia agostiniana foi posteriormente adotada por Lutero - não é irrelevante sua origem de monge agostiniano que enfatiza o aspecto pessimista, indulgenciando na descrição do estado de radical dissolução interior do homem. A maldade intrínseca presente na humanidade impede que se possa falar de colaboração humana para a salvação e, portanto, implica que ela deve ser atribuída à "graça somente" (sola gratia), que, longe de operar a redenção íntima do homem, age de fora e, portanto, não exige empenho nenhum com a prática das boas obras; requer apenas a disponibilidade de receber o dom de Deus através da fé (sola fides).
A influência da doutrina protestante, que questionou a existência do livre-arbítrio, até postular em alguns casos a predestinação, é sentida acima de tudo no debate acalorado entre jansenistas (do bispo francês Jansênio, 1585-1638, que são adeptos de um movimento religioso que considera que a salvação do homem corrupto seja obra apenas da graça divina, ndr) e jesuítas. Aqui o embate, que assume o tom de uma verdadeira guerra de religião com acusações e excomunhões mútuas - como esquecer, a esse respeito, A Via Láctea de Luis Bunuel (1969)? - torna-se o emblema das dificuldades objetivas de conciliar a graça com a liberdade humana; reconhecer, em outras palavras, a não incompatibilidade entre a intervenção divina, que só pode ter a primazia, e o livre consenso do homem que encontra expressão na concreta adesão ao bem e, portanto, comporta escolhas éticas coerentes.
A possibilidade de sair do impasse recuperando uma relação dialética positiva entre graça e liberdade, ou seja, evitando tanto a tentação do determinismo quanto aquela, não menos grave, da afirmação de uma autonomia total do homem de modo a tornar evanescente a ação divina, deve primeiro ser buscada recorrendo à tradição bíblica.
A centralidade que o tema da aliança ocupa nela manifesta o caráter dialógico próprio da história da salvação; evidencia, em outras palavras, a relação de reciprocidade que se estabelece, desde o princípio entre Deus e o homem, que tem como resultado a realização de uma verdadeira comunhão. Criado por Deus "à sua imagem", o homem é o interlocutor que Deus dá para si mesmo, aquele que é capaz, único entre todas as criaturas, de ouvi-lo e de responder, tornando-se seu parceiro. A relação com Deus, que, portanto, é constitutiva da natureza humana, encontra expressão em um confronto dialógico interrompido pela culpa original e sucessivamente reaberto graças à iniciativa divina. A aliança que nos foi apresentada no relato bíblico nada mais é senão a reaproximação de Deus com o homem que havia se afastado dele. Mas essa proximidade, que marca a abertura de um novo curso na história de Israel, é acompanhada pela confirmação de sua infinita distância: o Deus da aliança não deixa de ser um Deus inacessível e transcendente, do qual o homem não deve se fazer uma imagem nem nomeá-lo.
A dinâmica de proximidade e distância de presença e de ausência torna transparente a modalidade segundo a qual o plano de salvação é implementado: a aliança é antes de tudo um dom de Deus, mas ao mesmo tempo exige a resposta do homem. O Deus que, apesar da oferta de sua amizade, continua distante, convida o homem à assunção de suas próprias responsabilidades históricas, respeitando sua liberdade e autonomia de decisão.
Ao chamado divino deve corresponder o livre consenso do homem, que se traduz no respeito pela lei - o decálogo é a lei da aliança -; na assunção, portanto, de atitudes e comportamentos que permitam a manutenção da comunhão e alimentem o seu crescimento.
Essa reciprocidade relacional está claramente presente também na literatura neotestamentária. A atenção privilegiada de Jesus para com os pecadores - ladrões, cobradores de impostos, prostitutas etc., a quem ele anuncia a salvação como obra do amor misericordioso do Pai, é acompanhada pela solicitação de conversão; abandonar o caminho do mal para seguir o caminho do bem. As boas novas da vinda do Reino exigem, para serem devidamente aceitas e dar frutos - os evangelhos sinópticos enfatizam isso pontualmente - a disponibilidade de assumir a lógica do Reino nas escolhas da vida cotidiana; em outras palavras, adequar a própria conduta às grandes indicações contidas no discurso da montanha. A teologia de Paulo parece ser a única exceção a essa regra que, particularmente na Epístola aos Romanos, insistindo na gratuidade da salvação, contrapõe a fé às obras da lei, atribuindo à primeira o papel exclusivo de condição para o acolhimento do dom divino. Não há dúvida de que a teologia paulina tende a acentuar - sobretudo por causa da polêmica antifarisaica - o primado da ação divina – a essa visão se referiu, a seu tempo, Lutero para apoiar a sua tese – mas, isso não significa que Paulo desconheça o papel das obras. Os catálogos das virtudes, fruto da vida segundo o Espírito, são a confirmação da importância que ele atribui ao empenho humano, à necessidade de corresponder ao dom de Deus, adequando seu estilo de vida às instâncias evangélicas.
O paradigma bíblico da aliança atinge seu clímax em Cristo; em sua pessoa, ele é o chamado de Deus e a resposta do homem; é aquele em que, e através de quem, acontece a definitiva reconciliação de Deus com o homem e do homem com Deus. A reconstituição da comunhão interpessoal entre Deus e o homem restitui a este último a capacidade de construir relações verdadeiras com seus semelhantes e com o mundo. Do dom de uma nova vida, recebida em Cristo pelo dom do Espírito, surge o apelo de "caminhar em novidade de vida". O indicativo de salvação "você se tornou uma nova criatura em Cristo" refere-se - Paulo nos lembra – ao imperativo da salvação, isto é, ao empenho de "buscar acima de tudo o reino de Deus e sua justiça".
Portanto, não é uma questão de mérito e muito menos de meritocracia. A salvação não está nas mãos do homem; é obra de Deus, um dom que ele oferece indiscriminadamente a toda a humanidade, chamando cada um pelo nome - nisso consiste a vocação cristã - e instando-o a colocar a fruto os dons recebidos. A atitude exigida do homem é, portanto, a assunção de sua própria responsabilidade. A solidariedade de Deus não é substitutiva; ele fornece ao homem os talentos de que precisa, mas quer que seja ele a usá-los, em total liberdade. O caráter responsorial da experiência cristã, que tem suas raízes afundadas na tradição judaica, tem hoje seu referente concreto na categoria de responsabilidade. Responsabilidade vem etimologicamente do verbo latim respondere e comporta - como a reflexão filosófica contemporânea nos lembra - o envolvimento do sujeito em sua liberdade (responder em primeira pessoa), a relação com o outro (responder a alguém) e, finalmente, a avaliação do conteúdo da ação (responder por algo). A declinação correta dessas três figuras define o significado profundo da ação humana em sua valência ética. A essa valência é preciso reconduzir a colaboração do homem para o plano de salvação. Uma colaboração que, longe de obscurecer ou diminuir o valor do dom divino, o torna ainda mais rico e significativo. Porque o convite dirigido ao homem para se tornar, em liberdade, cooperador ativo de seu próprio destino, revela a absoluta gratuidade do amor de Deus e exalta a grandeza do homem, chamado a se tornar seu verdadeiro parceiro no mundo.
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