20 Novembro 2019
O missionário, especialista na história do deus hindu Rama, é considerado o mais notável erudito cristão da Índia.
A reportagem é de Joe Palathunkal, publicada em La Croix International, 15-11-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Camille Bulcke pode não ser familiar em sua Bélgica natal, mas, mais de um século depois de seu nascimento, continua sendo aclamado pela sua erudição na língua hindi, na distante Índia.
O 110º aniversário de nascimento do padre jesuíta Bulcke passou sem grandes celebrações públicas no dia 1º de setembro na Índia, onde ele ficou conhecido como uma figura literária durante os seus 48 anos de vida missionária.
“Pela sua pesquisa e escritos, ele conquistou uma posição de eminência nos círculos literários da Índia e foi uma figura popular nas universidades e faculdades”, escreveu o então popular jornal indiano The Statesman, sobre a sua morte no dia 17 de agosto de 1982.
O belga desembarcou na Índia em 1935, aos 26 anos, armado com um diploma de Engenharia Civil de Louvain. Além do inglês e das suas línguas maternas, o francês e o flamengo, ele também sabia latim, grego e alemão.
Ele começou sua vida missionária como professor e logo se apaixonou pelo hindi. Sua obra mais aclamada foi uma tese sobre a origem e o desenvolvimento da história de Rama, a figura divina proeminente do hinduísmo.
O amor do Pe. Bulcke pelo hindi, um idioma de cerca de 40% do 1,2 bilhão de habitantes da Índia, começou quando ele era estudante na Bélgica, lembram seus alunos. Ele começou a aprender hindi três anos após desembarcar na Índia e ganhou o apelido de “dicionário ambulante” entre seus coirmãos, lembra o padre jesuíta Agapit Tirkey, um de seus estudantes.
“O hindi se tornou a sua segunda língua, e a sua mãe era a Índia”, disse.
Sua tese de doutorado – “Ram Katha: Utpati Aur Vikas” (História de Rama: origem e desenvolvimento) –, defendida na Universidade de Allahabad, fez história por causa da sua extensa pesquisa, conteúdo e linguagem, tornando-a um texto de estudo em várias universidades.
O belga insistiu em apresentar a sua tese em hindi, afastando-se do costume de escrevê-la apenas em inglês. Sua pesquisa traçou a evolução da história de Rama e a sua disseminação na Índia e por toda a Ásia.
Com um estudo tão elaborado sobre o épico “Ramayana”, o Pe. Bulcke passou a ser convidado para os círculos acadêmicos e literários. Sua presença em trajes clericais e suas apresentações respeitosas sobre a história de Rama se tornaram outra forma de evangelização, lembram os jesuítas mais antigos.
Com 30 livros e inúmeros artigos de sua autoria, o Pe. Bulcke recebeu a terceira maior honraria civil do governo indiano, a Padma Bhushan, em 1974.
A biblioteca de pesquisa que o Pe. Bulcke começou em Ranchi tornou-se um centro de pesquisadores sobre qualquer coisa relacionada ao hindi e a Rama. “Temos cerca de 14.000 livros”, diz o padre jesuíta Emmanuel Baxla, que agora administra a biblioteca.
O “Muktidada” (Libertador), de autoria do Pe. Bulcke, um livro em hindi sobre Jesus, e a primeira tradução completa do Novo Testamento para o hindi são consideradas obras-primas literárias nessa língua, que ele chama de “a terceira maior língua falada e compreendida do mundo”.
Suas contribuições inspiraram o estudioso de hindi Raghuvansh a escrever um livro sobre Jesus Cristo – “Manav Putra Isaa: Jivan aur Darshan” (Jesus, o Filho do Homem: vida e filosofia).
Em um artigo que diferenciava encarnação e avatar, o Pe. Bulcke argumentava que o avatar era uma mera aparência, enquanto a encarnação era de fato Deus se tornando um ser humano.
Sua devoção a Cristo e sua missão eram inquestionáveis. “É por causa da minha devoção a Cristo que sou inspirado a prestar o máximo de serviço possível à Índia e aos indianos", dizia ele.
A outra contribuição do Pe. Bulcke foi o dicionário inglês-hindi, que recebeu elogios até da ex-primeira-ministra indiana Indira Gandhi. O dicionário teve várias edições.
Ele considerava o hindi como uma língua que une povos de diferentes culturas e regiões. “Esta não é a língua de uma classe, região ou religião em particular, mas é a língua dos indianos”, escreveu ele em uma revista hindi em 1977.
O Pe. Bulcke influenciou várias porções da sociedade indiana, talvez como nenhum outro padre católico na história, disse o Pe. Tirkey, que viveu com Bulcke.
Sua aceitação social ficou evidente quando seus restos mortais foram levados de volta à sua base em Ranchi, no leste da Índia, 35 anos depois do seu enterro em Nova Déli, no dia 14 de março de 2018. Ele morreu em um hospital de Nova Déli.
A comunidade dominada por tribos em Ranchi conectou o enterro com a tradição tribal de carregar e reenterrar os restos mortais dos antepassados, entendida como uma bênção quando eles se mudam para outro local.
O reenterro em 2018 também marcou o 150º aniversário da chegada do primeiro jesuíta belga, o Pe. Augustine Stockman, em 1868. A missão dos jesuítas em Chotanagpur tem hoje mais de 10 dioceses, tornando-a uma vibrante região católica da Índia.
No entanto, para a maioria dos indianos, o Pe. Bulcke continua sendo um missionário comum. Como disse Indira Gandhi uma vez, “o Pe. Bulcke, nascido na distante Bélgica, identificou-se com a Índia e amava profundamente a civilização indiana”.
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Legado linguístico de jesuíta belga continua vivo na Índia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU