20 Novembro 2019
Medir o sucesso de “Parasita” – a comédia/parábola marxista assustadoramente engraçada e consistentemente surpreendente do ironista coreano Bong Joon-ho – depende do que você está assistindo especificamente. Um blockbuster de estúdio pode arrecadar 50 milhões de dólares no fim de semana de estreia e mesmo assim ser declarado um desastre. “Parasita”, que pode chegar a 25 milhões de dólares, já é um dos filmes estrangeiros de maior sucesso em anos. Ele está alcançando pessoas que normalmente não vão ao cinema, mas que, mesmo assim, vão ao cinema por causa dele.
O comentário é de John Anderson, crítico de televisão do jornal The Wall Street Journal e colaborador do jornal The New York Times, em artigo publicado em America, 15-11-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Por quê? Porque Bong, que foi responsável por ofertas audaciosas como “A Hospedeira” (2006), “Mãe!” (2009) e “Expresso do Amanhã” (2013), é em primeiro lugar um showman, mas também um moralista e até mesmo um sofisticado. Chame isso de esnobismo ou de conhecimento refinado, mas o hype em torno de “Parasita” (e ainda pode ser hype se for verdade) é que o filme é para pessoas que querem pensar enquanto estão se divertindo.
Eu duvido que tenha havido muita bilheteria cruzada entre “Parasita” e, digamos, “O Exterminador do Futuro: Destino Sombrio”. A polarização da nossa nação se estende ao cinema.
Mas isso tem estado aparente há algum tempo. O que tem sido menos evidente nos últimos anos é se as pessoas podem ser atraídas de volta para as salas de cinema depois de terem abandonado o hábito, seja por causa dos smartphones, da morosidade ou daquilo que Martin Scorsese descreveu recentemente como a qualidade de “parque temático” dos filmes da Marvel, que são as únicas coisas que ganham muito dinheiro hoje em dia.
Eu acho que Scorsese está absolutamente certo de que os filmes da Marvel não são apenas tolices produzidas em massa, mas também – estando desprovidos de valor redentor e voltados para os piores instintos de alguém – um pouco como pornografia. Considerando-se a devoção dos fãs da Marvel às escrituras ornamentadas do seu estúdio de cinema favorito, esses filmes também representam uma religião fundamentalista de pequena escala.
“Parasita” é para outras pessoas – assim como “História de um Casamento”, “O Irlandês” e “O Farol”, para citar algumas produções atuais. Mas “Parasita” também é diversão sem limites.
Pode haver alguns públicos que saiam do filme sem saber que receberam uma lição épica sobre a guerra de classes. Eles não vão se importar com isso. Mas você também não precisa. O que você fará é pensar: existe justiça na pobreza? Qual é a dificuldade de um camelo passar pelo buraco de uma agulha? Existem vilões no filme? E, se sim, quem são eles?
Os vilões são a família Park – o tão privilegiado Dong-ik (Lee Sun-kyun), sua esposa neurótica, Yeon-kyo (Jo Yeo-jeong), sua filha Da-hye (Jung Ji-so) e seu irritante irmão mais novo, Da-song (Jung Hyun-jun) – que vive em uma casa suburbana extensa e haut-moderne, tão vasta que nem mesmo eles sabem o que está debaixo dos seus pés (esse será um ponto importante da trama)?
Ou são os malvados da família Kim – o gênio adolescente maquiavélico Ki-jung (Park So-dam), seu irmão, Ki-woo (Choi Woo-sik), e sua mãe e pai, Chung-sook (Jang Hye-jin) e Ki-taek (Song Kang-ho)?
Os aparentemente desmotivados Kim, que vivem em um porão no fim de um beco coberto de urina de Seul, sobrevivendo com o “bico” de dobrar caixas de pizza, vão se intrometer na vida dos Park com consequências catastróficas. Mas tirar conclusões não é o objetivo de Bong.
Os Kim, deve-se mencionar, são implausíveis. Ou a implausibilidade deles faz parte da mensagem do filme? Seu domicílio é livre de angústia (exceto pela falta de wi-fi e pela proximidade com os esgotos); eles são um grupo afetuoso e unido. Eles também são gênios, exceto por uma certa obtusidade.
“Se ela quisesse”, diz a mãe sobre Ki-jung, “ela seria uma grande vigarista.” Seria? Ela é tão desonesta quanto eles: quando Ki-woo recebe uma dica sobre um trabalho de professor particular com uma família rica (os Park), Ki-jung falsifica os documentos universitários dos seu irmão (de uma universidade estadunidense, algo não insignificante), é contratada em um combo como psicólogo/terapeuta de arte para o pequeno Da-song e consegue que seu pai seja contratado como chofer da família e a mãe, como empregada doméstica. Os Kim seguem em frente. A sanidade retrocede.
Revelar muito mais sobre o enredo seria arruinar as coisas; a experiência de “Parasita” depende de alguém se surpreender com o quão literal e figurativamente labiríntica a história se torna, com o modo como Bong transforma digressões hilárias em um “pastelão” e permite que a história se torne, por um tempo curto e tolerável, um verdadeiro sitcom.
Mas é uma comédia agressiva e com ecos morais assombrosos, com uma boa dose de vulgaridade e com um ar inteligente de comédia. O fato de atrair multidões – até mesmo multidões mais jovens, segundo Tom Brueggemann, analista de bilheteria da Indiewire – diz alguma coisa. Assim como o fato de as pessoas irem assistir filmes inteligentes. Assim como o fato de procurarem uma vantagem cinematográfica. E assim como o fato de que elas assistirão a filmes onde nem tudo explode – exceto, no caso dos Park e dos Kim, a própria vida.
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“Parasita”, uma diversão sem limites. Também para quem gosta de filmes inteligentes - Instituto Humanitas Unisinos - IHU