16 Mai 2011
Estratégias hegemônicas que surgem no duplo movimento entre tendências homologantes e vitalidades da produção local. Enquanto isso, no mundo, se assomam protagonistas dinâmicos como a China, a Índia e o mundo árabe.
A reportagem é de Marco Dotti, publicada no jornal Il Manifesto, 13-05-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
"A guerra dos conteúdos culturais começou". Frédéric Martel é claro na conclusão do seu livro Mainstream (430 páginas), recentemente publicado pela editora Feltrinelli. Um livro-investigação sobre o "controle dos sonhos e das imagens" dos últimos tempos, deste tempo do século XXI, em que o "capitalismo hip" é sim global, financeirizado e fortemente concentrado, como se continua dizendo, mas também marcado justamente pelos fluxos e da desmaterialização dos seus produtos, também fortemente marcada pela "descentralização e pelo fato de ser força criativa e destrutiva". É nessa forma que se torna fundamental o controle do mainstream e daquela mercadoria totalmente particular que é chamada de "cultura".
Eis a entrevista.
O que significa mainstream? Estávamos acostumados ao uso e ao abuso que Ronald Reagan fez dele, e ao contrário...
“Maistream” significa literalmente "dominante" e se diz de um produto cultural que conquista um público muito grande. Ronald Reagan conhecia o mainstream de modo natural. Não é por acaso que ele foi um ator de segundo nível, mas também não é irrelevante o fato de que, depois da sua "primeira vida", ele se tornou um presidente de primeiro plano. É justamente isto o mainstream: saber tornar público, assumir em si e sobre si a cultura de massa. Mainstream é Avatar e Lady Gaga, Batman e Matrix, em suma, a cultura dos nossos filhos, dos nossos estudantes e a de muitos europeus.
Mainstream, porém, é um termo que pode ter uma conotação negativa no seu significado de cultura dominante e hegemônica, e, desse ponto de vista, precisamos denunciá-lo e sobretudo criticá-lo. Mas o mesmo termo também tem uma conotação positiva, no sentido da cultura comum, de algo que agrada a todos. Também pode ser usado na política (Berlusconi certamente é mainstream!), ou no âmbito dos negócios. Isso acontece porque mainstream é um termo, não um conceito.
Trata-se, de outra forma, de uma palavra, e é essa ambiguidade da palavra, a sua polissemia, que me fascinou e me levou a trabalhar sobre os problemas que ela gera, sobre os seus desvios, mas também sobre a sua contínua evolução. Ao mesmo tempo, se me refiro a um termo tão ambíguo, não quero por isso deixar passar a ideia de que eu esteja defendendo um status quo ou um certo mainstream entendido como cultural hegemônica e, sob certos aspectos, homologante, nem que a sua generalização possa servir para qualificar como inevitável uma certa visão do mainstream, que tende a reduzir todas as fontes culturais a uma só.
Ao contrário, muitas vezes temos a ideia de que a Internet, combinada com a globalização, irá produzir uma homogeneização fatal das culturas. Outros, no entanto, temem uma fragmentação infinita, depois da qual ninguém terá mais nada em comum com os outros, não haverá nenhuma cultura comum e só nos restará fechar-nos em uma cultura de nicho, estritamente comunitária, para não dizer sectária.
No meu trabalho, baseando-me em uma longa investigação de campo, que me levou do Líbano à China, da Índia aos Estados Unidos, até o México, demonstra, porém, que a globalização e a passagem ao digital são capazes de produzir tanto uma coisa quanto outra, mas não alternativamente.
Ambos os fenômenos ocorrem paralelamente. A globalização não levou ao desaparecimento das culturas nacionais e locais, que gozam de plena saúde. A Internet permite, ao mesmo tempo, que se assista a um vídeo da Lady Gaga no Irã e que se defenda a sua própria cultura local. As culturas nacionais têm uma capacidade de resistência e de recuperação que pode ser compreendida no coração do processo de globalização. Eis, portanto, uma razão a mais para se refletir sobre a noção de mainstream, afastando-nos de certas leituras já obsoletas, por serem marcadas por um modelo de produção de conteúdos que não existe mais e fortemente críticas à indústria cultural. Não que a crítica não deva existir, só que, mudando o objeto, deve mudar também o instrumento do fazer crítica.
Talvez, está se afirmando uma nova geografia, ou melhor, uma nova geopolítica na produção dos conteúdos culturais. Se o novo século, por mais um tempo, continuar a ser norte-americano, é quase certo que não será mais europeu. Você concorda?
Certamente, e é aqui que o complexo intrincamento e destrincamento dos fluxos que marcam a nossa época mostra como global e local estão interconectados, não tanto por uma lógica de sistema, mas justamente por causa da dimensão das coisas e por causa da emergência de atores mantidos à margem da produção cultural. Tomemos o caso da música. Ele continua sendo nacional em todos os lugares, em mais da metade das suas próprias vendas. E a televisão? Bem, apesar da CNN ou da Al Jazeera, que têm uma influência mundial mas limitada, a televisão também continua sendo em grande parte local ou nacional.
Pensemos em um único dado: na China, há cerca de 2 mil canais que emitem uma programação muito "chinesa". Para as bilheterias do cinema, quase metade está ligada a produtos nacionais. Representa 50% na França, no Japão e na República Tcheca, enquanto na Índia é de mais de 80%. A indústria editorial é em toda a parte muito nacional, assim como a informação ou o mercado publicitário. As séries de televisão também são muito pouco globalizadas, mesmo que o sucesso das séries norte-americanas poderiam nos fazer crer o contrário: as telenovelas latino-americanas, as novelas do Ramadã no mundo árabe, os "melodramas", coreanos e japoneses ainda dominam os mercados locais.
Portanto, não se pode dizer que a cultura está se globalizando. Ao contrário, invertendo a questão, devemos dizer – e isso é verdade – que parece que temos menos produtos culturais (aqueles que até ontem atravessavam as alfândegas e as fronteiras) e cada vez mais fluxos, mais serviços e mais formatos. Enfim, se as culturas regionais e nacionais ainda estão vivas e têm sucesso, temos, porém, uma cultura globalizada, muito norte-americana, que substituiu as outras culturas não nacionais. É isso que eu chamo de mainstream.
O mainstream torna cada vez mais estreito e, em certos termos, evidente o nexo entre guerra e informação. Uma luta que é também entre entre o "soft" e o "hard power"...
Podemos falar de batalha, de competição econômica ou de guerra comercial, mas o dado verdadeiro é que, nesse jogo, há novos atores que querem não só desempenhar a sua própria parte, mas vencer essa batalha pela produção de conteúdos culturais. A China em primeiro lugar, depois os países árabes, mas não devemos subestimar a Indonésia e a Turquia, por exemplo com relação às séries de televisão, ou a Coreia do Sul pela música "kpop", a Arábia Saudita pelas transmissões relacionadas ao Ramadã e assim por diante. Está se delineando uma nova geopolítica da mídia, e cabe a nós a honra de decifrá-la e cartografá-la. Mas nem a globalização, nem a passagem para o digital alteram a necessidade de informação e de qualidade dos conteúdos, mesmo quando essa necessidade torna-se pedido de ficção ou de diversão.
Obviamente, não sou o primeiro a falar da globalização ou de países emergentes em termos culturais, mas acredito que muitos analistas até agora subestimaram o fato de que alguns países também estão surgindo por meio da sua cultura ou da sua mídia. Todos os dias, abre-se um novo cinema multiplex na China. Todos os dias. Assim como na Índia ou no México. A China está investindo pesadamente em infraestrutura na Ásia. A Índia compra estúdios norte-americanos, e a gigante TV Globo no Brasil está lutando contra a Televisa no México para controlar o mercado latino-americano dos produtos de televisão. Do outro lado do planeta, a Al Jazeera compra os canais de esportes que permitem ter todos os pacotes dos campeonatos de futebol marroquinos, tunisianos, argelinos ou jordanianos.
Há uma nova concorrência mundial sobre os conteúdos culturais e da mídia, isso é evidente. Cultura e informação se misturam nisso que está se tornando cada vez mais o infotainement. A concorrência ocorre ali, nesse novo espaço.
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A geopolítica mutante da indústria cultural - Instituto Humanitas Unisinos - IHU