12 Novembro 2019
"Queremos continuar a ter um crescimento do PIB sem inflação, acompanhado por um desemprego exorbitante, uma explosão de desigualdades, um aumento da miséria para a maioria de nós e um agravamento de catástrofes ecológicas? Ou estamos prontos para aceitar a inflação se não cortar o poder de compra dos assalariados e se permitir reduzir as emissões, criar empregos "verdes" e nos adaptar mais facilmente ao impacto do aquecimento em ato?", pergunta Gaël Giraud, economista, padre jesuíta e economista-chefe da Agência Francesa de Desenvolvimento, em artigo publicado por la Repubblica, 11-11-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Juntamente com todas as mulheres e todos os homens que se recusam a ser as próximas vítimas do neoliberalismo, devemos não apenas mudar nossas modalidades de vida cotidiana, mas também exigir e implementar políticas globais, macroeconômicas, que estejam à altura dos desastres planetários em curso. E para isso é necessário libertar-nos dos dogmas.
De todas as fábulas inventados pelas elites financeiras ocidentais: a "mão invisível" do mercado, a concordância milagrosa do egoísta interesse pessoal com o interesse geral, a deificação dos mercados financeiros, a necessidade de aumentar o PIB para viver em paz. Na verdade, a maioria dos economistas não sabe por que o crescimento do PIB acelere, desacelere ou diminua. Por que, por exemplo, as taxas de crescimento desaceleraram a partir da década de 1980, quando o preço de um barril de petróleo voltou a cair desde 1985 para o mesmo nível que tinha antes do primeiro choque petrolífero de 1973? Por que a desaceleração foi acompanhada por um aumento acentuado da dívida pública e privada em quase todos os países, independentemente das políticas implementadas, do regime e do clima social? Uma parte dos economistas da corrente dominante se perde em conjecturas.
Por que, pelo contrário, conhecemos durante os "trinta anos gloriosos" (1945 a 1975, período caracterizado por forte crescimento econômico) taxas de crescimento que fariam morrer de inveja os atuais defensores do crescimento? A maioria dos economistas responderá: graças ao progresso técnico. Isso talvez significa que, desde os anos 1980, "progredimos" menos rapidamente no âmbito tecnológico? Mas o que é o progresso técnico? A economia neoclássica sabe mais hoje sobre como o progresso técnico alimenta o crescimento? Não. Simplesmente refinou as técnicas estatística de estimativa daquela fração majoritária do crescimento cuja causa lhe escapa. E também o debate sobre a estagnação secular causa preocupação.
Estaríamos talvez às vésperas de uma grande ruptura tecnológica que relançará a economia mundial? Talvez as estatísticas não permitam entender de maneira pertinente o impacto extraordinário das novas tecnologias da comunicação, que deveriam trazer a prosperidade para todos e cujos traços na contabilidade do crescimento se fazem aguardar há uma década? Parece quase como ler o horóscopo. O início de uma resposta convincente a essas perguntas não pode esquecer a dependência das nossas economias (e, portanto, do crescimento) da extração e da metabolização de recursos energéticos e de matéria. Os "trinta anos gloriosos" coincidem com um crescimento exponencial da extração de energia e de matéria. Na verdade, as nossas economias funcionam como grandes processos metabólicos: extraem recursos, os metabolizam produzindo trabalho e liberam resíduos. Uma fração desse trabalho é muito útil. O resto, na maioria das vezes, não é apenas inútil, mas socialmente nocivo: o mesmo ocorre com as finanças do mercado e seus batalhões de corretores, gerentes, executivos, quadros, consultores e outros gurus. A única maneira de tornar sustentável esse ciclo de energia e de matéria consiste em reciclar a maioria de nossos resíduos e em suprimir a parte inútil do trabalho fornecido. Ou melhor: na seleção das atividades de metabolização com nas quais nos importamos em comparação com aquelas que podem ser suprimidas a fim de reduzir a retirada de recursos minerais não renováveis. E se o PIB estagnar ou diminuir enquanto a oferta monetária aumentar, se criará inflação? Não necessariamente. Tudo depende da velocidade de circulação da moeda. O que vem diminuindo lentamente há várias décadas.
No final, mesmo que isso gerasse inflação, o que haveria de errado? Enquanto os salários acompanharem o ritmo, a inflação é um excelente meio de redistribuir riqueza. De um pseudo-imperativo moralizador ("é necessário o crescimento para pagar as nossas dívidas"), chegamos a um debate social. Queremos continuar a ter um crescimento do PIB sem inflação, acompanhado por um desemprego exorbitante, uma explosão de desigualdades, um aumento da miséria para a maioria de nós e um agravamento de catástrofes ecológicas? Ou estamos prontos para aceitar a inflação se não cortar o poder de compra dos assalariados e se permitir reduzir as emissões, criar empregos "verdes" e nos adaptar mais facilmente ao impacto do aquecimento em ato? O que precisamos é aprender a pensar em um mundo pós-crescimento. E para fazer isso, precisamos nos libertar dos tabus: o mito da inflação, o mito do déficit e da dívida pública. Como somos obrigados a apoiar-nos mutuamente para lidar com desastres em curso. Cooperação, ajuda mútua, inteligência coletiva, bens comuns são os meios para conseguir limitar os danos. Isso nos obriga a jogar fora a ideia de que a guerra de todos contra todos e a seleção darwiniana sejam as mediações necessárias para a sobrevivência. A sociedade deveria aprender a simbolizar novamente seus conflitos, a configurar uma instância política capaz de indicar uma rota e segui-la.
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A fábula do crescimento - Instituto Humanitas Unisinos - IHU