07 Novembro 2019
Lourdes Casanova, professora da Universidade Cornell (EUA) pede a volta dos bancos de desenvolvimento: “É preciso algo mais do que apenas o mercado e a região não pode ir na direção contrária”.
A entrevista é de Ignacio Fariza, publicada por El País, 06-11-2019.
A receita para o crescimento nas últimas décadas deu uma guinada drástica: da ideia de que a melhor política industrial é a não política industrial, que tantos adeptos conquistou nas últimas décadas, se passou, em poucos anos, à revalorização da figura do Estado como um leme que define o rumo a longo prazo. “Entramos em outra fase, confirma Lourdes Casanova (Fraga, 1958), diretora do Instituto de Mercados Emergentes e professora da Escola de Administração Samuel Curtis Johnson, ambas ligadas à Universidade Cornell. E a América Latina –uma das regiões que segue mais de perto da academia– não pode ignorar essa nova realidade: “É preciso levá-la em conta. Existe uma volta aos bancos de desenvolvimento em todo o mundo, muitos países da região perceberam que é preciso algo mais do que apenas o mercado e a região não pode ir na direção contrária. Nos Estados Unidos, por exemplo, cresceram as vozes que pedem que o Estado tenha um papel importante na implementação da rede 5G, algo que teria sido impensável alguns anos atrás”, aponta em uma conversa com o EL PAÍS em um hotel no centro de Nova York, a um passo do Central Park.
A revalorização da função dirigente do Estado mostrou a realidade oposta, especialmente na América Latina: “Talvez tenham ido longe demais na desindustrialização de suas economias em busca de benefícios a curto prazo. Erraram claramente em renunciar a uma política industrial”. Num mundo em mudança, enfatiza Casanova, a necessidade de planos de longo prazo é mais importante e do que nunca. “E isso é, infelizmente, exatamente o oposto do que vemos em muitos países latino-americanos, onde solavancos e mudanças de direção são muito frequentes e pouco se pensa a médio e longo prazo. O consenso em relação a políticas de futuro é o que dá força a uma nação: a maioria dos países de sucesso são aqueles que o alcançaram”.
A ausência de valor agregado sobre as exportações latino-americanas é, aponta, um bom exemplo do que se refere quando fala sobre a ausência de planejamento de longo prazo. “Pensemos na soja: a Argentina e o Brasil se tornaram dois dos maiores produtores mundiais de soja, em boa medida para abastecer o mercado chinês. Mas até agora não foram capazes de agregar valor ao produto.” Pode-se falar de maldição das matérias-primas? “Longe disso; basta ver os casos do Canadá, Estados Unidos, Austrália ou Nova Zelândia. São uma bênção, mas só se você for capaz de agregar valor a elas. Não faz sentido, por exemplo, que um dos maiores itens de importação do México seja a gasolina: não é normal exportar petróleo e importar combustível”.
A outra grande lição do transcurso da economia global nos últimos anos é que a luta para ver quem produz mais barato “terminou”. É uma batalha, afirma a professora de Cornell, que a Ásia ganhou: primeiro a China –“que agora passou para outra fase, de investimento, à qual devemos prestar muita atenção, porque participa cada vez mais de compras de empresas no exterior”– e, mais recentemente, o Vietnã e o Camboja. “É algo que a América Latina precisa aprender, e principalmente o México, um país que hoje tem um custo de mão-de-obra inclusive mais baixo do que a China, quando, a longo prazo, o que serve é a escala, a cadeia de valor e o tamanho do mercado interno.”
Em seu leque de recomendações, Casanova, hoje referência em uma universidade que compete nas grandes ligas das universidades norte-americanas depois de anos de ensino na prestigiosa escola de negócios francesa Insead, não se limita aos Governos e chama também à reflexão os grandes capitais latino-americanos. “Ter uma das sociedades mais desiguais do mundo prejudica muito o crescimento: precisam recuperar o espírito de seus antecessores, que era contribuir para o desenvolvimento de seus países.” Também devem ser conscientes, acrescenta, de que “para que suas empresas prosperem é necessário aumentar o consumo. E que pobreza e a desigualdade não são apenas problemas éticos gravíssimos, mas um obstáculo para o crescimento econômico”.
Estamos caminhando para uma maior integração comercial na América Latina? A cada ano, de acordo com um relatório recente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a região enfrenta uma fatura superior a 11 bilhões de dólares (cerca de 44 bilhões de reais) pelo fato de que, em vez de ter um único acordo comercial, conta com dois grandes blocos (a Aliança do Pacífico e o Mercosul) e aproximadamente trinta acordos bilaterais. Não será fácil, mas o caminho a seguir é, “inevitavelmente”, se integrar mais para poder competir como bloco. “Oxalá isso aconteça em breve. Mas, enquanto isso, é preciso acabar com a fragmentação na medida do possível, pois impede a coordenação dos esforços de desenvolvimento de tecnologia e de inovação, que deveriam ser regionais. Cada país, simplesmente, não pode fazer a guerra por sua conta.
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“América Latina errou ao renunciar à política industrial” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU