01 Outubro 2019
"O drama 'Ad Astra', de James Gray, não tem a ver tanto com o espaço quanto tem a ver com a importância do contato humano".
O comentário é de Kevin Christopher Robles, articulista do The Observer – Fordham University, publicado por America, 27-09-2019. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Este ensaio contém spoilers.
O drama “Ad Astra”, de James Gray, não tem a ver tanto com o espaço quanto tem a ver com a importância do contato humano. Conta a história de Roy McBride (Brad Pitt), que viaja para dentro das profundezas angustiantes do sistema solar em busca de seu pai, Clifford (Tommy Lee Jones). Muitos anos antes do começo do filme, Clifford havia embarcado em uma expedição a Netuno para pesquisar vidas extraterrestres. No entanto, ele sofre uma tragédia desconhecida e presume-se que está perdido no espaço.
A ausência do pai de Roy em sua vida o transforma em um estoico e numa pessoa emocionalmente atrofiada, cuja incapacidade de confiar nos demais o conduz a um isolamento social e, por fim, ao afastamento de sua esposa. Mas quando acontece de haver uma esperança de que o seu pai possa estar vivo depois de todos estes anos, vê-se forçado a considerar aquilo que o destino de seu pai fez para ele. Ele começa a se perguntar sobre se está, de fato, se protegendo quando se afasta das pessoas e de tudo o que ama.
O drama “Ad Astra”, de James Gray, não tem a ver tanto com o espaço quanto tem a ver com a importância do contato humano.
A viagem que empreende é indelevelmente espiritual. A cinematografia de “Ad Astra” força o espectador a confrontar a vastidão com o vazio do espaço. É uma jornada traiçoeira, repleta de incontáveis perigos, entre os quais a luta de Roy em entender o significado do desaparecimento de seu pai. Há uma qualidade fantástica que faz o filme inteiro parecer um sonho, e a narração áspera de Roy faz parecer que o espectador entrou em uma parte profunda de seu consciente.
Deus (ou pelo menos a conversa de Deus) é um elemento surpreendente no filme. Embora o tópico da fé não seja, em momento algum, abordado explicitamente, alguma forma de cristianismo parece ser comumente praticada entre os astronautas. Quando uma tragédia acontece a um dos colegas de equipe de Roy, os outros astronautas lhe realizam um funeral. Rodeiam enlutados o falecido irmão, e um deles faz a oração: “Que encontre o Redentor face a face e desfrute a visão de Deus para sempre”, antes de o corpo ser lançado ao vácuo.
A fé parece também ser um fator motivador para a expedição de Clifford a Netuno. Em mensagem a Roy enviada anos antes, Clifford alega sentir a presença de Deus durante a viagem, que durou décadas. É “esmagadora”, diz, e afirma se sentir mais perto dele aí do que em qualquer outro lugar. A busca de Clifford por vida extraterrestre parece, a ele, uma missão sagrada, e chega a dizer que se sente como fazendo o trabalho de Deus no espaço.
Estas reflexões lembram algo que o Papa Francisco certa vez disse durante uma homilia. Ele abordava o tópico da difusão da fé a alienígenas como um exemplo de como a Igreja deve se abrir para servir a todos, independentemente de onde venham. “Quem somos nós para fechar as portas”, perguntou-se. “Se amanhã viesse uma expedição de marcianos, por exemplo, e alguns deles viessem a ter conosco… marcianos, não? Verdes, com aquele nariz longo e as orelhas grandes, como nos desenhos das crianças… E um deles dissesse: ‘Mas eu quero o Batismo!’ O que aconteceria?” O Papa Francisco afirmou que todo alienígena hipotético é tão digno do amor de Deus quanto os homens.
Há algo inaciano também em um aspecto da viagem de Roy. Ele precisa fazer checagens regulares sobre a sua saúde mental, o que inclui falar das coisas que vivenciou naquele dia. Roy é forçado a se confrontar e a lidar com as frustrações e traumas que vivencia ao falá-las em voz alta. Recorda uma versão para a era espacial dos Exames Diários, um dos exercícios espirituais de Santo Inácio que ajuda o sujeito avaliar as próprias ações. Embora possam parecer grandemente superficiais, estas checagens obrigatórias dão a Roy um momento para examinar o seu próprio desenvolvimento.
A busca de Roy por seu pai acaba levando-o a descobrir algumas verdades desconfortáveis. Clifford, fica claro no filme, enlouqueceu por causa do isolamento – uma visão daquilo que o próprio Roy pode se tornar caso continue vivendo em seu caminho solitário. Quando Roy finalmente o encontra, sabe-se que Clifford matou sua equipe quando eles deram a entender que deveriam abandonar a missão. No entanto, Clifford também tinha descoberto que, até onde foi possível estudar, não há nada do tipo vida extraterrestre no universo mais amplo. A sua incapacidade de lidar com esta descoberta só se somou à sua mania crescente, mas Roy ainda quer trazer o pai de volta para casa.
Perto do final do filme, falando a seu pai, Roy aborda talvez o tema mais importante do filme: “Agora sabemos que somos tudo o que temos”. Em um vasto universo, a coisa mais importante acaba sendo a família.
As sequências finais do filme retornam à Terra, onde Roy, tendo chegado a um despertar depois de sua jornada espiritual através do espaço, sente-se determinado a se religar com a esposa e abrir-se a novas possibilidades. Afinal, quem somos nós para fechar as portas?
Assista ao trailer do filme:
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A jornada espiritual de Brad Pitt em ‘Ad Astra’ - Instituto Humanitas Unisinos - IHU