23 Setembro 2019
A prestigiada revista teológica mensal Herder Korrespondenz lançou nova luz sobre a disputa em curso entre a Igreja alemã e figuras do Vaticano a respeito dos planos da Igreja na Alemanha de realizar um “procedimento sinodal”.
A reportagem é de Christa Pongratz-Lippitt, publicada por The Tablet, 20-09-2019. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Este procedimento traçaria o caminho a seguir para a Igreja local após a devastação causada pela crise de abusos sexuais clericais e pelo êxodo significativo dos fiéis.
Em 29 de junho deste ano, o Papa Francisco redigiu uma “Carta ao Povo Itinerante de Deus na Alemanha”, na qual especialmente pede que a Igreja neste país permaneça em união com a Igreja mundial e com a fé católica.
É extremamente raro, se não singular, um papa se voltar a todos os católicos de um país em particular como fez Francisco na carta, e muitos católicos alemães se perguntam como surgiu esta carta e o que o próprio papa Francisco pensa dos planos dos bispos alemães de realizar um “procedimento sinodal vinculante” de dois anos juntamente com o Comitê Central dos Católicos (leigos) Alemães.
Agora soube-se que a carta do papa veio após uma conversa que teve com o Cardeal Walter Kasper, mas que essa conversa com Kasper fora motivada por outras iniciativas tomadas de forma independente por chefes de importantes congregações vaticanas.
O Cardeal Walter Kasper, ex-presidente do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos (de 2001 a 2010), falou à Herder Korrespondenz sobre o diálogo com o papa que precedeu a “Carta ao Povo Itinerante de Deus na Alemanha”. Kasper é pessoa próxima de Francisco: imediatamente após ser eleito, o pontífice observou que estava “um livro de um cardeal – o Cardeal Kasper, um teólogo inteligente, um bom teólogo – sobre a misericórdia. E que esse livro me fez muito bem”. A decisão do papa de declarar 2016 um “Ano da Misericórdia” deve muito a este livro, intitulado “A misericórdia: condição fundamental do evangelho e chave da vida cristã”, publicado em 2012.
Em 18 de setembro, Kasper disse à Herder Korrespondenz que havia recebido um telefonema do papa no começo de junho deste ano. O papa pediu que viesse à Casa Santa Marta para uma reunião e discutir um assunto concernente à Alemanha. Na audiência privada que se seguiu dentro de poucos dias, ele e o Papa Francisco discutiram a situação longamente na Alemanha. Quando a carta do papa aos católicos alemães foi publicada em 29 de junho, ele (Kasper) era “o mais surpreso, para dizer o mínimo” sobre como ela fora recebida na Alemanha, disse.
“Embora tenha sido bastante elogiada na Alemanha (quando foi publicada), a carta depois foi colocada de lado e os alemães continuaram com as reformas [o procedimento sinodal] que haviam planejado. Sem uma renovação através da fé, no entanto”, explicou Kasper, “todas as reformas estruturais, por melhores que sejam, não dão em nada”.
É claro que a evangelização não é possível sem uma conversão pessoal e sem reformas, coisas das quais a Igreja está necessitada hoje, continuou o cardeal, mas “é um autoengano desastroso achar que podemos despertar uma nova alegria na fé através de reformas estruturais somente. Isto, no fim, só levará a uma nova e profunda decepção”.
Kasper destacou que o Papa Francisco havia colocado a evangelização no centro das reflexões e, assim, deu continuidade à linha que seus antecessores Paulo VI e Bento XVI tomaram. Kasper não menciona se o efeito do escândalo de abusos sexuais nas iniciativas de evangelização foi discutido.
A Herder Korrespondenz fez uma pesquisa sobre as origens da carta do papa e publicou-a on-line. As suas verdadeiras origens remontam a conversas altamente confidenciais na Cúria, que aconteceram sem nenhum dos alemães presentes. Três fontes vaticanas independentes contaram à Herder Korrespondenz que a carta aos católicos alemães não se origina nem com o papa nem com o teólogo alemão, mas na Cúria Romana. Por muito tempo, o curso do episcopado alemão tem provocado uma irritação maior “do que a usual”, disseram as três fontes. A decisão dos bispos alemães de permitir que pessoas divorciadas recasadas e parceiros não católicos em casamentos mistos recebam a Comunhão irritou particularmente Roma, e o episcopado alemão foi considerado “imprevisível”.
Depois da sessão plenária da conferência dos bispos da Alemanha em fevereiro, na qual anunciaram os planos de realizar um “procedimento sinodal”, vários e importantes membros da Cúria decidiram que era chegado o momento de agir. Só no mês de maio, uma ou mais reuniões interdicasteriais altamente confidenciais foram realizadas no Vaticano para discutir a questão alemã. De acordo com as três fontes da Herder Korrespondenz, os presidentes da Congregação para a Doutrina da Fé, da Congregação para o Clero, da Congregação para os Bispos e o secretário de Estado, o cardeal Pietro Parolin, todos participaram. O prefeito da CDF, o cardeal Luis Ladaria, foi finalmente encarregado de se aproximar do papa e pedir-lhe que se dirigisse aos alemães.
Solicitada pela Herder Korrespondenz para comentar sobre a versão dada por três fontes independentes de como surgiu a carta do papa aos alemães, a Sala de Imprensa da Santa Sé afirmou: “Podemos confirmar que a Carta aos Católicos Alemães, do papa, como é comum com outros textos assim, pode também remontar a um intercâmbio interno entre os dicastérios vaticanos responsáveis que aconteceu durante o período em questão”. O papa havia “certamente tomado nota” destes diálogos, informou a Sala de Imprensa.
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Papa consultou Kasper antes de escrever carta à Igreja alemã - Instituto Humanitas Unisinos - IHU