05 Agosto 2019
Em japonês, a palavra é johatsu, ou os "evaporados".
O comentário é de Chris Weller, publicado por Business Insider, 02-08-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Atormentados pela vergonha por terem perdido o emprego, por um casamento fracassado ou por uma dívida, milhares de cidadãos japoneses parecem ter se especializado em deixar suas identidades para trás para buscar refúgio no anonimato, saindo de circulação.
Isso de acordo com um livro recentemente publicado chamado “The Vanished: The ‘Evaporated People’ of Japan in Stories and Photographs" (Os desaparecidos: o 'povo evaporado' do Japão em histórias e fotografias, em tradução livre) do casal, ela autora e ele fotógrafo, francês Léna Mauger e Stéphane Remael.
O livro, disponível também em francês, relata uma série de anedotas sobre pessoas que fugiram da sociedade moderna em busca de uma vida mais privada e com menos vergonha.
Mauger e Remael passaram cinco anos viajando pelo Japão, começando em 2008, ganhando a confiança da população local para conhecer a fundo a triste tendência. Eles também encontraram entes queridos daqueles que desapareceram: pais, esposas e antigos amantes abandonados. Não existem números oficiais do governo sobre esta tendência, mas de acordo com a pesquisa do casal, mais de 100.000 pessoas desaparecem a cada ano.
Nenhuma dessas pessoas desaparece fisicamente, por si e em si; a "evaporação" é mais um desaparecimento administrativo. Como aquele das pessoas nos Programas de Proteção a Testemunhas nos Estados Unidos, os johatsu optam por mudar seus nomes, endereços e vínculos profissionais. Eles podem praticamente fazer tábula rasa.
No Japão, essa fuga pode ser surpreendentemente fácil, afirma a Public Radio International (PRI). As leis de privacidade japonesas dão aos cidadãos grande liberdade para manter seus movimentos em segredo. Somente em casos criminais a polícia busca dados pessoais dos cidadãos, e os parentes não podem consultar os dados financeiros.
Como relatou Mauger ao New York Post em dezembro, os casos de desaparecimento são causados pela enorme pressão que a cultura japonesa coloca em "salvar a cara".
"É um enorme tabu", disse Mauger. "É algo sobre o que você não pode realmente falar. Mas as pessoas podem desaparecer porque existe outra sociedade por baixo da sociedade japonesa. Quando as pessoas desaparecem, sabem que podem encontrar uma maneira de sobreviver".
Os casos de johatsu parecem ter surgido no final dos anos 1960, em decorrência de um filme de 1967 intitulado "A Man Vanishes", no qual um homem de repente deixa para trás o trabalho e a namorada e desaparece.
No final dos anos 1970, emergiram mais casos de jovens trabalhadores criados no campo que fugiam do trabalho duro em direção às cidades, conta Hikaru Yamagishi, que estuda Ciência Política em Yale.
Um homem que Mauger e Remael encontraram relatou que seu trabalho era transferir esses johatsu para vilarejos e cidades distantes durante os anos 1990. Ele e outros como ele se definiam "transferidores noturnos". O trabalho deles era levar pessoas para novos locais secretos, sob a cobertura da escuridão. De acordo com o PRI, os anos 1990 foram a época de boom para esses "transferidores noturnos". A economia tinha acabado de sofrer um colapso e muitas pessoas estavam procurando uma saída.
"É uma loucura, mas naqueles anos o desaparecimento se tornou um negócio" disse Mauger ao PRI.
Em seu livro, Mauger e Remael também lançam uma nova luz sobre os entes queridos que são deixados para trás. Muitas vezes as famílias dos johatsu disseram que teriam preferido que a pessoa desaparecida não sentisse tanta vergonha.
"Só queremos saber alguma notícia, não precisa voltar para casa. Se precisar de dinheiro, mandaremos para ele", disse um dos pais de um johatsu a Mauger e Remael.
A obsessão japonesa por "salvar a cara" também se manifesta de outras maneiras.
Por exemplo, a língua japonesa tem uma palavra para descrever os suicídios devido ao trabalho excessivo: karoshi.
Em outubro passado, um relatório descobriu que mais de 20% das pessoas em uma pesquisa de 10 mil indivíduos disseram que trabalhavam pelo menos 80 horas extras por mês. Metade dos que responderam disseram que tinham desistido de receber férias remuneradas.
Nos últimos meses, o governo japonês deu pequenos passos para reduzir os casos de karoshi, como incentivar as empresas a deixar que seus funcionários trabalhem menos às sextas-feiras. Segundo os especialistas, no entanto, a cultura do trabalho é tão forte que, para muitos, os incentivos ainda não compensam os lados negativos de seu abandono.
Isto, caso não escolham fazer como os johatsu, indo embora sim, mas para sempre.
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No Japão todos os anos milhares de pessoas “evaporam”: apagam sua identidade para tentar começar de novo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU