01 Agosto 2019
Palco de tensões desde a semana passada, quando um líder indígena morreu em meio a relatos de uma invasão de garimpeiros, a Terra Indígena Wajãpi desperta interesses por seus recursos minerais desde os anos 1960 e ocupa parte da Renca (Reserva Nacional do Cobre e Associados) – área na divisa do Pará e do Amapá que ganhou os holofotes em 2017, quando o então presidente Michel Temer (MDB) tentou extingui-la.
A reportagem é de João Fellet, publicada por BBC Brasil, 29-07-2019.
O conflito ocorre num momento em que o presidente Jair Bolsonaro (PSL) defende liberar a exploração mineral em terras indígenas brasileiras e em meio à expansão do garimpo ilegal por vários desses territórios, conforme mostrado por uma reportagem da BBC News Brasil na última quinta-feira (25/7).
O potencial minerário da área wajãpi é objeto de grande especulação. Embora seja cobiçado por garimpeiros, o subsolo da região jamais foi estudado em profundidade, e o relevo acidentado do território tende a dificultar operações mais vultosas.
Quando a Reserva Nacional do Cobre e Associados foi criada, em 1984, a Terra Indígena Wajãpi ainda não havia sido demarcada, o que só aconteceu em 1996. A criação da reserva travou as pesquisas minerais na região.
Em 2017, dias após o governo Temer extinguir a reserva numa tentativa de abrir o território para a mineração, a BBC entrevistou o geólogo Breno Augusto dos Santos, um dos maiores especialistas na área. Santos coordenava as pesquisas que a Vale, então uma empresa estatal, realizava no território nos anos 1980.
Após a criação da Renca, a Vale teve de suspender os trabalhos, pois a Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM), ligada ao Ministério de Minas e Energia, ganhou exclusividade para trabalhar no local.
Mas Santos disse que as pesquisas nunca avançaram. “Desde que criaram a Renca, nunca houve ali pesquisa mineral. Não se sabe qual o potencial real daquela área – ainda é uma grande incógnita”, ele afirmou à BBC, após a extinção da reserva.
Criticado por indígenas e ambientalistas, que temiam uma exploração desenfreada da região, Temer revogou em poucas semanas o decreto que acabava com a Renca. Com isso, a possibilidade de explorar legalmente minérios na reserva segue bloqueada.
A criação da Terra Indígena Wajãpi, em 1996, impôs outra barreira à pesquisa mineral no trecho da Renca que se sobrepõe ao território, pois a mineração em terras indígenas é hoje ilegal.
Segundo a Constituição de 1988, a liberação da atividade depende da aprovação de leis específicas pelo Congresso, o que nunca ocorreu.
Mesmo ao tentar extinguir a Renca, em 2017, o governo Temer disse que a mineração continuaria proibida nas duas terras indígenas que compõem a reserva (além da área Wajãpi, o território agrega parte da Terra Indígena Paru d´Este, das etnias Aparai e Wayana).
Muito do que se sabe sobre o potencial da região se deve à ação de garimpeiros. Sabe-se que há ouro, por exemplo, porque garimpeiros já extraíram o metal do território.
Segundo Breno Santos, há ainda duas reservas com potencial para exploração de titânio e fosfato em trechos da Renca fora do território wajãpi – o que poderia indicar a presença dos materiais também dentro da terra indígena.
Santos diz que, ironicamente, as pesquisas jamais detectaram a presença de cobre, metal que deu nome à reserva.
Outra reserva existente no território wajãpi é a de tantalita, mineral composto nióbio e tântalo na mesma proporção que é usado pelas indústrias eletrônica e de vidro e que tem suas maiores reservas conhecidas no Brasil.
Dominique Tilkin Gallois, professora de Antropologia da Universidade de São Paulo (USP) que trabalha junto aos wajãpi desde os anos 1970, diz à BBC que garimpeiros já extraíram tantalita no norte da terra indígena, atividade que teria provocado o envenenamento de membros da etnia.
Outros pontos do território sofreram com a ação de garimpeiros que buscavam ouro – e que começaram a transitar pelas bacias dos rios Jari e Amapari nos anos 1960.
Na década de 1970, a mineradora Icomi (Indústria de Comércio e Minérios) também se interessou pela área. Durante trabalhos de prospecção, técnicos a serviço da empresa se depararam com indígenas wajãpi até então isolados.
Inicialmente apoiado pelos indígenas, o avanço do garimpo pela região do rio Karapanaty provocou um episódio traumático para a comunidade, conta Gallois no livro “Terra Indígena Wajãpi: da demarcação às experiências de gestão territorial”.
Ela diz que, nos anos 1970, os garimpeiros disseminaram o sarampo por cinco aldeias. A doença matou mais de 80 indígenas, segundo a antropóloga.
Em 1973, novas invasões de garimpeiros foram facilitadas pelas obras da estrada Perimetral Norte, com a qual a ditadura militar pretendia conectar o Amapá a Roraima, atravessando partes do Pará e do Amazonas.
A estrada cortou parte do território wajãpi, que ficava num dos extremos do projeto, mas foi abandonada antes de ser concluída.
Segundo Gallois, as experiências trágicas fizeram com que os indígenas se tornassem avessos ao garimpo.
“Eles estão denunciando e procurando as autoridades porque temem que essa experiência traumática seja vivida outra vez”, ela afirma à BBC.
Em nota divulgada no domingo (28/7), o Conselho das Aldeias Wajãpi (Apina) diz que o líder Emyra Wajãpi “foi morto de forma violenta” perto de sua aldeia na última segunda-feira (22/7), quando não era acompanhado por outros indígenas. Segundo a nota, parentes do líder “encontraram rastros e outros sinais de que a morte foi causada por pessoas não indígenas”.
O texto diz que, na sexta-feira (26/7), membros da comunidade encontraram um grupo de não-índios armados, que teriam se instalado em uma aldeia e ameaçado os moradores. Nesta segunda-feira, a Funai divulgou uma nota na qual diz que sua coordenadoria no Amapá encaminhou para a presidência do órgão um memorando “informando sobre um possível ataque de garimpeiros à Terra Indígena Wajãpi”.
A Polícia Federal abriu um inquérito para investigar a morte do líder.
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A desconhecida riqueza mineral da terra Wajãpi, palco de tensão entre indígenas e garimpeiros - Instituto Humanitas Unisinos - IHU