31 Julho 2019
Depois de o governo francês anunciar a decisão de aplicar um imposto de 3% às empresas que compõem o grupo GAFA — Google, Amazon, Facebook e Apple —, os EUA anunciarão uma ação recíproca substancial.
O artigo é de Eduardo Febbro, publicado por Página/12, 30-07-2019. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Outra vez a sombra da guerra. Europa e Estados Unidos com a França em primeira linha voltam a estar à bordo de uma confrontação que se disparou depois de que o governo francês decidiu aplicar uma estratégia contra as artimanhas fiscais dos grandes grupos da internet. Se trata de um imposto conhecido como “taxa Google” ou “taxa GAFA” que aplica um imposto de 3% às empresas que compõem o denominado grupo GAFA: Google, Amazon, Faceebok e Apple. Essas empresas são depredadoras universais dos sistemas fiscais nos países onde operam. Um armado chamado “otimização fiscal” os permite pular as obrigações fiscais dos países onde estão implantadas. A França lidera há muito tempo essa iniciativa e agora a fez realidade uma vez que, no último 11 de julho, o Parlamento aceitou a dita taxa.
O senhor furioso que preside os destinos dos Estados Unidos saiu em seguida com seu twitter-espada ameaçando a França com represálias. O presidente dos EUA twittou este texto: “Anunciaremos uma ação recíproca substancial logo após a estupidez de Emmanuel Macron. Eu sempre disse que o vinho americano era melhor que o vinho francês ”. Certamente Trump não sabe muito sobre vinhos. Em qualquer caso, o presidente emitiu ordens para o secretário de Comércio Exterior, Robert Lighthizer, avaliar os danos que este imposto poderia acarretar para suas empresas. O presidente dos EUA deixou claro que poderia punir as importações francesas de produtos como o vinho ou o setor automotivo. A investigação “301” é a mesma que desencadeou a guerra tarifária com a China.
Antes de a França votar a taxa, Washington tentou dissuadir Paris de implementar o imposto por meio de uma retórica no melhor estilo de guerrilha comercial. Em junho, Robert Lighthizer disse que esse imposto "tem o objetivo de prejudicar desproporcionalmente as empresas norte-americanas", e que, portanto, Washington deveria "tomar medidas fortes". O ministro da Economia francês, Bruno Le Maire, respondeu sem rodeios: "A França é um Estado soberano, que soberanamente decide suas provisões fiscais". Paris há muito lidera a iniciativa de uma taxa que deveria ter sido aplicada por todos os países da União Européia. No entanto, a relutância da Irlanda, Suécia, Dinamarca e Finlândia impediu que a Europa fosse unificada. A taxa GAFA também diz respeito a empresas como Meetic, Airbnb e Instagram e deve fornecer ao Estado cerca de 400 milhões de euros em 2019 e 650 em 2020. A idéia é que o imposto recaia sobre empresas cujo faturamento digital excede 750 milhões de euros no mundo e, a partir daí, impor uma taxa de 3% do volume de negócios efectuado em França, especialmente no que diz respeito à publicidade online desenvolvida através de perfis e da venda de dados (todos roubados por essas empresas dos seus usuários).
O presidente francês Emmanuel Macron anunciou a imposição desse imposto no final de 2018, quando a crise dos coletes amarelos estava em pleno andamento. O objetivo do imposto visava contribuir para o financiamento de medidas de emergência econômica e social (10 bilhões de euros) adotadas em meio à crise.
A questão dessa taxa sempre desencadeou fortes divisões no mundo e demonstrou amplamente o pavimento que certos países manifestam perante o poder americano e seus mecanismos de retaliação. Durante a cúpula do G-20 realizada no Japão no início de junho passado, a taxa estava entre as negociações como um meio de “colocar a justiça social na tributação internacional” (Bruno Le Maire). Por enquanto, a França está velejando sozinha nessas águas soberanas. Os Estados Unidos mantêm leis como a Lei de Comércio que as autoriza a impor tarifas no caso de um país adotar medidas consideradas "desproporcionais" ou "injustas" capazes de danificar os negócios de suas empresas globais.
As autoridades francesas acreditam que o capitalismo, como é modelado hoje com sua mistura de destruição de recursos naturais e grandes diferenças fiscais "entre as empresas digitais e as outras, está a caminho da destruição" (Bruno Le Maire). Dia após dia, as ameaças estavam aumentando. O trumpismo trouxe sua arte marcial das relações internacionais. Judd Deere, um dos porta-vozes da Casa Branca, disse há alguns dias que "o governo Trump não ficaria ocioso".
Obedecer ou morrer é a palavra de ordem da Casa Branca. No entanto, existe uma negociação em curso que visa harmonizar este imposto. Isso passaria por um esquema desenvolvido pela OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), o "GAFA Global", capaz de conter regras aceitáveis para todos os estados (127) cuja apresentação está prevista para 2020. A iniciativa francesa é um pequeno passo mas altamente simbólico e com muita coragem política em um contexto onde as empresas digitais ganham bilhões de dólares, não pagam impostos e, além disso, baseiam sua fortuna em roubo massivo de dados, perfis e abuso de confiança que usuários depositaram em novas tecnologias. Para as populações do mundo saqueadas por esses cleptomaníacos digitais disfarçados de modernos, o que está em jogo é enorme. Quentin Parrinello, porta-voz da Oxfam France, lembrou recentemente que “as multinacionais transferem até 40% de seus lucros para o exterior para paraísos fiscais. As regras fiscais atuais não permitem que essas multinacionais paguem uma parte justa dos impostos ”. Em 2015, na França, essas empresas evadiram impostos no montante de 118 bilhões de euros.
O confronto que se abre agora é delicado, mas, por uma vez, pioneiro e necessário. Embora modesta, a taxa francesa do GAFA procura romper o muro e fazer negociações com vistas à harmonização fiscal globalizada e aplicada aos gigantes digitais, não apenas avançando, mas também ganhando adeptos. Após a fracassada diplomacia do beijo, assumida por Emmanuel Macron após a eleição de Donald Trump, a hora de antagonismos claros e assumidos parece ser a nova etapa. Como os conflitos modernos, a guerra será digital.
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Brota uma guerra digital entre Donald Trump e Emmanuel Macron - Instituto Humanitas Unisinos - IHU