30 Julho 2019
O Nobel da Paz, Muhammad Yunus, adverte que o tempo se esgota para redesenhar o modelo. Caso isso não seja feito, conflitos sociais e degradação ambiental cobrarão a fatura.
Com créditos de quatro dólares, Muhammad Yunus contribuiu para mudar a vida de mais de 50 milhões de pessoas através do Grameen Bank, cujas atividades começaram em Bangladesh, em 1983.
A reportagem é de Viridiana Mendoza Escamilla, publicada por Forbes México, 26-07-2019. A tradução é do Cepat.
O esquema de microcréditos fez com que este empreendedor social se convertesse em Prêmio Nobel da Paz, em 2006. Seu esquema foi replicado por outros bancos no mundo, mas, hoje, Yunus afirma que é o momento de dar uma guinada radical no sistema econômico.
“Precisamos encontrar a forma de redesenhar os negócios para que não destruam, mas, ao contrário, protejam todas as pessoas e possam salvar o planeta. Essa é a questão com a sustentabilidade: não se trata apenas de sustentabilidade dos negócios. A sustentabilidade real são atividades que criam um mundo seguro em matéria ambiental e social”, disse, em entrevista, durante sua mais recente visita ao México.
O banqueiro afirma que é o momento de repensar todo o modelo econômico, a fim de privilegiar a sobrevivência acima da geração de riqueza. “O problema que procuro abordar é que o sistema capitalista funciona em termos de lucros e maximização de capital, e os negócios estão dedicados a perseguir estes objetivos. Esse sistema desenhado de forma errônea, não é seguro para o planeta, nem para as pessoas. Se você quer a sustentabilidade do planeta e a segurança das pessoas, precisamos redesenhar o sistema, porque hoje a mudança vai em uma só via: a autodestruição”.
Para Yunus, o desafio é duplo. Por um lado, é preciso promover uma maior mobilidade social que permita satisfazer necessidades básicas e, por outro, ir em busca de um sistema em que o dinheiro não seja a prioridade. “Toda a riqueza do planeta, todas as estruturas que criamos, estão concentradas em alguns [indivíduos]. Uma porcentagem muito pequena das pessoas do planeta concentra 99% da riqueza. Se isto piorar, a tensão que criaremos na sociedade pode ser tão explosiva que nenhum político poderá geri-la; pode haver conflitos sociais. Isto é algo semelhante a uma bomba-relógio, que só espera para explodir, caso não possamos desativá-la”.
O relógio do meio ambiente está em contagem regressiva, mesmo assim, o sistema econômico explora a natureza em um grau preocupante. “Temos uma janela de tempo muito curta, de 20 a 30 anos. Se não colocarmos as mãos à obra, a única coisa que estaremos criando é um mundo que destrói a si mesmo”.
Um fator que, disse, abona a degradação do meio ambiente e da sociedade é a tendência a substituir a mão de obra pela tecnologia. “Celebramos que a Inteligência Artificial seja melhor que a inteligência humana, o que soa muito bem. Seria bom relaxar e deixar que as máquinas façam o trabalho, mas, na realidade, a tecnologia substitui pessoas de uma maneira massiva”.
Yunus calcula que, nos próximos 15 anos, serão perdidas mais de 500.000 diferentes profissões devido ao avanço tecnológico.
“Minha pergunta é: O que acontece com essas pessoas que hoje trabalham e perderão seus empregos? Devemos lhes dar comida grátis para que possam sobreviver? Isso não diz nada de favorável sobre a civilização humana. Estaremos retornando a uma sociedade de mendigos. A tecnologia é uma benção, mas também pode ser uma maldição. A tecnologia que substitui os humanos de uma maneira massiva é uma maldição”, afirma.
A acumulação de riqueza, por outro lado, impede que a tecnologia seja coloca a serviço das pessoas e alivie as cargas de trabalho, pois aqueles que adquirem essas ferramentas preferem eliminar postos de trabalho e aumentar os lucros.
Para que os avanços tecnológicos possam ser aproveitados na produção, aponta, é necessário, primeiro, redistribuir a riqueza. “Não deveríamos conduzir a tecnologia em uma direção que seja nociva para nós. Podemos destruir a civilização, podemos ser tomados pelas máquinas”.
Yunus explica que o risco é alto em países desenvolvidos, onde a economia está cimentada na industrialização, como Itália e Espanha, onde as taxas de desemprego juvenil estão entre 40 e 50%.
Para Yunus, há uma estreita relação entre o aumento dos fluxos migratórios e a distribuição da riqueza. O que se denomina crise migratória ou de refugiados se relaciona com a busca de oportunidades, expressa.
“Quando pensamos que 99% da riqueza está em uma porcentagem muito pequena da população, a seguinte pergunta é: Onde estão esses 99%? Onde vivem? Em que países? Talvez vivem em meia dúzia de nações ao redor do mundo. O epicentro da riqueza no mundo inteiro é esta meia dúzia de países. Tudo está acontecendo justamente aí: as pessoas sempre seguem o dinheiro”.
A concentração dos meios de produção faz com que as pessoas dos povoados não encontrem trabalho e, conforme se deslocam para cidades maiores, aspiram chegar às metrópoles com as melhores condições de trabalho.
“As pessoas deixam seus povoados porque não há trabalho, buscam outra oportunidade em uma cidade próxima. Mas, ainda há outra cidade maior, ou a capital de seu país, onde há mais oportunidades e, então, um dia descobrem que a capital do país não tem tudo e começam a pensar em cidades maiores, em países mais ricos. Todos estão seguindo esse caminho. Desde que o ser humano está neste planeta, persegue as oportunidades, é um movimento natural”.
A solução, então, está em um modelo de geração de riqueza que distribua de maneira horizontal o desenvolvimento, afirma Yunus.
“Temos que ser o suficientemente pacientes para nos organizar juntos e encontrar soluções coletivas aos problemas no futuro imediato. Contudo, para solucionar o problema de fundo, devemos redesenhar o sistema completo. Se conseguirmos, podemos enfatizar que a capacidade criativa dos humanos é enorme, nada é impossível solucionar com essa capacidade criativa. Desde que vivemos neste planeta, superamos um desafio impossível após outro. Temos que agir rapidamente, porque não temos muito tempo”, acrescenta.
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“Precisamos redesenhar o sistema econômico”, alerta Muhammad Yunus - Instituto Humanitas Unisinos - IHU