22 Julho 2019
A cara do Brasil de hoje
Com Desprof Peixoto.
É bem incrível o que está rolando em Paranaguá. Dois navios iranianos estão atracados lá há mais de 40 dias sem combustível, um deles com 50 mil toneladas de milho brasileiro. A Petrobras não os abastece porque tem medo de ser punida pelos Estados Unidos. Não há qualquer pedido formal para que o Brasil não abasteça os navios iranianos e não os permita voltar pra casa com a comida que compraram aqui. Mas, hoje em dia, o Brasil nem sequer obedece ordens dos EUA, é pior ainda. O Brasil tenta ANTECIPAR quais serão as ordens dos EUA, para agradá-los de antemão.
Segundo a própria legislação americana, comida e remédios estão isentos de qualquer sanção, pois constituem exceção humanitária. A empresa responsável pelas cargas, que se chama Eleva Química, havia conseguido uma liminar que lhe permitia comprar o combustível da Petrobras. Mas a Petrobras recorreu e a liminar foi cassada por, sempre ele, o estagiário (também conhecido como Toffoli). Há 50 tripulantes iranianos presos em dois navios atracados em um porto brasileiro há um mês e meio, e eles não podem voltar pra casa com a comida comprada legalmente por aqui porque o capachinho dos Estados Unidos não lhes vende combustível.
QUE. VERGONHA. DE. SER. BRASILEIRO.
A explicação para essa patacoada? Abram aspas para Jair Bolsonaro: "Sabe que nós estamos alinhados à política deles. Então, fazemos o que tem de fazer. Existe esse problema, os EUA, de forma unilateral, têm embargos levantados contra o Irã. As empresas brasileiras foram avisadas por nós desse problema e estão correndo risco nesse sentido. Eu, particularmente, estou me aproximando cada vez mais do Trump.”
É vergonhosa a subserviência, o sujeito diz explicitamente: "nós vamos lamber botas mesmo".
Aliás, vocês sabem qual é o maior comprador de milho brasileiro? Sim, ele mesmo, o Irã. E, por favor, não justifiquemos essa subserviência falando de "ditadura teocrática", coisa que o Irã é, sim, assim como a China também é uma ditadura. Alguém aqui quer fazer negócios apenas com democracias? Suponho que qualquer pessoa que tenha uma ideia do que aconteceria com o Brasil se ele parasse de negociar com a China dirá que não. Portanto, entendamos que não se trata de oposição à ditadura teocrática, trata-se apenas de opor-se às ditaduras que incomodam os Estados Unidos.
Seis meses de bolsonarismo já promoveram uma devastação na política externa.
Via Jorge Santos. Cinquenta mil toneladas de milho brasileiro, compradas pelo Irã (o nosso maior comprador desse produto), correm o risco de apodrecer. Por ordem do presidente dos Estados Unidos, o Brasil se nega a abastecer de combustível os navios que vieram buscar a carga e estão atracados em Paranaguá. É inacreditável.
A resposta do presidente do INPE, Ricardo Galvão, ao Jair Boca de Esgoto é antológica e entrou para a história do país.
Nunca antes um presidente foi tão exposto em sua indigência, sua pequenez, sua insignificância. Boca de Esgoto foi colocado no seu devido lugar: uma mistura de garoto de 14 anos com papo de botequim.
Corajosa, altiva, coerente e decente.
Quando Boca de Esgoto falou que poderia privatizar a Ancine eu tive a certeza de que ele não tinha a menor ideia do que é a Ancine.
Ele pode adorar a Ancine, pode querer instrumentalizar a Ancine, pode fechar a Ancine e alocar o fomento em outro órgão ou pode acabar com a Ancine e com o fomento junto. Concorde-se ou não, tudo isso é possível de ser feito, embora tenha que passar pelo Congresso Nacional.
Mas privatizar não faz nenhum sentido. Não é que seja certo ou errado. Como assim privatizar um órgão de fomento??? Ele vai vender para a iniciativa privada um órgão responsável por fomentar a iniciativa privada???? Só alguém que não tenha a menor ideia de como funciona um órgão de fomento diria uma besteira desse tipo.
Eu estava preparado para o Brasil eleger um misógino, homofóbico, racista, reacionário, oportunista, ladrão, miliciano... Nada disso é totalmente discrepante com nossa história, embora a intensidade e a reunião em uma só pessoa sejam uma novidade.
Mas confesso que jamais pensei que pudéssemos eleger alguém tão imbecil. Uma pessoa que passou 28 anos no Congresso Nacional, mas que não tem a menor ideia de como funciona o governo.
Boca de Esgoto é uma espécie de Homer Simpson misturado com o Chucky.
O LISO E O ESTRIADO
Uma das divisões mais intrigantes da geofilosofia de Deleuze e Guattari se dá entre o espaço liso e o estriado. É que espaço, aí, recebe uma conotação diferente da física clássica, de um espaço ideal dado por coordenadas fixas a ser preenchido pelas coisas. Na realidade, o que está em jogo nesses conceitos é a lógica especializante de cada qual, que define a própria natureza do espaço. Um exemplo didático que costumo usar em aula é a diferença entre as brincadeiras de pega-pega e esconde-esconde.
A dinâmica do pega-pega envolve calcular a distância entre os corpos, estimar a velocidade relativa entre eles e combinar destreza e inteligência para alcançar o outro ou desviar dele. No pega-pega sabemos a posição de cada um, são dados de partida, e as distâncias relativas constituem a base do jogo. Conhecemos a situação inicial do jogo, e vamos determinando espaços físicos no qual nos locomovemos.
Já no esconde-esconde, é bem diferente. Na hora que a contagem começa, é preciso conjugar o seu corpo com o meio externo de maneira a esconder-se nele. Precisamos improvisar com os elementos encontramos na paisagem um uso que nos propicie um bom esconderijo. Quanto mais engenhoso, melhor é a nossa posição do jogo.
No pega-pega, o espaço é constituído pela relação entre tempo e posição, enquanto no esconde-esconde se insere no tempo um componente criativo. Enquanto todo pega-pega é o primeiro pega-pega, pois voltamos às condições iniciais, no esconde-esconde não adianta repetir o mesmo esconderijo, pois ele se torna manjado. Há uma duração qualitativa que vai recriando aquele esconde-esconde cada vez mais desafiador.
No pega-pega, temos um uso métrico e destemporalizante do espaço: Espaço Estriado. No esconde-esconde, um uso nômade e temporalizante: Espaço Liso.
Agora, se poderia argumentar que no pega-pega há bem mais nuances nas interações corporais do que um mero cálculo aritmético e, com o tempo, vão se formando estratégias elaboradas de esquiva, finta, contra-pé, como um bailado; assim como no esconde-esconde a constante reinvenção dos elementos tende a esgotar as possibilidades e ser metrificado pela repetição. Essa argumentação está correta. Na verdade, espaços liso e estriado não existem em estado puro na realidade e precisam ser compreendidos antes como tendências, como regimes de funcionamento que se compenetram.
Em conclusão, o pega-pega é uma brincadeira de espaço estriado que tende ao liso e o esconde-esconde uma brincadeira do liso que tende ao estriado.
"Quando despersonalizamos o rio, a montanha, quando tiramos deles os seus sentidos, considerando que isso é atributo dos humanos, nós liberamos esses lugares para que se tornem resíduos da atividade industrial e extrativista".
Ailton Krenak
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