10 Julho 2019
Tiffany Shlain construiu sua carreira permanecendo online quase o tempo todo. Ela fundou o Webby Awards, que homenageia o melhor da web a cada ano. Ela também dirige um estúdio de cinema e cria conversas online para usar a internet “da melhor maneira, ou seja, reunindo pessoas sobre questões que nos unem”, disse ela.
A reportagem é de Emily McFarlan Miller, publicada por National Catholic Reporter, 08-07-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
E, mesmo assim, todas as noites de sexta-feira há quase uma década, Shlain e sua família desconectam seus aparelhos e passam as próximas 24 horas offline, naquilo que ela chama de “Shabbat tecnológico”.
“À medida que a nossa sociedade se torna cada vez mais saturada com a tecnologia, eu sinto que é disso que precisamos agora”, disse ela.
O “Tech Shabbat” é um toque moderno em uma antiga prática religiosa, que está chamando a atenção de millennials esgotados e de outros que estão exaustos tentando acompanhar o ritmo de um mundo cada vez mais conectado e acelerado.
E há um pouco de ciência para apoiar a ideia de que a prática de um dia de repouso – incluindo um tempo longe das mídias sociais e dos dispositivos digitais – beneficia a longevidade e a saúde mental e física. É uma prática que pode beneficiar igualmente as pessoas de fé e aquelas que não creem.
“Pode ser adaptado para qualquer pessoa, onde quer que você esteja no espectro das crenças, e trará sentido e valor à sua vida de uma forma inacreditável”, disse Shlain.
O Shabbat – também conhecido como Sabbath – é o dia da semana reservado para o repouso e para o louvor no judaísmo e no cristianismo.
Os judeus observam o Shabbat aos sábados, começando as noites de sexta-feira com velas acesas e refeições compartilhadas. Além de descansar dos seus trabalhos durante esse período, os judeus ortodoxos também se abstêm de várias outras atividades que são consideradas trabalho, como dirigir e desligar ou ligar as luzes.
Os adventistas do sétimo dia também levam o sábado a sério, participando de cultos, evitando o trabalho e passando o tempo com outros membros da Igreja aos sábados.
A maioria dos cristãos celebram o domingo, e a sua observância de um dia de descanso varia de Igreja para Igreja, e até de cristão para cristão. No passado, a prática regular do sábado incluía as chamadas “blue laws” [leis azuis], que mantinham muitas lojas fechadas aos domingos.
Agora, alguns estão exortando seus companheiros cristãos a redescobrir a prática de honrar o sábado. J. Dana Trent é uma delas. A ministra batista ordenada começou a observar o sábado depois de uma visita ao consultório médico.
O médico disse a Trent que ela precisava “desacelerar”. Na época, ela trabalhava em quatro empregos diferentes e passava até duas horas por dia no transporte. Ela também havia sido diagnosticada recentemente com síndrome de enxaqueca crônica, apesar de sua visita ao médico ter ocorrido por causa de um cotonete que havia ficado trancado em seu ouvido devido à pressa.
Observar o sábado significa confiar que, se você passar algum tempo “desconectado”, o mundo não vai girar fora de controle, disse Trent, autora de “For Sabbath's Sake: Embracing Your Need for Rest, Worship, and Community” [Pelo amor do sábado: abraçando a sua necessidade de descanso, louvor e comunidade, em tradução livre]. É um ato de humildade que coloca Deus no centro da sua vida, e não você mesmo.
Nem todo o mundo pode passar os sábados, os domingos ou até mesmo 24 horas inteiras descansando – esse é um privilégio para quem trabalha das 9h às 17h nos dias de semana, reconheceu ela.
“Eu acho que o Shabbat pode ter muitas formas diferentes, mas a ideia é que nós nos afastemos daquilo que estamos fazendo todos os dias – como as coisas normais de rotina – a fim de fazer sentido”, disse.
Isso também faz sentido para muitos outros que estão buscando os benefícios de saúde oriundos da desconexão em relação ao mundo – e aos dispositivos.
Uma pesquisa apresentada no ano passado na convenção anual da American Psychological Association sugere que encarar constantemente as telas pode nos deixar mais “distraídos, distantes e esgotados”. Outros estudos sobre o uso de mídias sociais associaram isso a problemas como solidão e sono interrompido.
Para Shlain e sua família, acender velas, convidar pessoas, compartilhar uma refeição e desconectar ajudam a prevenir essas coisas. Ela ri mais no Shabbat do que em qualquer outro dia, disse ela. E, no fim do dia, ela espera ansiosamente para se conectar novamente.
Pode haver benefícios para observâncias mais tradicionais do Shabbat também. Em 2005, a National Geographic publicou as descobertas de cientistas, financiados em parte pelo Instituto Nacional do Envelhecimento dos EUA, que viajaram ao redor do globo para aprender os segredos da longevidade com populações que tinham altos índices de centenários, poucas doenças letais e mais anos saudáveis de vida. Entre eles estavam os adventistas do sétimo dia de Loma Linda, Califórnia. Os cientistas apontaram para a prática adventista do Shabbat como uma das razões para a sua boa saúde.
Um estudo anterior descobriu que o adventista médio vive de quatro a dez anos a mais do que o californiano comum.
Um estudo mais recente de 2014, em coautoria do professor Jerry Lee, da Escola de Saúde Pública da Loma Linda University, uma instituição adventista do sul da Califórnia, analisou a correlação entre guardar o Shabbat, a saúde mental e o bem-estar. De acordo com a pesquisa, Lee disse que “se abster de atividades seculares no Shabbat está associado a uma melhor saúde mental e a uma melhor saúde física”.
Atualmente, o professor está trabalhando em outro estudo que mede os hormônios do estresse antes e depois do Shabbat. E o mais interessante para ele é um estudo que mostra menos mortes durante o Shabbat em Israel. Mas, disse Lee, seriam úteis mais pesquisas.
“Tem surgido um grande número livros, mas a maioria dos livros que eu vi não contém muitos dados empíricos, de fato”, disse.
Judith Shulevitz, autora de “The Sabbath World: Glimpses of a Different Order of Time” [O mundo do sábado: vislumbres de uma ordem diferente de tempo, em tradução livre], também adverte contra a prática do Shabbat por razões egoístas.
Não se trata apenas de um dia de repouso para os indivíduos, disse. Em vez disso, ela disse que se trata de um “dia de descanso sincronizado com o restante da sociedade”.
“Não se trata de você. Trata-se de nós”, disse ela. E a prática ainda é debatida dentro de alguns círculos cristãos.
A. J. Swoboda, pastor da Theophilus Church em Portland, Oregon, disse que decidiu pregar sobre o Shabbat há alguns anos, quando percebeu que as pessoas da sua congregação estavam cansadas e precisando descansar. E ele também. “As nossas almas, os nossos corpos e os nossos espíritos absolutamente precisam disso”, disse.
Por ser pastor de uma igreja nos fins de semana, Swoboda e sua família aproveitam seu dia de descanso para se desconectar, comer panquecas e sair jantar juntos às terças-feiras – uma “visão distintamente protestante do Shabbat”, disse.
Parece que outros estão interessados em fazer o mesmo: o livro de Swoboda, “Subversive Sabbath: The Surprising Power of Rest in a Nonstop World” [Sábado subversivo: o surpreendente poder do descanso em um mundo que não para, em tradução livre] foi recentemente reconhecido com o prêmio Christian’s Book de 2019. Tirar um dia de descanso lembra as pessoas de que há mais na vida do que estar ocupado e conectado o tempo todo, de acordo com o pastor.
“É um conceito bíblico muito ameaçador, porque mina completamente todas as suposições sobre aquilo que consideramos que é ser norte-americano, ou seja, ser produtivo”, afirmou.
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''Shabbat tecnológico'': observando o sábado para redescobrir o repouso - Instituto Humanitas Unisinos - IHU