17 Abril 2019
“O começo do fim começou com um tremor violento que levantou ondas gigantes nas águas de um mar interior que existia onde é hoje o estado americano da Dakota do Norte.”
A reportagem é de Peter Moon, publicado por ((o))eco, 14-04-2019.
“A seguir, minúsculas esférulas incandescentes de vidro começaram a cair como se fossem petardos de chumbo. A chuva de vidro foi tão intensa que pode ter incendiado grande parte da vegetação nas margens daquele mar. Na água, os peixes lutavam para respirar enquanto as esférulas entupiam suas guelras.”
“O mar revolto ergueu-se na forma de uma parede de água com 10 metros de altura, uma gigantesca onda de tsunami que, ao alcançar a foz de um antigo rio, projetou toneladas de peixes de água doce sobre uma faixa de areia, temporariamente exposta devido à reversão momentânea do fluxo do rio. Encalhados na areia, os peixes foram sendo despedaçados por uma chuva de esférulas de vidro com até 5 milímetros de diâmetro, que ao mesmo se enterravam profundamente no lodo. A chuva torrencial de pedras, partículas e esférulas de vidro continuou despencando por mais 10 a 20 minutos, antes que uma segunda onda de tsunami inundasse todo o litoral, cobrindo os peixes mortos com cascalho, areia e sedimentos, sepultando-os por 66 milhões de anos…”
O cenário apocalíptico descrito acima não é uma obra de ficção. Longe disto. Também não descreve um evento isolado. Ao contrário, trata-se da descrição cientificamente mais acurada que se obteve até hoje da sucessão de catástrofes que se abateram sobre a vida na Terra há 66 milhões de anos, nas primeiras horas que sucederam a queda de um asteroide gigante na península de Yucatán, no atual México, pondo fim à era dos dinossauros e levando consigo ao túmulo nada menos do que 75% das formas de vida que povoavam os continentes.
A teoria de que a queda de um astro celeste teria sido a responsável pela extinção dos dinossauros não é recente. Foi formulada em 1980 a partir da descoberta de uma fina camada do elemento químico irídio – raro na Terra mas comum no espaço – depositada em rochas de 66 milhões de anos, exatamente quando se deu o último suspiro dos dinossauros.
Mas ainda não havia sido identificado um culpado. Este só foi revelado em 1991, quando estudos sismológicos feitos por empresas petrolíferas na cidadezinha de Chicxulub, no Yucatán, delinearam as formas de uma enorme cratera com 120 quilômetros de diâmetro, enterrada a um quilômetro de profundidade, imersa em rochas datadas em 66 milhões de anos. Era o local do impacto de um bólido vindo dos céus a velocidades hipersônicas. Estima-se que o asteroide teria 10 quilômetros de diâmetro, algo como um monte Everest desgovernado, zunindo em direção à terra à velocidade de 20 quilômetros por segundo, ou 20 vezes mais rápido que a bala de uma pistola calibre 45.
Descoberto o culpado da extinção dos dinossauros, a teoria deixou o plano das ideias para passar a ser tratada como fato estabelecido. Desde então, nos últimos 30 anos os geólogos e paleontólogos vêm encontrando ao redor do mundo uma série de evidências daquele antigo cataclisma mundial provocado pelo impacto do asteroide.
É o caso das milhares de toneladas de escombros rochosos depositados há 66 milhões de anos onde é hoje Maria Farinha, um mina de calcário localizada há 10 quilômetros de Olinda (PE). Os escombros em Maria Farinha só poderiam ter sido movidos por tsunamis descomunais erguidos pelo choque do asteroide contra a Terra, e que deram a volta ao mundo nas horas que sucederam a colisão.
Estabelecida a teoria da causa principal para a extinção em massa do final do Cretáceo, e identificado o culpado, faltava ainda achar os restos fossilizados das vítimas do dia do impacto. Não mais.
Semana passada foi anunciado por paleontólogos americanos a descoberta dos primeiros registros paleontológicos datados do dia exato do impacto, há 66 milhões de anos.
O que se descreve em artigo científico publicado na revista PNAS é o acúmulo absurdo de fósseis de priscas eras, encontrados numa cova coletiva localizada perto da cidade de Bowman, na Dakota do Norte.
Peixes fossilizados empilhados uns sobre os outros, sugerindo que foram jogados por terra e que morreram encalhados, antes de serem sepultados por montes de detritos lá jogados pela força das ondas de tsunami. (Foto: Robert DePalma/Museu de História Natural de Palm Beach)
O sítio fossilífero foi descoberto em 2013 pelo paleontólogo americano Robert DePalma, do Museu de História Natural de Palm Beach, na Flórida. DePalma vem trabalhando incessantemente no local desde então. Seis anos de um meticuloso trabalho de retirada dos fósseis da pedra revelou um cemitério único, que ajudou a compor um cenário devastador.
DePalma encontrou restos de peixes fossilizados empilhados uns por cima dos outros, tudo em meio a troncos de árvores calcinados e petrificados, restos fossilizados de mamíferos, de grandes répteis marinhos (mosassauros), e a carcaça parcial de um dinossauro Triceratops – além de uma infinidade de fósseis de insetos e de invertebrados marinhos.
"Esta é a primeira cova coletiva de animais de vertebrados encontrada que é diretamente associada ao limite KPg", disse DePalma. KPg, no jargão dos geólogos, é o nome do limite geológico com rochas de 66 milhões de anos, que separa o período Cretáceo (K), o último da era mesozoica dominada pelos dinossauros, do Paleógeno, o período que inaugura a era Cenozoica, aquela na qual vivemos, dominada pelos mamíferos.
“Em nenhuma outra seção do limite KPg ao redor do planeta é possível encontrar uma coleção desse tipo de fósseis, consistindo em um grande número de espécies representando diferentes idades de organismos e diferentes fases da vida, todas as quais morreram ao mesmo tempo, no mesmo dia,” afirma DePalma.
"É como um museu do final do Cretáceo em uma camada de um metro e meio de espessura", afirma Mark Richards, professor de ciências da terra e do espaço na Universidade de Washington, em Seattle.
Richards e Walter Alvarez, geólogo da UC Berkeley que em 1980 postulou a teoria do impacto de um asteroide como causa da extinção em massa do final do Cretáceo, foram convidados por DePalma para analisar a chuva de esférulas de vidro, e também as evidências geológicas das ondas de tsunami que enterraram e preservaram os peixes. As esférulas de vidro, chamadas tectitos, foram formadas na estratosfera devido ao resfriamento ultrarrápido das partículas de rocha derretida lançadas às alturas pela força do impacto do asteroide.
Os pesquisadores determinaram que os peixes fossilizados encontrados por DePalma não poderiam ter sido encalhados e em seguida enterrados por um tsunami típico, uma onda única que teria atingido o local não menos que 10 a 12 horas após o impacto, ocorrido a 3.000 km de distância.
Os cientistas argumentam que os tectitos, formados na estratosfera instantes após o impacto, teriam caído ao solo entre 45 minutos e no máximo uma hora após o impacto. Se os peixes ainda estivessem dentro d’água, ou melhor, se não tivesse havido um tsunami que os tivesse exposto ao ar livre (assim como ao fundo lodoso antes submerso), os tectitos não teriam tido impulso suficiente para penetrar profundamente no lodo.
Para explicar de forma coerente a razão para o acúmulo de todo aquele material fossilizado, crispado de esférulas de vidro, que ao mesmo tempo penetraram no lodo, os pesquisadores teceram a seguinte sequência de eventos:
As ondas sísmicas geradas no local do impacto em Yucatán levaram apenas 10 minutos para se propagar até o território da atual Dakota do Norte. Para que isto pudesse ocorrer, os investigadores calcularam que o impacto teria que provocar um megaterremoto de magnitude entre 10 e 11 na escala Richter, algo inimaginável e jamais presenciado por nenhum ser humano.
O maior terremoto já registrado aconteceu na costa do Chile em 1960. Teve magnitude 9.5 na escala Richter. Esta escala mede a intensidade dos terremotos. Trata-se de uma escala logarítmica. Isto quer dizer que um terremoto de intensidade 10 é 10 vezes mais poderoso que um terremoto de intensidade 9 – porém libera 31 vezes mais energia. Da mesma forma, um terremoto de intensidade 11 teria intensidade 31 vezes maior que um terremoto 9.5, porém seria o resultado de uma energia explosiva 177 vezes mais forte.
As ondas sísmicas provocadas pelo impacto no Chicxulub há 66 milhões de anos levaram apenas 10 minutos, viajando a uma velocidade de 5 quilômetros por segundo, para se propagar através dos 3 mil quilômetros de rocha que separam o Yucatán de Dakota do Norte. Quando lá chegaram, as ondas sísmicas vieram com força suficiente para literalmente espirrar para fora toda a água do mar interior que havia em Dakota, da mesma forma que acontece quando uma pessoa pula dentro de uma banheira cheia d’água.
"As ondas sísmicas começaram a surgir entre 9 e 10 minutos após o impacto. Assim sendo, elas tiveram a chance de fazer a água espirrar antes que todas as esférulas de vidro (ou tectitos) caíssem do céu", disse Richards.
Segundo os cálculos dos pesquisadores, os tectitos teriam vindo do espaço em uma trajetória balística, atingindo velocidades terminais entre 160 e 320 quilômetros por hora, ou seja, uma fração considerável da velocidade de uma bala de revólver.
Pelo menos dois enormes tsunamis inundaram o local onde foi achada a cova coletiva de fósseis, espaçados por um intervalo de tempo de 20 minutos, soterrando os restos dos animais mortos sob dois metros de detritos. Sobrepondo-se a isso, havia uma camada de argila, na qual os pesquisadores detectaram a famosa concentração anormal do elemento químico irídio, proveniente da destruição do asteroide.
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O dia em que a Terra parou - Instituto Humanitas Unisinos - IHU