18 Dezembro 2018
Para algumas pessoas, a promessa de ano-novo não é perder peso ou parar de fumar, e sim largar as redes sociais. O cientista e escritor Jaron Lanier pode dar uma ajuda com isso. Com a autoridade de quem na década de 1980 cunhou o termo “realidade virtual” e acabou contribuindo para que pessoas se conectem em mundos virtuais, ele oferece argumentos para deixar de vez o Facebook.
A entrevista é de Bruno Romani, publicada por O Estado de S. Paulo, 16-12-2018.
Foto: Editora Intrínseca
Em “Dez Argumentos Para Você Deletar Agora As Suas Redes Sociais” (Editora Intrínseca, R$ 34,90), Lanier estrutura seu argumento contra as redes sociais no modelo de negócios baseado em anúncios publicitários. Segundo ele, as propagandas são usadas para manipular as pessoas, o que resulta na perda de empatia, no aumento da intolerância e da falta de informação – além de impactar negativamente a felicidade e a capacidade econômica da sociedade.
Estado conversou com ele para saber se as redes sociais, ou os usuários dela, têm salvação. Além disso, ele falou sobre como as redes sociais ajudam eleger políticos autoritários e carentes de atenção.
A sociedade está doente por conta das redes sociais?
Sim, está. Obviamente, a sociedade sempre esteve doente. As sociedades sempre foram violentas e escolheram políticos ruins. Frequentemente, as sociedades entram em guerra civil. Todas essas coisas sempre existiram. As mídias sociais não estão inventando esses problemas, mas estão deixando a sociedade mais vulnerável. Na rua, existe todo o tipo de vírus, bactéria e agentes de doenças. Se tem uma coisinha errada com você, como não ter dormido direito ou estar muito estressado, você pode ficar doente. É o que acontece com as redes sociais. A maneira como as sociedades ficam doentes é tradicional. Em todo o mundo, quando há uma tendência de redução de violência e de tensões civis, ela é revertida assim que propriedades do Facebook surgem, como o WhatsApp. As mídias sociais deixam a sociedade vulnerável a problemas que poderia evitar.
Como tornar uma rede social melhor? É possível?
Sim. Tem que mudar o modelo de negócios. Eles precisam determinar um prazo, tipo "em três anos não aceitaremos dinheiro de anunciantes e isso nunca acontecerá de novo. Vamos mudar para um modelo de assinatura ou de pagamento conforme você usa, ou de micropagamentos". E assim o usuário não seria o produto. Se não mudar o modelo de negócios, não há esperança.
Você acredita que as redes sociais podem ou gostariam de resolver seus próprios problemas?
Conheço muita gente nessa indústria, e a maioria gostaria de melhorá-la. Eles se meteram nesses problemas sem perceberem o que estava acontecendo. Isso não quer dizer que os problemas são fáceis de resolver. Para isso é preciso mudar o modelo de negócios. É preciso sair das propagandas. Elas são tão poderosas nesse contexto que nunca serão éticas.
As redes deveriam ser livres de propagandas e se tornar pagas?
Acredito que as pessoas deveriam pagar pelo serviço e também receber por suas contribuições quando alguma delas se populariza. Isso poderia fazer a economia crescer e beneficiar muita gente. As redes sociais deveriam ser livres de propagandas e pagas por aqueles que podem pagar. Deveria existir também uma maneira de acomodar aqueles que não podem pagar. Acredito que isso pode ser feito facilmente. Veja a Netflix. As pessoas pagam, mas elas podem encontrar versões piratas e gratuitas dos filmes a qualquer hora. Só que a experiência é melhor quando é paga. Isso significa que até agora, a Netflix não tem sido tão ruim quanto o YouTube, que espalha propagandas. É um modelo que funciona e serve como exemplo.
Como você incluiria aqueles que não podem pagar?
Teria um checkbox "eu não posso pagar por isso". E seria um pouco mais difícil de usar que a versão paga. Acredito que isso é um problema fácil de resolver. As pessoas pagam por coisas que acreditam ter qualidade.
Sair ou ficar numa rede também envolve questões de desigualdade social?
Isso é verdade em diferentes níveis. O Facebook adora fazer barulho sobre como é maravilhoso para os pobres, mas isso é falso de duas maneiras: é gratuito, mas arruína a política, deixando as coisas mais tensas e esquisitas. Isso mais atrapalha do que ajuda os países em desenvolvimento. Em segundo lugar, remove opções e aprisiona as pessoas. Quando a tecnologia de smartphones e acesso à internet começou a se popularizar ao redor do mundo, algumas companhias, principalmente o Facebook, tentaram se enfiar no meio disso de maneira que as pessoas confundiriam a internet com o Facebook. A verdade é que se uma pessoa não pertence a um círculo social afluente, com recursos, e ela tem um telefone e o Facebook está lá fazendo a conexão com a internet, não é razoável esperar que essa pessoa tenha os recursos sociais para conhecer outras opções. Também não é razoável esperar que essa pessoa tenha os recursos financeiros para, talvez, comprar outro telefone e exercitar outras opções. Há uma realidade que pessoas mais ricas têm mais opções. Algumas pessoas no mundo não conseguem se conectar sem o app do Facebook, ou do WhatsApp, do Messenger, do Instagram. Parece óbvio, mas é importante repetir. É muito triste.
O WhatsApp não opera com algoritmos. Você o considera uma rede social?
O WhatsApp tem mudado gradualmente e se assemelhando mais com uma propriedade do Facebook. Os fundadores saíram de lá em protesto. Quando o WhatsApp começou, as pessoas estavam lá compartilhando mensagens. Porém, ele mudou para ter uma estrutura mais voltada à personalização de comunicação e preparada para planos de negócios que usam os dados das pessoas. Assim que a arquitetura passou a suportar isso, abriu as portas para agentes nocivos e sofisticados.
O WhatsApp também altera o comportamento das pessoas?
Essa é uma das tragédias do Facebook: os clientes que mantém contratos não são nem os piores lá. Há agentes que conseguem tirar proveito mesmo não sendo clientes oficiais. Uma das principais maneiras é criar contas falsas. Elas se infiltram e você nem percebe isso. Assim, elas espalham notícias falsas que são replicadas e que mudam a atmosfera social. As pessoas percebem o mundo de maneira social. Quando você anda na rua, você inconscientemente analisa aquilo que os outros estão prestando atenção, o humor delas. Coletivamente nós somos sensores uns para os outros. Se você tem pessoas falsas online, no WhatsApp, você consegue criar ansiedade, paranoia e crença em coisas falsas.
Você acha que as pessoas deveriam deletar o WhatsApp também?
Eu não conheço as outras pessoas e não tomo decisões por elas. Eu diria que se você tem a possibilidade, sem prejudicar a sua vida, eu sugeriria que você deletasse. Acredito que você vai perceber que a sua vida vai melhorar. No mínimo, se você puder ficar fora por seis meses, você aprenderá um pouco mais sobre você mesmo e o mundo. Você descobrirá que pode ser mais feliz e melhor informado. Então, poderá decidir se volta ou não. Compreendo que para muitas pessoas essa não é uma opção e não que que se sintam culpadas.
As redes sociais ajudam a eleger líderes autoritários ou políticos que não se elegeriam de outra forma?
Vemos em todo o mundo o crescimento de um certo tipo de líder que você poderia qualificar como autoritário.Em todos esses casos, você vê um fenômeno parecido de mídias sociais antes das eleições, que é uma incrível onda de paranoia. Vimos com Bolsonaro, vimos com Trump e em todos os outros exemplos. E isso está acontecendo em muitos países que não têm muito em comum, exceto o Facebook. Mas eu gostaria de questionar se deveríamos chamar esses líderes de autoritários, porque eles são um pouco diferentes de líderes do passado. A personalidade autoritária costumava ser invulnerável, não carente. O autoritário era feito de aço. Era a pessoa que não dava bola para as coisas, que não demonstrava fraquezas. Mas essa nova personalidade que vem das redes sociais projeta um tipo de carência, uma necessidade de ser adorado. Acho que a razão para esse tipo de personalidade funcionar é que muitos dos seguidores se sentem de forma parecida por conta seus próprios vícios em redes sociais. Eles se identificam.
As redes sociais são um canal para um novo tipo de personalidade de líder?
Sim, e é um tipo que demonstra carência. Parece que há uma necessidade de ser amado. Um líder não agia assim no passado. Eles compulsivamente dizem coisas estúpidas, como se fossem criancinhas que querem aborrecer os pais. Eles dizem coisa idiotas que sabem que vão gerar críticas de pessoas inteligentes em seus países. Você verá esse padrão em diversos países do mundo. Infelizmente, porém, as políticas deles se assemelham a de líderes autoritários tradicionais.
Existe alguma rede social que você recomenda?
Não tenho nenhuma conta porque não acho que há redes sociais boas o suficiente. Uma maneira de medir se uma rede social é boa ou não é se ela está sendo usada pelos agentes de Vladimir Putin para manipular eleições ou sociedades. Se você utilizar esse teste, você diria que todas as propriedades do Facebook são terríveis, que o Twitter é terrível, que o Reddit é terrível, que o YouTube é terrível (risos). Porém, há uma série de outras que os agentes parecem não ter encontrado uso. Isso significa que ou os agentes não ligam ou essas redes não se tornaram terríveis. O Snapchat talvez não seja terrível. O LinkedIn não parece ser tão ruim, embora tenha sido criticado de outras maneiras. Mas não existe nenhuma da qual eu gostaria de fazer parte.
1.Manipulação. As redes sociais são usadas para alterar e manipular o comportamento das pessoas, que, assim, perdem o livre-arbítrio sem perceber. Um exemplo é como os algoritmos por trás desses serviços percebem que o usuário gosta de determinado produto ou assunto e, a partir disso, começam a bombardeá-lo com propagandas que sutilmente tentam convencê-lo a consumir, mesmo que isso não seja uma prioridade.
2. Vício. As redes são viciantes, especialmente por conta de como as pessoas sentem prazer por meio de curtidas e seguidores. Com isso, elas mudam seu comportamento para continuar recebendo atenção.
3. Agressividade. Tornam as pessoas mais agressivas, trazendo para a superfície o que seria seu lado mais “babaca” – e nem pessoas aparentemente gentis estariam livres do problema.
4.Empatia menor. As redes reduzem a empatia que as pessoas sentem umas pelas outras, pelo fato de oferecerem conteúdo personalizado e impedirem de saber o que o outro usuário está vendo.
5.Debates inúteis. A falta de um conteúdo comum torna qualquer debate uma conversa sem sentido, pois um usuário não consegue enxergar o contexto de onde parte o ponto de vista de outro. Tudo isso somado explicaria como qualquer assunto em rede social tem potencial para acabar em bate-boca.
6. Notícias falsas. As redes são uma ferramenta poderosa para a disseminação de notícias falsas, com muitas contas falsas e pessoas que não existem, alterando a percepção da realidade – com robôs agindo nas redes sociais em volume gigantesco, a realidade passaria a ser moldada por agentes que não têm uma percepção legítima do mundo.
7.Política impossível. Sem debates e com chuva de notícias falsas, torna-se impossível fazer política. Lanier cita como exemplo as eleições presidenciais nos EUA, onde as redes tiveram papel fundamental na eleição de Donald Trump.
8. Discriminação. As redes permitem que grupos racistas, xenófobos, machistas, etc, se organizem e ataquem iniciativas legítimas para combater esses males.
9.Efeito econômico. Redes têm um impacto negativo na economia, já que apenas alguns influenciadores, além das próprias redes, vão faturar com as participações e contribuições de todos os usuários. Enquanto isso, pessoas como artistas e tradutores, entre outros, terão uma vida cada vez mais difícil, conforme os algoritmos das redes se tornam cada vez mais sofisticados.
10. Metafísica. De acordo com Lanier, as redes odeiam a sua alma.
Luiz Hamada, 36, já virou piada entre os amigos. Ele não entende memes que estão bombando e fica por fora das fofocas do seu círculo social. O motivo é que ele abandonou as redes sociais, especialmente o Facebook.
A saída foi entre 2009 e 2010, quando o Orkut ainda ocupava a trono de rede social mais popular do Brasil – o que só mudou em 2011 com o crescimento da rede de Mark Zuckerberg.
“Fico livre de discussões desnecessárias, como as que ocorreram nas eleições”, conta.
Luiz diz que passou a priorizar experiências e encontros no mundo real, e que as amizades nas redes sociais tem uma atmosfera superficial. Com o tempo extra, ele pode se dedicar mais à família e às cachorras Pan e Flora. Em casos de extrema necessidade, os amigos acionam a esposa.
De fato, não foi só o Luiz que percebeu as eleições como um período ruim para estar nas redes sociais. Para alguns, o processo eleitoral foi o ponto final dentro dos serviços.
“A demanda por compartilhamentos e participação das discussões exigia uma espécie de militância virtual que me tirava dos encontros presenciais e me atrapalhava no meu trabalho”, diz Marlyvan Alencar, 54, professora nos cursos de publicidade e jornalismo da PUC-SP.
Ela apagou os perfis no Facebook, no Instagram e no Twitter logo depois das eleições. Longe das redes, ela diz que consegue produzir mais, estudar mais, encontrar mais os amigos.
Apesar disso, os números do Facebook no Brasil continuam altos. Em julho último, a companhia revelou ter 125 milhões de usuários no país, crescimento de 25% em relação a 2016, última vez que o dado havia sido revelado
Outro ponto em comum em quem largou o Facebook é não enxergar o WhatsApp, que pertence a Zuckerberg, como uma rede social. Ambos ainda estão no serviço de mensagens que conta com 120 milhões de usuários no Brasil – dizem que é importante para a comunicação.
Isso, porém não quer dizer que o app não incomode. “Tem horas que tira a paciência", diz Hamada.
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'Redes sociais deixam sociedade mais vulnerável' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU