22 Novembro 2018
“Os preceitos de Deus podem ser reduzidos a ser apenas uma bela fachada de uma vida que, seja como for, continua sendo uma existência de escravos e não de filhos”. O Papa advertiu sobre uma “obediência literal” dos Dez Mandamentos, que por trás da “máscara farisaica da correção asfixiante” oculta “algo feio e não resolvido”. Francisco destacou, durante a Audiência Geral, que ao passar o limite indicado pela lei bíblica, o homem não comete uma transgressão “formal legal”, mas, ao contrário, “fere a si mesmo e os outros”. Por outro lado, ao “tocar o coração do homem”, o Decálogo o conduz “a sua verdade, ou seja, a sua pobreza, que se converte em abertura autêntica e pessoal à misericórdia de Deus, que nos transforma e nos renova”.
A reportagem é de Iacopo Scaramuzzi, publicada por Vatican Insider, 21-11-2018. A tradução é do Cepat.
O Papa Francisco chegou ao final de um ciclo de catequese que dedicou, todas as quartas-feiras, aos Dez Mandamentos. Hoje, refletiu sobre o décimo: “Estas não só são as últimas palavras do texto, mas muito mais: são o cumprimento da viagem através do Decálogo, tocando o coração de tudo o que nos foi entregue nele”, explicou Jorge Mario Bergoglio. Também destacou que “bem visto, não acrescentam nenhum conteúdo novo: as indicações “não desejarás a mulher [...], nem o que pertença a teu próximo”, estão ao menos latentes nas ordens sobre o adultério e sobre o roubo. Qual é, então, a função destas palavras? É um resumo? É algo mais? Tenhamos bem presente – recordou o Papa – que todos os mandamentos têm a tarefa de indicar a fronteira da vida, o limite para além do qual o homem destrói a si mesmo e ao próximo, arruinando sua relação com Deus. Se você vai além, destrói a si mesmo e destrói a relação com Deus e destrói a relação com os outros. Os mandamentos nos indicam isto”.
Mediante o décimo deles, ressalta-se “que todas as transgressões nascem de uma comum raiz interior: os desejos malévolos”, disse o Papa. “Todos os pecados nascem de um desejo malévolo, ali começa a se mover o coração e se entra nessa onda e acaba em uma transgressão, não uma transgressão formal legal, em uma transgressão que fere a si mesmo e aos outros. No Evangelho, o Senhor Jesus diz explicitamente: “é do interior do coração dos homens que provêm as más intenções, as fornicações, os roubos, os homicídios, os adultérios, a avareza, a maldade, os enganos, as desonestidades, a inveja, a difamação, o orgulho, a insensatez”. Uma boa lista, né? Repito isso porque faz bem a todos nós escutar as raízes malévolas: ‘Todas estas coisas más procedem do interior e são as que mancham o homem’”.
“Compreendemos, então, que todo o percurso traçado pelo Decálogo não teria nenhuma utilidade se não chegasse a tocar este nível, o coração do homem”, insistiu o Papa. “O Decálogo se mostra lúcido e profundo sobre este aspecto: o ponto de chegada desta viagem é o coração, e se este não é libertado, o resto serve para pouco. Este é o desafio: libertar o coração de todas estas coisas malévolas e feias”.
“Os preceitos de Deus podem ser reduzidos a ser apenas a bela fachada de uma vida que, seja como for, continua sendo uma existência de escravos e não de filhos. Muitas vezes, por trás da máscara farisaica da correção asfixiante se oculta algo feio e não resolvido. Ao contrário, devemos nos deixar desmascarar por estes mandamentos sobre o desejo, porque nos mostram nossa pobreza, para nos conduzir a uma santa humilhação”.
O homem, prosseguiu o Papa, precisa “desta bendita humilhação: dessa pela qual descobre que não pode se livrar sozinho, dessa pela qual clama a Deus para ser salvo” e “é vão pensar em purificar nosso coração em um esforço titânico de nossa vontade: isto não é possível. É preciso se abrir à relação com Deus, na verdade e na liberdade: só desta maneira nossos esforços podem dar fruto, porque há o Espírito Santo que nos leva adiante. A tarefa da Lei bíblica não é a de iludir o homem de que uma obediência literal lhe conduz a uma salvação artificial e, portanto, inalcançável. A tarefa da Lei é conduzir o homem a sua verdade, ou seja, a sua pobreza, que se converte em abertura autêntica e pessoal à misericórdia de Deus, que nos transforma e nos renova. Deus é o único capaz de renovar nosso coração”, disse o Papa, com a condição de que “nós abramos o coração a Ele: Ele faz tudo, mas abramos o coração”.
“Enganamos a nós mesmos se pensamos que nossa fraqueza pode ser superada apenas com nossas forças, em virtude de uma observância externa. Devemos suplicar, como mendigos, a humildade e a verdade que nos coloca diante de nossa pobreza, para poder aceitar que só o Espírito Santo pode nos corrigir, dando a nossos esforços o fruto desejado. Essa verdade é abertura autêntica e pessoal à misericórdia de Deus que nos transforma e renova”, afirmou em espanhol.
Ao concluir a catequese, ecoou na boca do Pontífice a bem-aventurança, como que para gravar no coração dos fiéis a importância da própria relação com Deus: “Bem-aventurados os pobres de espírito; aqueles que, não confiando em suas próprias forças, se abandonam em Deus, que com sua misericórdia cura suas faltas e lhes dá uma vida nova”.
Em suas saudações aos peregrinos de língua espanhola, recordando a celebração da Apresentação da Virgem Maria no Templo, animou-o para que, “seguindo seu exemplo, sejam testemunhas da misericórdia de Deus no meio do mundo, comunicando a ternura e a compaixão que experimentaram em suas próprias vidas”.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
O Papa: a obediência formal reduz o Decálogo a uma máscara - Instituto Humanitas Unisinos - IHU