01 Novembro 2018
Ventos fortes tomaram conta da Cidade Eterna nesta semana junto ao encerramento do Sínodo dos bispos sobre os jovens, de um mês de duração. Enfrentando o clima, com seus hábitos agitados sob as fortes rajadas de vento, representantes das irmãs religiosas de todo o mundo se reuniram na terça-feira para discutir o legado e os desafios do Sínodo.
A reportagem é de Claire Giangravè, publicada por Crux, 31-10-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
“Essa grande tempestade lá fora diz algo sobre o sínodo”, disse a irmã francesa Nathalie Becquart.
Becquart, membro da Congregação de Xavières e primeira mulher a servir como Diretora do Serviço Nacional para a Evangelização da Juventude e Vocações na França, falou durante a conferência “Escutando a Voz das Irmãs Religiosas no #Sínodo 2018”, realizada próximo ao Vaticano em 29 de outubro.
“Uma das tantas coisas que se leva da experiência do sínodo foi o forte chamado para a mudança, para sermos uma Igreja em movimento”, acrescentou ela.
O documento final do Sínodo sobre os Jovens, a Fé e o Discernimento Vocacional, embora ainda não seja considerado parte do magistério da Igreja até que o Papa Francisco dê sua aprovação, parece sugerir uma mudança de paradigma de sua maneira de lidar não apenas com os jovens, mas também com o papel das mulheres na Igreja, com o tratamento aos homossexuais e com as estruturas eclesiásticas de poder.
As irmãs refletiram sobre como transmitir as palavras do documento para a vida cotidiana. Também avaliavam se os ventos de mudança desencadeados pelo sínodo podem significar o prelúdio de uma tempestade ou de uma lufada de ar fresco.
Um dos principais pontos de discórdia em termos do papel das mulheres nasceu do fato de que nenhuma representante feminina teve direito de votar no Sínodo.
A União dos Superiores Gerais (USG), que representa o clero masculino de todo o mundo, foi autorizada a trazer dez representantes de sua escolha para o encontro e ter sua opinião contabilizada durante o processo de votação, até mesmo a de seus membros não-ordenados.
O grupo de mulheres equivalente, a União Internacional das Superiores Gerais (UISG), tinha apenas três representantes, escolhidas a dedo pelos organizadores do sínodo, e nenhuma delas pôde votar. Considerando que 80% dos membros consagrados da Igreja são mulheres, essa desigualdade atingiu um acorde dissonante no que foi descrito como um sínodo de encontro e diálogo.
“Estamos abordando um problema que só não vê quem não quer”, disse a irmã Sally Mary Hodgdon, superiora geral das Irmãs de São José de Chambéry e vice-presidente da UISG.
Hodgdon disse que durante as primeiras semanas do sínodo foi abordada para discutir a redação de uma proposta para Francisco. Embora as palavras exatas não tenham sido decididas, ela tem uma ideia bastante clara do que deseja dizer.
“O significado da carta que queremos elaborar é que as religiosas devem ter o mesmo número de membros no sínodo que os homens. E, quando houver votação, que tenhamos o direito de votar”, disse ela.
“Não deixaremos essa questão morrer”, disse Hodgdon.
A irmã espanhola Maria Luisa Berzosa González tinha receio de participar do sínodo, mas sentiu-se obrigada a participar já que foi chamada justamente enquanto a Igreja passa por uma série de escândalos que enfraquecem sua credibilidade em todo o mundo.
“Sempre reclamo de não ter nenhum espaço na Igreja”, disse ela, “mas desta vez não pude reclamar, a porta estava um pouquinho aberta”.
Ainda assim, acrescentou, dada a prevalência de cardeais e bispos no evento, ainda se perguntou se esse poderia ser um lugar para uma mulher.
“Sou uma mulher batizada e madura, então por que tenho que me sentir como uma participante de menor importância?”, perguntou a si mesma logo antes de se sentir “totalmente participante”.
A necessidade de maior inclusão das mulheres em todos os níveis da Igreja se tornou um tópico recorrente não apenas para os participantes jovens e para as religiosas, mas também podia ser ouvido nas falas dos cardeais e bispos.
“Como mulheres, sentimos que estávamos muito ativas no processo”, disse Becquart. “Fomos levadas a sério”.
No parágrafo 148, o documento final diz que o espírito de inclusão no sínodo deveria transbordar para toda a Igreja. Ele exigia uma maior “presença feminina em todos os níveis dos organismos eclesiais” e enfatizou a necessidade de mais poder de decisão para as mulheres, definindo isso como um “dever de justiça”.
“Este sínodo é um divisor de águas para a jornada das mulheres”, disse a irmã italiana Alessandra Smerilli. “Mas a questão é: estamos prontas?”.
Trazer as mulheres para o primeiro plano, continuou, exigirá uma melhor formação para as religiosas, para que elas se tornem líderes não apenas no nível cultural e teológico, mas também em termos de transparência e responsabilidade.
Outro tópico controverso do documento final foi a ênfase na sinodalidade, com alguns participantes se perguntando de onde o assunto teria surgido, uma vez que não havia sido muito discutido durante a assembleia.
“A chave para ler tudo o que foi feito no sínodo é a sinodalidade”, disse Smerilli, mas surgiu uma confusão em relação ao significado do termo. Foi explicado, disse a freira italiana, que enquanto a colegialidade envolve o relacionamento do Papa com os bispos, a sinodalidade diz respeito a toda a Igreja.
“Havia medo de que, caso falássemos sobre a sinodalidade, todos pudessem opinar sobre tudo e, então, o que restaria para os bispos?”, disse Smerilli.
Mas os discursos durante o Sínodo mostraram que “a inclusão não retira nenhuma autoridade dos bispos”, disse ela. A sinodalidade é uma continuação do Concílio Vaticano II.
“O caminho sinodal envolve a todos nós”, disse González, propondo que, em vez de “criar guetos” para homens, mulheres, jovens, idosos, pessoas do clero e leigos, a Igreja deveria oferecer uma grande tenda onde todos fazem parte do processo.
A irmã sul-coreana Mina Kwon ressaltou que o documento foi o resultado de longas conversas e reflexões, muitas das quais não ocorreram no salão do sínodo, mas nos “corredores, nos lugares onde ficamos, nas mesas de refeições e no sofá”.
Francisco havia dito que “uma Igreja sinodal é uma Igreja que escuta”, mas durante todo o sínodo, Becquart diz que aprendeu que a Igreja “também pode ser um lugar de encontro”, levando à “descoberta do chamado para uma sinodalidade missionária”.
Além do uso do termo sinodalidade no documento final causar uma pequena agitação, outra causa de controvérsia foi a linguagem utilizada para promover o acompanhamento dos católicos LGBT (embora sem usar esse termo).
“Este sínodo não tinha respostas prontas”, disse a irmã salesiana Lucy Muthoni Nderi, do Quênia, que trabalha como psicóloga e educadora, acrescentando que é importante dedicar tempo para a pesquisa e para o estudo.
“Nós, como Igreja, não podemos discriminar ou incriminar quem se encontra nessas situações”, disse ela.
Em termos concretos, González, que trabalha com católicos homossexuais em Madri, disse que o objetivo deveria ser colocar essas pessoas em contato com Deus.
“É um tópico realmente sensível”, disse a freira espanhola, mas “não podemos abandonar as pessoas que vivem em certas condições”, o que ela diz que inclui também casais divorciados e recasados.
“Devemos continuar o caminho sinodal em direção a uma Igreja que aceita as pessoas de maneira mais ampla”, disse ela, “e, não excluir, não jogar fora”.
As religiosas sabem que grande parte do trabalho pesado na implementação da visão do sínodo terá que ser feita por elas, já que muitas vezes são elas que estão trabalhando lado a lado com aqueles a quem o documento é direcionado.
“Não podemos parar o sínodo e vamos dar continuidade a ele”, disse Nderi. “Essa jornada deve continuar em nossa Igreja e em nossas próprias dioceses”.
O mesmo sentimento foi ecoado por Hodgon, que aludiu ao teólogo Johann Baptist Metz ao chamar as irmãs de “a 'memória perigosa' deste sínodo”.
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Religiosas querem ser a “memória perigosa” do Sínodo 2018 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU