26 Outubro 2018
A Igreja precisa buscar não apenas soluções para o comportamento inapropriado de seus padres, mas também questionar sobre as causas que estão profundamente enraizadas, diz monge beneditino.
No meio da crise que a Igreja tem vivido, o La Croix convidou algumas personalidades proeminentes da Igreja para falar sobre possíveis soluções.
Hoje ouvimos o Irmão Michael Davide Semeraro, um monge beneditino do mosteiro Koinonya da Visitação de cidade de Rhêmes Notre-Dame no Vale Aosta, norte da Itália.
O comentário é de Michael Davide Semeraro, OSB, publicado por La Croix International, 25-10-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
A comunidade cristã tem vivido uma grande sensação de desconforto.
O problema mais importante que a Igreja enfrenta não é de descobrir quem é responsável pelos escândalos de abuso, mas o que tais escândalos, particularmente o abuso de menores, revela sobre a sua maneira de ser.
Sendo assim, a Igreja precisa buscar não apenas soluções para o comportamento inapropriado de seus padres, mas também questionar sobre as causas que estão profundamente enraizadas.
A “tolerância zero” é totalmente inadequada ao menos que esteja acompanhada de um desejo radical de rever a maneira de como a Igreja funciona, principalmente como os ministérios ordenados funcionam.
A Igreja arriscou atuar mais como uma instituição religiosa do que como uma comunidade de fé. Essa ambiguidade permitiu que algumas coisas entrassem pela janela, coisas que o Evangelho se esforça para expulsar pela porta da frente, como, por exemplo, seu caráter sagrado.
O que estamos vivendo hoje é uma amostra de uma das piores consequências da prática de tornar sagradas certas funções que, na realidade, são e devem permanecer como serviços.
A identificação entre o ministério que serve à vida da comunidade e a identidade pessoal de um ministro ordenado acabou provocando uma série de abusos. Além de serem crime, esses abusos representam uma postura que contradiz o Evangelho.
No momento, a Igreja está pagando o preço pela remodelação de seu funcionamento religioso e sagrado.
Seu jeito de funcionar resultou na criação de uma casta clerical que engloba não só o clero, mas também os leigos clericalizados.
Como os fariseus e os saduceus nos tempos de Jesus, essa casta tende a usar o Evangelho para seus próprios propósitos muito mais do que servir a ele.
Sem o Evangelho, tudo pode continuar como era no passado. Mas o Evangelho impõe uma conversão que inclui enfrentar as críticas que vêm dos outros.
Recolocar o Evangelho no centro da vida da Igreja envolve reconhecer um erro fundamental, que foi deixar de lado a ideia de ser uma comunidade de irmãos e irmãs à serviço da humanidade e não uma “religio” como as outras.
Não serão os dogmas ou as bobagens ritualísticas que farão a diferença. O que precisamos é de um reposicionamento que consiste em renunciar de todos os privilégios que vêm da necessidade de criar cargos de alto escalão.
O que precisamos é de uma posição que privilegie o relacionamento com o outro.
O que estamos de fato fazendo para renunciar a todas as formas de clericalismo e, até mesmo, de machismo? Enquanto não renunciarmos a esse tipo de posicionamento, será difícil curar a doença causada pela crise dos abusos sexuais e pelos abusos de poder e consciência.
Uma Igreja que nasce do Evangelho é uma Igreja despojada de si. Isso significa, também, renunciar à criação de uma casta exclusiva que se apropria do direito de excluir os outros baseada em suas vocações e em seus cargos.
Na verdade, tal mudança só pode vir de baixo.
Devemos nos entregar com entusiasmo ao horizonte de uma refundação.
E isso só poderá ser alcançado se, primeiro, aceitarmos a relativização de uma série de instituições e de maneiras de trabalhar que, mesmo que tenham sido úteis, ao menos em parte, até agora, provavelmente já não são mais apropriadas.
Existem dois aspectos que não só são urgentes, mas também reveladores do desejo real de irmos além da nostalgia de nós mesmos em direção à nostalgia do Reino de Deus.
Primeiro é o papel da mulher na vida da Igreja; depois, a transformação de uma teologia de mortificação para uma teologia do prazer.
Nossa maneira de entender a sexualidade, enquanto forma de apreciar nossa humanidade, é a chave para aceitar as atuais mudanças antropológicas sem as enxergar como uma ameaça, e sim como uma oportunidade.
Isso não implica em relativizar o celibato clerical ou a castidade de um religioso consagrado, mas em reposiciona-las de acordo com a nossa humanidade.
Isso nos permitirá continuar vivendo como vivíamos no passado, inclusive mantendo o celibato, porém com uma nova liberdade e responsabilidade que ainda precisam ser desenvolvidas.
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É hora de renunciar a todas as formas de clericalismo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU