03 Agosto 2018
PT faz PSB ficar neutro(!)contra Ciro. É a divisão das esquerdas. Lula, inelegível, talvez prefira morrer na cadeia a ver um projeto de esquerda alternativo a ele. E o PT prefira se esfacelar a fazer política maior. Alckmin, PMDB e PSDB agradecem.
Eu quero a união das esquerdas. Desde que ela se una debaixo dos meus pés.
No xadrez presidencial, ontem o PT e Lula conseguiram que o PSB não se coligasse com Ciro Gomes. Mas isso não significa que o PSB vai se coligar e, assim, dispor de seu tempo de TV para a candidatura petista.
O que se conseguiu foi a neutralidade do PSB, a partir do expediente das trocas estaduais: o PT retirou candidaturas em 4 estados onde o PSB tem chances, uma delas a de Marilia Arraes, de Pernambuco. Para Tarso Genro, Marília seria "o grande quadro renovador da esquerda no Nordeste".
Em troca, o PSB ficaria neutro na disputa nacional e retiraria a candidatura em Minas Gerais, para favorecer a reeleição de Fernando Pimentel, do PT.
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Além de rifar possibilidades de renovação do partido, o movimento joga no lixo o tempo de TV do PSB, partido que é o segundo maior do campo progressista, com 26 deputados.
Em um momento em que um certo capitão da reserva insiste em não cair dos seus 17% de intenções de votos; e em que o candidato da direita tradicional, Geraldo Alckmin, consegue unir em torno de sua candidatura uma enorme quantidade de partidos; tirar esse tempo de TV das candidaturas progressistas é tudo que essa turma pedia.
Se o chuchu e o tosco estiverem juntos no segundo turno, sabem que terão tido uma mãozinha dessa negociação.
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Tudo foi feito para que Ciro não crescesse e não ameaçasse a hegemonia do campo progressista pelo PT e por Lula, que mostraram mais uma vez, como em 2014, que seguem dispostos a eliminar primeiro os atores mais próximos para poderem polarizar com o lado de lá.
Lula sabe jogar esse jogo muito bem, mas essa é a lógica inerente dos partidos políticos. Não consigo deixar de pensar em Simone Weil, a quem Camus se referia como "o único grande espírito do nosso tempo" e cujos artigos recebiam réplicas do próprio Leon Trotsky, que a tachava de esquerda radical.
Para Weil, os partidos políticos têm três características essenciais: são máquinas de produzir paixões coletivas; são organizações construídas para exercer pressão sobre cada um de seus membros; têm como finalidade única produzir seu próprio crescimento.
“Graças a essas três características, todo partido é totalitário em germe e em aspiração”, afirma a autora, que cresceu próxima do partido comunista francês, no qual militavam vários de seus amigos.
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O texto de Simone Weil se chama "Notas sobre a extinção geral dos partidos políticos", foi escrito em 1940, durante a segunda guerra mundial. Pode ser lido em francês, na Internet.
Escrevi mais sobre as Notas e sobre os limites da lógica partidária nas democracias em um artigo de título provocador, Democracia sem Partido, publicado na Piseagrama.
Acho fundamental começarmos a olhar para essas máquinas de produzir paixões coletivas e pressões sobre seus membros que visam somente ao próprio crescimento como elas são. Isso mesmo. "Lutar contra o golpe", "contra os retrocessos", tudo isso fica em segundo plano quando o assunto é garantir a hegemonia.
Que Lula teve um comportamento impróprio ao aceitar favores de empreiteiras, não se discute. Merece uma dura crítica.
Que esses favores tenham configurado suborno e, portanto, tivesse havido a prática de crimes é algo a ser comprovado pela PF e pelo MP. E não foi.
Assim, sua condenação no plano criminal é injusta.
Que, uma vez condenado em segunda instância Lula fique impedido de concorrer, é consequência da Lei do Ficha Limpa. É uma lei errada e perigosa, mas que foi aprovada no Congresso, com o apoio do PT (e também do PSol, diga-se), e depois sancionada pelo presidente, que era Lula.
Que ele comece a cumprir a pena de prisão antes de esgotados todos os recursos, é consequência de uma interpretação discutível do STF, que permite essa possibilidade, embora não a determine em todos os casos.
Isto posto, quaisquer outras limitações impostas ao exercício da cidadania de Lula são ilegais.
Por exemplo: a proibição de que ele dê entrevistas, coisa permitida a presos comuns, não tem base legal. Aliás, recentemente foi divulgada uma entrevista do traficante Nem, que cumpre pena.
Pois bem, em sua coluna de hoje no Globo, Merval Pereira faz menção a uma suposta incomunicabilidade de Lula. Ora, isso é uma aberração. Só existe na cabeça de alguns juízes e de Merval. Não tem qualquer base legal. A legislação prevê os casos em que um preso pode ficar incomunicável. Lula não está dentre eles.
Da mesma forma, a Lei da Ficha Limpa o impede de se candidatar, mas não de expressar sua opinião no processo eleitoral. E nem impede que essa opinião seja veiculada pelos interessados nos veículos em que eles desejarem. Assim, a proibição de que Lula grave depoimentos a favor de quem quer que seja é absurda. Não tem qualquer base legal.
Estar inelegível é uma coisa. Estar proibido de se expressar, outra. Algo inteiramente diferente.
Ou seja, é claro que há uma gritante parcialidade do Judiciário no tratamento da questão.
Isso é preciso ficar claro, independentemente de simpatias ou antipatias em relação a Lula.
Na campanha do Trump ele prometeu acabar com as bolsas conferidas a estudantes de outros países que são considerados acima da média.
No dia seguinte o New York Times veio com um editorial desancando com a ideia. As empresas "ponto com" quase tiveram um treco. Foi uma grita geral no establishment porque a pesquisa nos Estados Unidos sempre dependeu bastante de imigrantes. E a proposta morreu.
No Brasil, o orçamento do MEC pode acabar com as bolsas de pesquisa da CAPES e tudo bem.
Essa situação é fruto de duas coisas:
A crise da própria universidade e seu papel na sociedade.
O fato de que a produção de conhecimento é irrelevante para nossa burguesia.
O que significa que qualquer projeto nacional que conte com a contribuição de nossa burguesia está fadado ao fracasso. Sem entender como nossa burguesia se insere no contexto internacional não há projeto possível, por mais bonito que seja.
Em menos de uma semana, o "candidato mais preparado", Ciro Gomes, levou duas rasteiras elementares em política, uma de Alckmin, outra de Lula.
Depois de passar meses namorando o Centrão (PP, PR, PRB etc.) ao mesmo tempo em que dizia que "bandido do MDB vai fazer oposição ao meu governo", como se o PP tivesse menos "bandidos" que o MDB, Ciro testemunhou o fechamento do acordo do bloco com Alckmin, que assim abocanhou quase metade de todo o tempo de TV disponível para propaganda eleitoral.
Ato contínuo, Ciro viu o desmoronamento da sua esperança de ter o PSB, seu aliado prioritário, ao seu lado nas eleições.
Capitaneado por Lula, o PT fechou um acordo com o PSB (se você ainda acredita que o PT fecha acordos nacionais que não sejam por ordem de Lula, bem, só me resta dizer que matéria de fé a gente não discute). Esse acordo inclui: 1) neutralidade do PSB nas presidenciais, com a decorrente divisão do tempo de TV do partido de forma proporcional, ou seja, com o grosso desse tempo indo para Alckmin; 2) a retirada da candidatura da líder das pesquisas em Pernambuco, a petista Marília Arraes, em favor de Paulo Câmara, do PSB; 3) o apoio do PSB à reeleição do petista Fernando Pimentel, em Minas, com a consequente oferta de um prêmio de consolação a Lacerda, candidato do PSB que havia costurado uma coalizão com uma série de partidos.
Esse prêmio de consolação seria uma vaga na chapa ao Senado. Já que uma dessas vagas tem que ser de Adalclever (MDB), como moeda de troca pela não abertura do processo de impeachment contra Pimentel, a sacrificada seria ... ela mesma, Dilma Rousseff.
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Note-se que em uma mesma tacada, Luís Inácio "Grelo Duro" da Silva decapita e rifa duas mulheres petistas, em ambos os casos para fazer acordos com "golpistas". E a turma continua falando de golpe a sério.
Claro que os traídos estão esperneando. Lacerda diz que vai manter a candidatura e vai à convenção nacional do PSB disputar o direito de oficializá-la. Marília está neste momento no encontro do PT-PE, tentando caminhar a complicada corda bamba de se manter solidária ao "Lula Livre" e manter a candidatura que foi sabotada pelo próprio Lula.
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Nas redes de esquerda, o tom geral é a cornitude amargurada: "o PT destruiu a esquerda!", "como puderam nos trair assim?", "o PT não aprendeu nada com o golpe". A coisa mais hilária de ver petistas e ciristas esperneando é exatamente essa frase: "o PT não aprendeu nada com o golpe".
Funciona assim:
1) o sujeito embarca em uma teoria furada, que não tem nenhum fundamento na realidade (a teoria do golpe).
2) nenhum dos atores da realidade, incluindo os supostamente golpeados, se comportam segundo o que preconiza sua teoria.
3) quando o sujeito se dá conta disso, em vez de rever a teoria, porque afinal de contas a realidade não se comporta segundo o que ela preconiza, ele diz que a realidade não aprendeu com a teoria dele!
É impressionante, mas cada vez que alguém diz que "o PT não aprendeu nada com o golpe", é isso aí o que se pressupõe: que a realidade está errada porque ela não se conforma à teoria do cara.
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Enquanto isso, Lula continua rifando qualquer companheiro que seja necessário rifar, mas inocentes úteis ainda acreditam que qualquer postura que não seja a submissão à sua vontade e a obediência às suas articulações deve ser catalogada como "traição à esquerda".
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Abandonemos, de uma vez por todas, o conceito de traição como categoria de análise política. Chama-se jogo jogado.
Eu não vejo futuro no PT, mas, mesmo assim, é bacana ver a militância de base em Pernambuco se recusando a acatar o golpe da direção nacional. Sinal de que ainda há vida ali dentro.
Por outro lado, queria entender como ficam os petistas que ou fizeram cara de paisagem ou praticaram contorcionismo intelectual para justificar o golpe da direção nacional.
Torço para que a militância triunfe, embora saiba que do outro lado estão pesos pesados como Don Sebastião.
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