25 Julho 2018
O preço do que compramos não é apenas o que pagamos no caixa - também são os assassinatos violentos de ativistas ambientais que atingiram níveis recordes no ano passado.
A reportagem é de Arthur Neslen, originalmente publicado no HuffPost US e traduzido pelo portal HuffPost Brasil, 24-07-2018.
Paramilitares, tropas do governo, gangues contratadas e contrabandistas mataram 207 pessoas que estavam tentando proteger o meio ambiente contra a exploração de empresas, fazendas de gado e plantações de cana-de-açúcar durante 2017. Os dados são do novo relatório da ONG internacional Global Witness. Aproximadamente 4 ativistas ambientais foram mortos por semana no ano passado.
Pela primeira vez, as indústrias agrícolas que produzem commodities como carne bovina, óleo de palma e café superaram a mineração e a extração de recursos naturais como o setor mais letal para os indígenas que trabalham voluntária ou profissionalmente na proteção dos direitos ambientais e fundiários.
O pai de Ramón Bedoya, Hernán, foi uma dessas 207 vítimas. Os paramilitares colombianos atiraram nele 14 vezes depois que ele protestou contra plantações de dendezeiros e bananeiras que estavam se expandindo pelas terras de sua comunidade, relatou a Global Witness.
Bedoya disse em entrevista ao HuffPost que seu pai "estava constantemente sendo ameaçado - que iam matá-lo, que iam removê-lo da terra porque ele era um líder [...] Depois o assassinaram".
As autoridades colombianas sabiam das ameaças, contadas no premiado documentário Frontera Invisible, mas isso não foi suficiente para proteger Hernán.
Agora, diz Bedoya, sua comunidade e outros como ele precisam de apoio para evitar mais assassinatos. "Não queremos ver mais derramamento de sangue", disse ele.
A América Latina é de longe o lugar mais perigoso do mundo para ser um defensor ambiental. Quase 60% dos assassinatos ambientais registrados em 2017 ocorreram na região.
As florestas tropicais do México, por exemplo, foram devastadas com a criação ilegal de gado e a agricultura de abacates. Em janeiro de 2017, Isidro Baldenegro López, um proeminente ativista indígena que venceu o prestigioso Prêmio Ambiental Goldman por seu trabalho de proteger as florestas da cordilheira de Sierra Tarahumara, no norte do México, da extração de madeira, foi morto a tiros.
Isela González, chefe da Sierra Madre Alliance, uma organização que defende os direitos indígenas em Sierra Tarahumara nos últimos 20 anos, diz que recebeu várias ameaças de morte. Ela agora viaja com uma escolta policial, mas diz que não se sente totalmente segura, até porque o botão de pânico e os telefones via satélite fornecidos pelo estado não funcionam em áreas remotas.
González disse ao HuffPost que os assassinatos "geraram muito estresse, longos e longos dias de trabalho, porque você tem que estar constantemente alerta para o que pode acontecer depois disso. Isso também teve um impacto enorme na minha saúde".
Referindo-se à recente vitória do presidente eleito mexicano Andrés Manuel López Obrador, acrescentou: "Precisamente porque estamos prestes a mudar o governo, é fundamental que as embaixadas [diplomáticas] mostrem que se preocupam com a crise dos direitos humanos - os desaparecimentos, a tortura - e que eles falam sobre os riscos que os defensores da terra e do meio ambiente estão enfrentando".
Na Europa, os esforços para estancar o desmatamento e as violações dos direitos humanos estão sendo retidos por leis mal implementadas que restringem as importações ilegais de madeira. Além disso, as autoridades europeias forneceram diversas comodidades aos produtores de óleo de palma do Sudeste Asiático para proteger os interesses comerciais mais amplos da Europa.
Em maio, um rascunho do estudo da Comissão Europeia alertou que a votação do Parlamento Europeu sobre a proibição do óleo de dendê até 2020 "provocou fortes reações" de países produtores de palmeiras como a Indonésia e "levantou questões sobre possíveis consequências das negociações do Acordo de Livre Comércio".
Um mês depois, a Europa concordou em atrasar a eliminação do óleo de palma por uma década. Na semana passada, o embaixador do bloco na Malásia declarou que a Europa ainda estava "aberta ao óleo de palma".
A declaração foi "chocante de ouvir que tantas florestas estão desaparecendo justamente por causa da indústria do óleo de palma", disse Sebastian Ordoñez Muñoz, da organização anti-pobreza War on Want. "Mais uma década de desmatamento terá efeitos sem precedentes sobre o aquecimento global e impactos violentos nas comunidades indígenas."
A regulamentação pode e deve desempenhar um papel na interrupção dos crimes ambientais, diz o novo relatório da Global Witness. Os consumidores também podem contribuir chamando empresas e governos nas mídias sociais, em cartas a representantes políticos e em campanhas de solidariedade.
"Consumidores preocupados [...] podem telefonar para o parlamentar e perguntar o que o governo está fazendo para regular negócios no exterior", disse Ben Leather, ativista sênior da Global Witness e autor do relatório. "Eles podem perguntar às empresas como podem garantir que não há violadores de direitos humanos ao longo de suas cadeias de fornecimento. Eles podem exigir que seu consumo não estimule a matança de ativistas de direitos ambientais e de terras."
Em meio a uma mistura de situações que são preocupantes, Leather disse que as mulheres defensoras do meio ambiente agora enfrentam "ameaças específicas e intensas" de violência sexual, abuso e assédio - às vezes até mesmo dentro de sua comunidade.
Ele também observou que houve mais crimes que resultaram na morte de várias vidas em 2017. Isso se dá, potencialmente, porque os perpetradores se sentiram encorajados a matar abertamente sem ter medo de punições.
"Eles não sentem que haverá consequências, por isso não temem realizar atrocidades em massa para enviar medo por comunidades inteiras", disse Leather.
O relatório da Global Witness registra vários massacres em países como o Brasil e as Filipinas - neste último país, os militares supostamente mataram pelo menos 8 indígenas em dezembro, enquanto tentavam proteger suas terras de uma plantação de café.
O Brasil continua sendo o país mais letal para ativistas ambientais, com 57 assassinatos no ano passado - o maior já registrado por qualquer país. Vinte e dois membros de uma tribo - Gamela - foram agredidos em um incidente de posse de terra. Alguns tiveram suas mãos cortadas.
A agência de crédito à exportação do Reino Unido anunciou este ano US $3,9 bilhões em garantias para o comércio com o Brasil, cobrindo os setores de alimentos e bebidas, mineração, petróleo e gás. Mas enquanto a orientação do Departamento de Comércio Internacional do Reino Unido menciona que "o crime organizado é um problema significativo em algumas partes do Brasil", eles não fazem referência ao desmatamento ou aos crimes ambientais.
Um dos poucos sinais positivos descritos no relatório foi uma diminuição no número de assassinatos de defensores ambientais em Honduras - de 14 em 2016 para 5 no ano passado. No entanto, a repressão política se intensificou e o país mantém o pior recorde de direitos humanos per capita, com 128 ativistas ambientais assassinados nesta década.
"Chegamos a um ponto crítico em que a comunidade empresarial demonstrou o que está disposta a fazer para garantir seus investimentos na América Latina, mas as pessoas responderam que defender nossa terra é defender nossa subsistência", disse Bertha Zúñiga Cáceres, filha da defensora ambiental Berta Cáceres, que foi assassinada em Honduras em 2016 e se tornou um símbolo do que os defensores do meio ambiente enfrentam.
Respondendo ao relatório da Global Witness, o escritor e ativista ambiental George Monbiot disse que "os defensores do meio ambiente estão na linha de frente de uma batalha geracional contra as mudanças climáticas".
"Nunca poderemos levar a sério a construção de um planeta mais verde, mais limpo e mais sustentável se não nos manifestarmos quando governos e grandes empresas trabalharem juntos para forçar a desapropriação, o desmatamento, a perfuração de terras que não são apenas vitais para o equilíbrio do planeta, mas também suporta espécies raras de plantas e animais selvagens."
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4 ativistas são mortos por semana para que possamos ter biscoitos, carne e café - Instituto Humanitas Unisinos - IHU