21 Junho 2018
A atitude dos brasileiros que achavam que faziam uma brincadeira com uma mulher na Rússia, falando, em português, sobre a genitália dela sem que ela entendesse, causou reações para além do tribunal da internet. Em um vídeo, ao menos quatro brasileiros uniformizados cercam uma mulher – que seria uma repórter - e gritam repetidamente uma frase em alusão ao órgão sexual feminino. A mulher, que não entende português, apenas sorri um pouco constrangida e tenta repetir o que eles dizem (“boceta rosa”).
A reportagem é de Marina Rossi, publicada por El País, 19-06-2018.
Rapidamente o vídeo viralizou. E não demorou para que parte de seus protagonistas fossem identificados. O primeiro foi Diego Valença Jatobá, advogado e ex-secretário de Turismo, Esporte e Cultura de Ipojuca, cidade pernambucana, a 50 quilômetros da capital, onde fica a praia de Porto de Galinhas, uma das mais famosas do Estado. Hoje, trabalha com a organização de eventos e shows no Recife e região. O segundo, é o tenente Eduardo Nunes, da Polícia Militar de Santa Catarina. O engenheiro civil Luciano Gil Mendes Coelho é o terceiro. De acordo com O Globo, Coelho foi preso em 2015 em uma operação da Polícia Federal que investigava o desvio de dinheiro público na Prefeitura de Araripina (PE), onde ele trabalhou na gestão de Alexandre Arraes (PSB).
Após o reconhecimento de parte dos envolvidos, a Polícia Militar de Santa Catarina confirmou que Nunes serve à corporação, afirmou que a atitude é “incompatível com a profissão”, e disse que abriria um processo administrativo disciplinar sobre o militar. Já em Pernambuco, a Assembleia Legislativa do Estado fez um ato de repúdio ao vídeo na segunda-feira. A OAB em Pernambuco, por sua vez, entrou com um pedido de análise de conduta no tribunal de ética e disciplina da Ordem contra Jatobá e afirmou estar tentando apurar a identidade dos demais. Além disso, publicou uma nota repudiando o fato.
A exposição desses brasileiros nas redes levou a uma investigação por parte da imprensa sobre a história deles. De acordo com o jornal O Globo, Jatobá foi condenado pelo Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco (TCE) por irregularidades na prestação de contas de 2012 do município, quando ele atuava na gestão do então prefeito Pedro Serafim (PDT). Ele também foi condenado por dever, segundo a Justiça, cerca de 37.500 reais de pensão alimentícia à ex-mulher, em um processo iniciado em 2014, segundo O Globo.
Os torcedores não imaginavam que a brincadeira poderia ir tão longe. Mas não por desconhecer o poder das redes. Jatobá, inclusive, já tinha um antecedente com a internet depois que uma foto em que ele aparece ostentando um maço de notas de dólares na mão se espalhou em 2013. Na época, como figura pública, teve que se explicar. Disse que estava em uma casa de câmbio, que o dinheiro não era dele, e que estava fazendo uma brincadeira com um amigo.
Por outro lado, a experiência dos torcedores mostrou, uma vez mais, que a reação feminina no Brasil é rápida e imediata no melhor estilo “mexeu com uma, mexeu com todas”, lema que marcou a primavera feminista em 2015. Milhares de brasileiras se identificaram com a moça que, ingenuamente, repetia a grosseria, e tomaram as redes com o repúdio à atitude.
Ver graça em cercar uma mulher e gritar “boceta rosa” sem que ela entenda do que se trata - e mesmo que ela entendesse – parece hoje uma atitude que se descolou da nova realidade brasileira e mundial. Empresas ou pessoas físicas que teimam em duvidar dessa resistência têm entrado numa longa fila de pedidos de desculpas públicas. “Não é engraçado. É machismo. Misoginia. E vergonha. Muita vergonha”, escreveu a atriz Leandra Leal em seu Instagram, ao reproduzir trecho do vídeo, para seus milhares de seguidores. "Parece que os rapazes do vídeo estão com medo de perder o emprego. É pra gente se solidarizar com o sofrimento deles? Ah, vão à merda", escreveu a jornalista esportiva Milly Lacombe em sua conta no Twitter. “Medo temos nós de viver em uma sociedade machista, misógina, racista e homofóbica. Eles que agora lidem com o medinho deles”, continuou twitando. Não à toa, o repúdio foi além do tribunal das redes sociais e não se limitou somente às mulheres.
Foi exatamente essa reação que aumentou a curiosidade sobre quem eram os torcedores e chegou-se à identificação, até agora, de três deles. Por ora, Jatobá e Nunes podem ser punidos como profissionais. E os demais torcedores só não correm o mesmo risco ainda porque, por enquanto, não foram identificados.
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A ressaca de uma ofensa machista viral - Instituto Humanitas Unisinos - IHU