Por: Wagner Fernandes de Azevedo | 17 Abril 2018
A exortação apostólica Amoris Laetitia lançada em 2015 pelo Papa Francisco foi fruto dos debates dos últimos Sínodos com a temática da Família. Essa discussão historicamente produziu discordâncias externas e internas ao ambiente eclesial por carregar elementos caros à moral católica, em tempos de expansão de ideologias destoantes da tradição. A discussão sobre família abarca no seu núcleo a moral sexual. Esse pilar das relações humanas, condizente ao privado e ao íntimo, atribui as determinações comportamentais sobre os corpos e as mentes. A moralidade implicada ao matrimônio tutela as determinações da Igreja sobre as relações sexuais.
Os teólogos Todd Salzman e Michael Lawler escreveram em 2013, em entrevista ao IHU, que “Postular a finalidade unitiva do casamento ou o sentido unitivo do ato sexual como a finalidade primordial ou até exclusiva do matrimônio ou o sentido primordial ou até exclusivo do ato sexual numa nova moralidade conjugal tem implicações profundas para as relações sexuais e as normas que orientam essas relações”. Esse controle da sexualidade pelo matrimônio está para os autores em dissonância às dimensões fundamentais de uma antropologia católica renovada, sobretudo a primeira e mais fundamental. “A mudança de ênfase na própria tradição católica que passou da pessoa sexual considerada primordialmente como pessoa procriadora para a pessoa sexual considerada primordialmente como pessoa relacional”, afirmam. Compreendendo a pessoa como relacional contrapõe-se à moralidade personalista e corporificada afirmada por João Paulo II, o que para os autores refere a compreensão da sexualidade como “a complementariedade do sexo biológico de homens e mulheres”.
Michael Lawler e Todd Salzman | Foto: Creighton University
Essa compreensão é base para a manutenção da doutrina da Igreja no controle das relações privadas. Deste modo, a moral católica restringe as relações sexuais fora do matrimônio e, por conseguinte, ao proibir o matrimônio pela corporificação, as relações homossexuais. Entretanto, Salzman e Lawler apontam as transformações que a moral católica passa com o tempo. A ciência nesse sentido cumpre um papel importante de diálogo com a religião. Nesse sentido que argumentam em artigo publicado em 2013, pela Modern Believing, que “até mesmo os moralistas mais persuasivos admitem que a orientação sexual é dada, e isso não pode ser pecaminoso, já que não envolve livre escolha”.
A relevância das pesquisas de Salzman e Lawler podem ser notadas ao ponto que Amoris Laetitia foi publicada. Suas produções acadêmicas já adiantavam argumentos que estão postos nas mudanças que Amoris Laetitia trouxe à tona. “O método usado em Amoris Laetitia é muito diferente. É um método orientado por virtudes, focado em relacionamentos, dinâmico e desenvolvimental, bem como indutivo. Um método focado em virtudes se concentra no caráter, e não em atos; no ser, e não no fazer. Os atos são importantes, porque refletem o caráter virtuoso e moldam esse caráter”, apontam os autores em artigo publicado pela revista IHU On-line, edição 483, em abril de 2016.
Contenta aos autores, historicamente revisores da moral católica tradicional, que as normas sexuais percam evidência para o controle das relações. Em entrevista especial ao IHU On-line, os autores afirmam que Amoris Laetitia reverte essas normas externas e impostas, para uma moral construída pela consciência do ser cristão: “Esperamos que Francisco encoraje os fiéis a se informarem para desenvolver suas consciências, e a se empoderar para segui-las, mesmo que estas posturas vão de encontro aos ensinamentos falíveis do magistério sobre normas sexuais”. Deste modo, os autores creem que ainda com elementos importantes da tradição católica intactos na exortação, não é motivo para descrença nas mudanças. “Acreditamos que ele assinale o início de uma Igreja mais aberta, compreensiva, convidativa e misericordiosa e esperamos que, assim como está moldando um desenvolvimento orgânico da abordagem pastoral de questões morais, vá além, no longo prazo, para moldar também um desenvolvimento da doutrina da teologia moral católica relacionada a questões controvertidas da ética matrimonial e sexual”, escrevem Salzman e Lawler.
Todd Salzman é doutor em teologia moral e ética sexual, professor da Creighton University, autor dos livros A Pessoa sexual. Por uma antropologia católica renovada (Editora Unisinos, 2012), Sexual Ethics: A Theological Introduction (Georgetown University Press, 2012. Em português, Ética sexual: uma introdução teológica, livro ainda não publicado no país), homenageado pela ONU por sua defesa dos direitos humanos, e estará presente no XVIII Simpósio Internacional IHU – A virada profética de Francisco: possibilidades e limites para o futuro da Igreja no mundo contemporâneo, que ocorrerá na Unisinos Porto Alegre, entre os dias 21 e 24 de maio de 2018.
Salzman proferirá as conferências Amoris Laetitia: aspectos antropológicos e metodológicos e suas implicações para a teologia moral e A Exortação Apostólica Amoris Laetitia: a moral sexual em revisão, dias 22 e 23 de maio, respectivamente.
Confira aqui a programação completa e faça a inscrição no site oficial do evento.
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Francisco e a teologia moral em debate nas obras de Todd Salzman e Michael Lawler - Instituto Humanitas Unisinos - IHU