27 Janeiro 2018
Sete minutos. Esse é o tempo necessário para detectar uma pessoa entre três milhões. “O sistema mais amplo e sofisticado de vigilância e identificação facial do mundo” é o que a BBC mostrou, há algumas semanas, quando seu jornalista John Sudworth se ofereceu como cobaia e apresentou a foto de seu passaporte à polícia da cidade chinesa de Guiyang, capital da Província de Guizhou. Inclusive, antes de pisar a vereda da estação de trem e ser rodeado minutos depois por vários policiais, o jornalista já tinha sido detectado várias vezes em seu carro, quando parou nos semáforos.
Calcula-se que na China, desde 2016, há cerca de uma câmera para cada oito habitantes. Em dois anos, este número será de uma para cada duas pessoas. “Este momento de vertigem instantânea que está ocorrendo agora é o que precisamos temer”, destaca o filósofo francês Éric Sadin (1973), autor de La humanidad aumentada: la administración digital del mundo (2013) e de La silicolonización del mundo (2016), ambos publicados pela editora Caja Negra. O perfil elétrico do Centro Pompidou como pano de fundo combina com sua pontiaguda camisa glam e seu cabelo de “jovem mãos de tesoura”. Sadin nos recebe em um bar central de Paris, aparentemente muito distante do controle de Pequim e protegido pela opulência democrática da Europa.
“Estamos diante de um fenômeno global que não se limita a uma questão de ricos ou pobres, ditadura ou democracia”, destaca o autor. “É muito mais alarmante e sutil que isso. É uma mudança civilizatória que expõe o poder onipresente e ubíquo do GAFA (Google, Apple, Facebook, Amazon). O que eu chamo de tecnopoder captado por objetos conectados a redes (celulares, carros, câmeras, balanças, microfones, espelhos, etc.) e que prendem nossa atenção e a transformam em uma variante econômica. A vida passa a ser um objetivo de mercado e nossa identidade um elemento monetizável. Esta época de tecnoliberalismo, que reúne a natureza de nossos gestos, é uma etapa superior da conectividade, que deixa para trás a ‘era do acesso’ dos anos 1980 e 1990. Agora, o processo é técnico e econômico ao mesmo tempo. Agora existe uma cartografia de cada um de nossos desejos e sonhos, uma rastreabilidade e quantificação de nossa privacidade, que são tratados por sistemas em tempo real e que a transformam em ‘serviços’. Aí temos esses algoritmos de cada um, que fazem com que o Facebook nos incite a fazer amigos low cost, ou a Amazon a nos expor nas margens das telas os livros ou produtos que concordam com nosso comportamento como consumidores”.
De acordo com Sadin, a atual mercantilização de nossa existência, essa organização algorítmica da sociedade, limita nossa autonomia e nosso poder crítico, atravessando de uma maneira ainda desconhecida as relações humanas.
A entrevista é de Andrés Criscaut, publicada por Clarín-Revista Ñ, 19-01-2018. A tradução é do Cepat.
Em seus livros, você mostra o paradoxo de que, em termos gerais, esta realidade de “big brother” de “direita” nasceu no mesmo lugar onde iniciaram as utopias libertárias de “esquerda”: a indústria cibernética sob o sol da Califórnia.
Sim, grosso modo, sim. Onde houve movimentos contraculturais, hippies, beatniks, pacifistas e ecologistas, digamos, onde houve esperanças de novas alternativas políticas e a imaginação se exprimia de maneira pluralista, hoje, se tornou o Silicon Valley, de onde emana toda a ideologia atual... Com essas primeiras máquinas de escrever conectadas, acreditou-se que se iria chegar a uma sociedade futura mais democrática, descentralizada e horizontal. Com este pensamento de conexões, esperava-se uma libertação sem intermediários de qualquer tipo de poder coercitivo. No entanto, subestimou-se que esse mesmo sistema poderia ser cooptado pela mercantilização, que poderia haver um “golpe de Estado” retórico e ideológico de técnicos e engenheiros que nos levou a esta situação atual indigna.
Não estamos sendo muito alarmistas? Todo avanço tecnológico contou com seus detratores: foi o caso da TV e antes, do cinema e a rádio. Inclusive, via-se perigo nos livros.
É certo, mas podíamos enfrentar essas invenções. A publicidade televisiva eu podia desligar. Mas, os novos dispositivos estão conectados e drenam informação. Agora, a tela nos olha, os microfones nos escutam, nossa roupa mede a transpiração e o vaso sanitário analisa nossa urina. Até nossas emoções são quantificadas. E não é um problema dialético, já é político. Porque a questão é que se é abusado, usado: nas empresas, onde as pessoas são reduzidas a robôs de carne; nas escolas, onde se introduzem dispositivos conectados e que conduzem o modo de ensino...
Ao lê-lo, é possível acreditar que o símbolo da justiça com os olhos vendados não é por imparcialidade, mas, sim, para evitar que leiam sua íris.
Sim, é preciso mobilizar a sociedade e as leis para defender a integridade humana frente a estes sistemas de digitalização da vida, nos quais prevalece uma ideologia reducionista e onde tudo são dados e estatísticas. Diante da perda de sensibilidade e percepção, temos que reinventar a relação que mantemos hoje com a realidade e recuperar o poder de crítica e de escolha.
É certo que na Califórnia as escolas mais caras são as que quase não possuem computadores nas salas de aula?
Óbvio. É que aqueles que fazem este sistema, sabem do que se trata. É que este é um modelo terrivelmente sedutor, que oferece conforto, eficácia e até afetos, tudo em nome de melhorar a qualidade de vida: ganha-se tempo e é gratuito. Por sua vez, a inteligência artificial nos fala diretamente de realidades precisas e exatidões (sua reunião é a tal hora; tem você caspa, recomendamos tal shampoo, etc.). Temos, inclusive, uma proximidade física cotidiana com esses dispositivos, que nos conhecem cada dia melhor e administram nossa existência. Isto é muito mais forte que uma mensagem publicitária indiferenciada. É um poderoso dispositivo de hiperpersonificação e individualização de nossa existência. A questão é como não se deixar levar pela fascinação, pelo canto das sereias totalitário, uma aura que já emerge por todas as partes.
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Nossa identidade como um elemento monetizável. Entrevista com Éric Sadin - Instituto Humanitas Unisinos - IHU