15 Janeiro 2018
Mariano Puga é um sacerdote chileno que atua em La Legua, um dos bairros mais estigmatizados pela pobreza e o tráfico de drogas de Santiago. Há poucos dias, quando lhe perguntaram que tipo de Igreja o Papa irá encontrar, assim que aterrissar no Chile, nesta segunda-feira, para sua nova visitação regional, ele disse: "Com a mais sem-graça da história. É uma Igreja que se esqueceu de Jesus, do Evangelho, e dos pobres".
A reportagem é de Federico Grünewald, publicada por La Nación, 14-01-2018. A tradução é de Henrique Denis Lucas.
Hoje, a segunda visita de um Papa ao país - a primeira foi a de João Paulo II, em 1987 - entusiasma pouco ou quase nada os chilenos, que percebem a Igreja como hierárquica e elitista, oposta a reformas como o direito ao aborto ou ao matrimônio igualitário, com pouca sintonia com os jovens e uma credibilidade em xeque devido a dezenas de escândalos de abuso.
De acordo com uma pesquisa feita pelo instituto Latinobarómetro, na região se encontram os chilenos que menos valorizam Jorge Bergoglio (5,3 contra uma média de 6,8, no Chile).
Além disso, os organizadores da visita de Francisco cometeram erros visíveis como excluir grupos de base dos encontros ou pedir dinheiro em empréstimos bancários para financiar o alto custo da visita, que foi modificada em duas ocasiões. De fato, essa foi uma das críticas manifestadas nos panfletos contra a visita papal que apareceram nos últimos dias em Santiago, palco de ataques a paróquias que geraram preocupação nas autoridades e uma atmosfera fria para a visita.
O último erro foi explicado por Paulo Álvarez, um historiador que preside a Comissão de Direitos Humanos de La Legua. Para ver o Papa no Chile, nas três missas abertas e massivas que ocorrerão (em Santiago, Temuco e Iquique), os peregrinos tinham de se registrar pela internet e obter uma entrada gratuita.
"O desejo de censurar, conter e controlar tem sido excessivo e caricaturou a mensagem que Francisco pode nos trazer", expressou Álvarez, que está esperançoso de que o Papa, com seu carisma e seus gestos, finalmente venha a conseguir fazer com que os chilenos se apaixonem.
Anteontem, a comissão organizadora anunciou que em uma das missas, a de Iquique, na Praça Lobito, não serão requisitados os ingressos online, porque a capacidade é para 380 mil pessoas e apenas 150 mil ingressos haviam sido distribuídos. Isso confirmou a indiferença das pessoas para com a Igreja Católica e seu líder máximo.
Em números, a única coisa que favorece esta religião no país são os dados entregues aos jornalistas que cobrirão a visita, indicando que há 13,329 milhões de católicos no Chile, ou seja, 74% da população. A porcentagem contrasta visivelmente com a Pesquisa Bicentenário 2014, que afirma que 59% das pessoas se declararam católicas, e com a pesquisa Latinobarómetro, publicada esta semana, onde o Chile aparece com 45% de católicos, um valor baixo em comparação com outros países da região.
Rodolfo Olivera, pastor da Igreja Luterana de Valparaíso e um dos líderes religiosos que praticam o ecumenismo, disse: "Acredito que as pessoas não criaram uma expectativa com a visita do Papa, como foi criada com João Paulo II, que trouxe uma mensagem de esperança. Francisco deixou de ser crível quando suas ações foram percebidas como orientadas para o acobertamento de padres abusadores", acrescentou.
O caso mais grave é o de Fernando Karadima, um sacerdote com influência na elite chilena, no final do século passado, e que está entre os nomes que a ONG Bishop Accountability vinculou a 75 casos de pedofilia no Chile.
Juan Barros, nomeado por Francisco como Bispo de Osorno há três anos, foi mencionado como o protetor de Karadima.
Os católicos querem sua renúncia e formaram o movimento Leigos de Osorno (Laicos de Osorno, NdT), que protestará durante a passagem do papamóvel, em Santiago, porque embora tenha sido censurada a carta divulgada esta semana, em que Francisco recomendava um ano sabático a Barros, o único conteúdo sobre a temática que circulou em 2016 foi um vídeo do Pontífice na Praça de São Pedro. Na gravação ele respondia a alguns peregrinos: "Osorno sofre, sim, por ser tola, porque não abre seu coração ao que Deus diz e se deixa levar pelas mentiras ditas por toda essa gente [...] Pensem com a cabeça e não se deixem influenciar por todas essas pessoas terríveis que armaram a coisa toda".
Outro assunto espinhoso para o Papa durante a sua estadia no Chile, que terminará na próxima quinta-feira, é a questão do acesso da Bolívia ao mar. Ele poderia fazer um apelo às autoridades chilenas e bolivianas para que negociem sobre a reclamação marítima de La Paz, segundo especula a imprensa chilena há semanas. A mídia local sustenta que essa é a razão pela qual o governo de Michelle Bachelet evitou convidar formalmente os líderes de países vizinhos antes da chegada de Francisco.
Anteontem, o presidente boliviano, Evo Morales, afirmou através do Twitter que o Papa se comprometeu com a demanda de buscar uma saída ao mar para a Bolívia, durante sua visita ao Chile. "O ex-embaixador argentino no Vaticano, Eduardo Valdés, confirma que o irmão Francisco se comprometeu com a saída ao mar para a Bolívia e buscará um acordo com o Chile. Nossa demanda #MarParaBolivia se fortalece e cresce como o mar que nos foi tirado injustamente", ele escreveu.
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Chile. A visita de Francisco não consegue entusiasmar a população - Instituto Humanitas Unisinos - IHU