09 Janeiro 2018
A crise financeira asiática começou há 20 anos e a crise financeira e a recessão global, há 9 anos. Quando surgir uma nova crise financeira global, os países em desenvolvimento podem sofrer mais do que na última crise, pois ficaram menos resistentes e mais vulneráveis. Portanto, precisam se preparar para não se sobrecarregarem. O artigo é de Martin Khor, publicado por South Bulletin, 27-12- 2017. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
Há um debate sobre se está chegando o momento de uma nova crise. A maioria dos economistas e comentaristas acha que não, pois uma recuperação econômica, ainda que reconhecidamente fraca, parece estar ocorrendo nas economias desenvolvidas.
Aparentemente, a situação atual é muito boa. Os EUA, a Europa e o Japão estão tendo taxas de crescimento econômico muito boas em comparação aos últimos anos e o PIB da China pode crescer cerca de 7% em 2017, segundo uma estimativa.
Recentemente, não houve grandes saídas de capital, como era temido, dos países em desenvolvimento em resposta à eliminação das políticas de flexibilização quantitativa nos EUA e agora na Europa. A maioria dos economistas da grande mídia está otimista a respeito das perspectivas econômicas mundiais para 2018.
Porém, debaixo da superfície calma, as águas estão agitadas e fervilhantes. Se os problemas das profundezas vão transbordar muito em breve em uma crise franca ou vão continuar se deteriorando por mais algum tempo, é difícil prever. Mas a economia mundial está em apuros.
Em meio a uma recuperação fraca da economia global, muitos riscos graves permanecem, escreveu Martin Wolf, comentarista-chefe de economia do Financial Times, em 5 de julho. "Possivelmente o maior risco é o colapso da cooperação global, talvez até mesmo o surgimento de um conflito", disse ele.
"Isso destruiria a estabilidade da economia mundial, da qual todos dependem... Nós, nos países de alta renda, permitimos que o sistema financeiro desestabilizasse nossas economias. Depois, nos recusamos a usar o estímulo fiscal e monetário forte o suficiente para emergir rapidamente do mal-estar econômico pós-crise”.
"Não conseguimos responder às divergências nas fortunas econômicas dos mais bem-sucedidos e dos menos bem-sucedidos. Foram erros enormes. Agora, enquanto as economias se recuperam, enfrentamos novos desafios: evitar a explosão da economia mundial e, ao mesmo tempo, assegurar crescimento sustentável e amplamente partilhado. Infelizmente, é possível que falhemos nestes desafios."
Uma análise profunda e abrangente da situação econômica global e de sua influência sobre os países em desenvolvimento foi publicada em um trabalho recente do economista-chefe do South Centre, Yılmaz Akyüz, com colaboração de Vicente Yu.
Os EUA e a Europa erraram ao administrar as consequências da crise de 2008 por meio de políticas que terão efeitos muito adversos na maioria dos países em desenvolvimento, de acordo com o artigo “A crise financeira e o Sul global: Impactos e Perspectivas.”
Os países em desenvolvimento passaram pela crise de 2008 sem grandes danos, devido a certas condições que já não existem mais.
Entretanto, esses países têm acumulado novas e perigosas vulnerabilidades, que vai expô-los a sérios danos quando a próxima crise os atingir. Portanto, é mandatório que os países em desenvolvimento revejam sua situação precária e ajam para proteger suas economias na medida do possível, para reduzir os efeitos da nova turbulência.
Segundo Yılmaz Akyüz, o período após a crise de 2008 moveu-se numa terceira onda para várias economias emergentes após sua saída dos EUA para a Europa. Um motivo crucial é as políticas erradas de resposta à crise dos EUA e da Europa.
"Há dois grandes problemas: a relutância em eliminar a dívida pública através da reestruturação ordenada e ortodoxia fiscal", acrescenta. "Esses problemas resultaram na dependência excessiva da política monetária, com bancos centrais em territórios desconhecidos, como taxas de juros zero e negativas e rápida expansão da liquidez por meio da aquisição de grandes obrigações.”
"Essas políticas não apenas não conseguiram garantir uma recuperação rápida, mas também agravaram a lacuna de demanda global, aumentando a desigualdade e a fragilidade financeira global, produzindo um enorme acúmulo de dívidas e bolhas especulativas. Também geraram fortes repercussões deflacionárias e transbordamentos desestabilizadores para as economias em desenvolvimento."
Quando houver uma nova crise, os países em desenvolvimento serão mais atingidos do que em 2008. Sua resistência aos choques externos está fraca, devido a três fatores.
Primeiro, muitas economias em desenvolvimento aprofundaram sua integração no sistema financeiro internacional, resultando em novas vulnerabilidades e alta exposição a choques externos. Suas empresas acumularam enormes dívidas desde a crise, atingindo US$ 25 trilhões (95% de seu PIB); e títulos de dívida denominados em dólar emitidos por economias emergentes saltaram de US$ 500 bilhões em 2008 para US$ 1,25 trilhões em 2016, acompanhando taxa de juros e riscos monetários. Além disso, a presença estrangeira nos mercados financeiros locais atingiu níveis sem precedentes, aumentando sua susceptibilidade aos ciclos financeiros globais de ascensão e queda.
Em segundo lugar, a balança corrente e as posições de investimento estrangeiro líquido de muitos países em desenvolvimento pioraram significativamente depois da crise. Na maioria dos países, as reservas estrangeiras recentemente constituídas vieram de fluxos de capital, e não de excedentes comerciais e são insuficientes para atender a grandes e constantes saídas de capital.
Em terceiro lugar, os países passaram a ter opções de política econômica limitadas para responder a adversidades do exterior. Seu "espaço fiscal" para uma resposta política contra-cíclica aos choques deflacionários é muito mais limitado do que em 2009; perderam autonomia de política monetária de forma significativa e perderam o controle sobre as taxas de juros devido à maior integração financeira global; e regimes de taxa de câmbio flexíveis não são nenhuma panaceia frente aos choques financeiros.
"A maioria das economias em desenvolvimento está numa posição tênue, semelhante à das décadas de 70 e 80, quando o crescimento acelerado em fluxos de capital e os preços de commodities acabaram com uma crise de dívidas, devido a uma reviravolta drástica na política monetária dos Estados Unidos, o que lhes custou uma década em desenvolvimento", adverte Akyüz. Seria difícil para alguns desses países evitar a liquidez internacional ou até mesmo as crises de dívidas e a perda de crescimento em caso de graves choques financeiros e comerciais.
Infelizmente, o South Centre não conseguiu refletir sobre estes problemas nem tomar ações coletivas. São necessárias reformas globais para evitar que os principais países transmitam os efeitos das suas políticas erradas aos países em desenvolvimento, e são necessários mecanismos globais para prevenir e gerir crises financeiras.
Muitas propostas de reforma surgiram no passado, mas quase nenhuma ação de oposição por parte dos países desenvolvidos. "Agora os riscos estão muito altos para os países em desenvolvimento deixarem a organização da economia global para uma ou duas grandes potências econômicas e as instituições multilaterais que elas controlam", conclui.
Se sua abrangente análise estiver correta, o que estamos vivenciando no final de 2017 é "a calmaria antes da tempestade". A crise financeira que começou em 2008 nunca terminou, apenas passou por mudanças e reviravoltas. Acabará entrando num território mais perigoso devido a novos factores que estão colocando lenha na fogueira.
As causas subjacentes são conhecidas, mas o que ainda não se sabe é especificamente qual vai ser a primeira faísca que vai provocar uma nova fase da crise e quando.
Quando a nova crise acontecer, os países em desenvolvimento estarão numa posição menos privilegiada para atravessá-la em comparação a 2008, para que haja ainda menos motivos para complacência.
Cada país deve analisar seus próprios pontos fortes e pontos fracos, suas vulnerabilidades aos choques externos e preparar ações para atenuar a crise já, em vez de deixar acontecer e sobrecarregar a sua economia.
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Sul deve se preparar para a próxima crise financeira - Instituto Humanitas Unisinos - IHU