09 Outubro 2017
Os futuros historiadores da Igreja e do papado, mas talvez também os da sociedade, não poderão ignorar as datas de 27 a 29 de outubro de 2014, de 7 a 9 de julho de 2015 e 2 a 5 novembro de 2016, quando, convocados pelo Papa Francisco, foram realizados três Encontros mundiais dos movimentos populares - EMMP.
O comentário é de Luca Kocci, publicado por il Manifesto, 05-10-2017. A tradução é de Luisa Rabolini.
Representantes de centenas de organizações, sindicatos e movimentos de base em todo o mundo, a maioria dos quais de setores da esquerda – dos Sem Terra do Brasil aos trabalhadores das "fábricas recuperadas", da Via Campesina aos metalúrgicos do United Steelworkers, até o Centro social Leoncavallo – atravessaram os muros leoninos e se reuniram no Vaticano (primeira e terceira reunião) e em Santa Cruz de la Sierra (durante a viagem do papa à Bolívia, em julho de 2015) para debater, discutir e elaborar linhas comuns de ação a partir das três palavras-chave lançadas e declinadas por Francisco - 3T de Tierra, Techo, Trabajo (terra, teto, trabalho).
"Folclore", eventos subversivos promovidos pelo "papa comunista", esses foram os comentários da imprensa de direita. Silêncio geral por parte das mídias pró-franciscanas, atentas para não ultrapassar o limiar da ordem social constituída. A verdade está no meio: os encontros foram capítulos importantes do pontificado de Bergoglio que através deles - e com a exortação apostólica "programática" Evangelii Gaudium e a encíclica sócio-ambiental Laudato si’ - atualizou a Doutrina social da Igreja, valorizando o protagonismo dos movimentos populares; mas não nasceu uma espécie de "internacional vaticano-socialista", como os detratores, da direita, gostariam de afirmar, também porque o papa continua a ser o pontífice romano, não um "bolchevique em batina branca" e nem um teólogo da libertação, teoria que, aliás, contribuiu efetivamente para trazer de volta ao redil da mais tranquilizadora e interclassista da Teologia do povo; nem podem ser sumariamente reduzidos a "folclore". Precisam ser analisados, inclusive para compreender em que direção está indo a Igreja Católica.
É, portanto, de grande valor o fascículo, "assinado" pelo Papa Francisco, Terra, Casa, Lavoro. Discorsi ai movimenti popolari (prefácio de Gianni La Bella, com curadoria de Alessandro Santagata, colaborador do nosso jornal), publicado pela Ponte alle Grazie (p. 176, € 12), a partir desta data, e durante duas semanas, como suplemento de Il manifesto (10 € + o preço do jornal).
O livro traz os três discursos do Papa Francisco aos movimentos (contextualizados por um extenso prefácio de Santagata) que seguem o fio condutor das 3T: o primeiro sobre a desigualdade e a exclusão social, a paz e as mudanças climáticas; o segundo, a soberania alimentar, a democratização da terra, o trabalho e a moradia como direitos fundamentais e o terceiro, os muros, as migrações e a política, com um forte apelo para fazer política "sem deixar-se enrolar" e "sem deixar-se corromper".
Foi possível "trazer ao coração do Vaticano, como protagonistas, as organizações dos pobres que não se resignam à vida miserável que lhes é imposta por este sistema", explica em uma entrevista inédita presente no livro Juan Grabois, membro da direção nacional da argentina Confederación de trabajadores de la economía popular e um dos diretores do EMMP, junto com João Pedro Stédile, líder do Movimento Sem Terra no Brasil, e, pelo lado do Vaticano, o cardeal Peter Turkson, presidente do Conselho Pontifício Justiça e Paz, que tornou-se o Dicastério para o desenvolvimento humano integral.
"O objetivo do EMMP - continua Grabois – foi oferecer um espaço de fraternidade para as organizações de base dos cinco continentes, um lugar onde os movimentos poderiam construir uma plataforma para garantir que os excluídos fossem os protagonistas dos processos de mudança" e em seguida, nos encontros posteriores, "promover a organização comunitária dos excluídos para construir de baixo para cima a alternativa humana a uma globalização marginalizadora que agride até mesmo o direito inviolável à terra, à moradia e ao trabalho."
Depois de três encontros, o que fazer? A pergunta fica em aberto. O risco, inevitável, é que o próprio EMMP, caso continuar (em março, está planejando um novo encontro, em Caracas, sem o papa) possa se transformar em uma espécie de "liturgia" repetitiva, genérica e estéril. Por parte de Francisco fica a tentativa, ressalta Santagata, de "deslocar o centro da missão evangelizadora sobre a questão social" e "envolver a maior e mais estruturada organização religiosa do mundo em um projeto político que se propõe a incidir em algumas disputas específicas" tais como a água pública, a renda, o direito à moradia. Resta ver se a Igreja Católica se encaminhará por este caminho.
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Terra, casa, trabalho. Um projeto político que tem como centro os excluídos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU