08 Outubro 2017
Com 516 anos de exploração por parte das civilizações que ocuparam o Brasil há mais de cinco séculos, o rio São Francisco está passando pela mais severa crise hídrica contemporânea. Hoje, o Velho Chico chegou aos menores níveis de reserva, o que afeta diretamente milhões de pessoas que dependem das suas águas.
A reportagem é de Miriam Hermes, publicada por A Tarde, 04-10-2017.
No dia do santo padroeiro do rio, celebrado hoje, a situação é crítica para as pessoas que dependem das suas águas para viver. Este é o caso do técnico em agropecuária José Cerqueira. Morador da margem de Sobradinho em Sento Sé, ele vê com tristeza a situação do rio, que já foi o grande provedor de uma imensa região. “Não conseguimos mais produzir nosso alimento e muitas famílias passam fome”, disse, acrescentando que já chorou vá- rias vezes, vendo a água diminuir a cada dia.
A escassez hídrica do rio será tema do IV Encontro dos Comitês Afluentes do Velho Chico, no Hotel Catussaba, em Salvador, amanhã e sexta-feira.
Contudo, para o presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco (CBHSF), Anivaldo Miranda, ainda existe salvação, “desde que o programa de revitalização seja efetivamente tirado do papel e que todos, incluindo os órgãos públicos, os empreendedores da iniciativa privada e os usuários, se empenhem em cumprir o Plano de Recursos Hídricos da Bacia”.
Capitaneado pelo CBHSF, esse plano foi concluído em 2016 e prevê ações até o ano de 2015, com valores estimados em R$ 35 bilhões. “A maior parte deste total é de recursos orçamentários, já previstos pela União e os estados”, afirmou, destacando que, para evitar o colapso, devem ser canalizados para a bacia do São Francisco.
Outro ponto importante é a necessidade de aprovação da emenda constitucional classificando o cerrado e a caatinga' como patrimônio nacional, como foi feito com a mata atlântica e a Amazônia. O fortalecimento dos comitês das bacias estaduais, a criação de sistemas de outorga confiáveis, a classificação dos rios e o estabelecimento da cobrança pelo uso das águas superficiais e as subterrâneas são, segundo ele, fundamentais. Com recursos obtidos a partir da cobrança pelo uso da água na calha principal do rio, o CBHSF implementa projetos hidroambientais, sendo que 43 já foram concluídos e 14 estão em andamento. “Devemos estar preparados para extremos climáticos”, concluiu.
A festa que a diocese e a paróquia de Barra, a 673 km de Salvador, realizam hoje para comemorar o dia do padroeiro São Francisco não terá a tradicional procissão fluvial por causa da estiagem, que rebaixou o nível das águas, comprometendo a navegação em toda a extensão do Velho Chico.
Ao invés da procissão pelas águas, pela manhã o andor com São Francisco será levado pelos devotos até o cais da cidade, onde fica a foz do rio Grande, para iniciar a programação. No retorno para a catedral, acontece a primeira missa do dia.
Às 16h, tem início a segunda procissão, desta vez pelas ruas centenárias, com encerramento na catedral, seguida da missa campal, presidida pelo bispo dom Luiz Flávio Cappio, que hoje comemora também seu aniversário.
Dom Luiz é um dos principais defensores do rio São Francisco e seus afluentes. Ele ficou mundialmente conhecido quando realizou dois grandes jejuns, em 2005 e 2007, chamando a atenção dos brasileiros sobre a necessidade de aumentar as ações de preservação e recuperação da bacia hidrográfica, para manter a vida dos rios e da população que deles depende para viver.
Este ano a paróquia de São Francisco das Chagas comemora 310 anos de implantação em Barra. Os festejos tiveram início com quermesse no final de agosto e início de setembro. Um show com a banda Anjos de Resgate, em novembro, encerra a festa paroquial. Para marcar a data, a previsão é que pelo menos 50 andores acompanhem a procissão hoje pelas ruas da cidade, com participação das imagens dos padroeiros de todas as paróquias da diocese de Barra.
Como reflexo da estiagem que se agrava desde 2012 na Bahia e em diversos outros estados da região Nordeste, a vazão defluente da barragem de Sobradinho vem sendo reduzida nos últimos anos aos níveis mais críticos da sua história. A crise hídrica deixou o lago de Sobradinho com 4,87% das águas do volume útil nos primeiros dias de outubro. Em 29 de setembro esse número era de 5,23%, com redução registrada dia a dia. Desde a semana passada, a sua vazão defluente passou para 580 m³/s, enquanto que a vazão de entrada no reservatório era de 290 m³/s. A redução da vazão para 550 m³/s estava autorizada pela Agência Nacional de Águas (ANA) desde o mês de julho. O Ibama, por sua vez, tinha consentido este patamar desde o mês de agosto. Essa é a menor vazão defluente desde a construção do reservatório de Sobradinho na década de 1970, planejado para gerar energia e regular a vazão das águas. Nesse período, a Chesf fez testes de adaptação ao longo dos trechos abaixo das barragens, reduzindo a vazão de forma gradativa para que os locais de captação fossem se adequando a menor volume de água no leito do rio. A meta desejada com a redução da vazão defluente é preservar a pouca reserva existente, de modo que até a chegada das chuvas na região as barragens tenham água suficiente para abastecer a população ribeirinha e das cidades que dependem do Velho Chico.
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Crise hídrica: Rio São Francisco está passando pela mais severa crise hídrica contemporânea da história - Instituto Humanitas Unisinos - IHU