29 Setembro 2017
O jesuíta alemão Pe. Hans Zollner, que lidera um centro de proteção infantil em uma universidade romana e atua em uma comissão papal que aconselha Francisco sobre reformas, afirma que o Vaticano deveria ter sido mais transparente em relação a relatórios recentes de que um enviado da embaixada papal em Washington, D.C., é parte de uma investigação sobre seu possível envolvimento com pornografia infantil, considerando-o parte de uma luta para ir adiante.
A entrevista é de John Allen e Claire Giangravé, publicada por Crux, 28-09-2017. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
Possivelmente, o principal especialista da Igreja Católica na luta contra o abuso sexual infantil acredita que o Vaticano falhou no caso recente de um diplomata da embaixada papal em Washington, D.C. que foi denunciado como possível suspeito em uma investigação sobre pornografia infantil: "Deveria ter sido tratado de maneira diferente."
"Realmente não entendo esse tipo de reação [do Vaticano] e tenho certeza de que os bispos estadunidenses estavam bastante chateados com o tratamento dado", disse o jesuíta alemão Pe. Hans Zollner.
Hans Zollner lidera o Centro para a Proteção de Menores na Universidade Gregoriana de Roma e é membro da Pontifícia Comissão para a Tutela dos Menores, um órgão criado pelo Papa Francisco para aconselhá-lo acerca da tentativa de reforma, liderado pelo Cardeal Sean O’Malley, de Boston.
Ele considerou o tratamento dado ao caso "trágico" e "não profissional".
"O problema não é que o diplomata tenha sido reintegrado, porque todos os governos fazem isso, mas deveríamos ter explicado de maneira diferente", disse. "Deveríamos ter pelo menos esclarecido o básico, e isso não parece ter acontecido."
"Penso que, em primeiro lugar, a Igreja local deveria ter se envolvido. Não parece ter sido o caso.", disse Zollner.
"Criou-se uma situação que é ruim para todo mundo", disse ele. "Agora há um possível suspeito, e algumas pessoas acreditam que a liderança da Igreja, ou seja, neste caso a Santa Sé, ou seções da Secretaria de Estado, agiu na defensiva e de acordo com o antigo modelo de ocultação dos fatos."
"Nesta era de redes sociais e transparência, é preciso estar à frente", declarou. "Esta ainda não é a cultura em vários locais da Igreja, não apenas no Vaticano, mas em muitos países onde não se apresentam situações difíceis e desconfortáveis dessa maneira."
Zollner comentou, em uma entrevista ao "The Crux of the Matter", o programa de rádio semanal da Crux no The Catholic Channel, Sirius XM 129, no dia 25 de outubro.
Zollner também falou sobre um encontro recente entre o Papa Francisco e os membros da comissão, no qual o pontífice reiterou seu compromisso com uma postura de "tolerância zero" ao abuso e prometeu que nunca mais perdoaria um abusador, reintegrando-o ao ministério.
Segundo Zollner, algo específico dessa reunião o impressionou.
"Ele disse: 'Aprendi muito ouvindo as vítimas'", contou o padre.
"Mais especificamente, estava se referindo ao dia em que encontrou duas vítimas inglesas, duas irlandeses e duas alemãs por cerca de 45 minutos, cada, em julho de 2014. Eram pessoas muito diferentes, histórias muito diferentes e formas muito diferentes de lidar com o abuso cometido pelo clero... Implicitamente, disse que essas reuniões mudaram sua forma de pensar. Disse que tem muita clareza sobre o que precisamos fazer", afirmou Zollner.
Em termos de luta pela reforma, ele disse, o problema não é mais a "resistência ativa", mas a simples lentidão em mudar.
"Até perceber que é uma dúvida nossa a todas as pessoas que foram terrivelmente prejudicadas pelo clero, realmente não se sente a necessidade de compremeter-se continuamente com a perseverança", disse ele.
Em breve, Hans Zollner liderará uma importante conferência da Universidade Gregoriana, intitulada "Dignidade infantil no mundo digital" (Child Dignity in the Digital World ), de 3 a 6 de outubro, reunindo políticos, empreendedores digitais, policiais e ONGs para discutir a segurança infantil on-line.
O senhor acabou de terminar a última reunião plenária da Pontifícia Comissão para a Tutela dos Menores. Pode nos contar alguma coisa sobre como foi?
Terminamos a sessão plenária ontem [domingo, 24 de outubro]. Ao longo de toda a semana passada, tivemos reuniões dos vários grupos de trabalho. Concluímos o trabalho, porque o primeiro mandato [de cinco anos] do grupo chegará ao fim, e foi a nossa última sessão plenária.
Elaboramos um relatório do Santo Padre e fomos recebidos em uma audiência papal na quinta-feira passada. Apresentamos ao Papa Francisco todo o nosso trabalho, nossas realizações, nos últimos anos, e discutimos a estrutura futura. Enviaremos nomes, propostas, para a adesão futura, muito em breve. É onde estamos no momento.
Durante a reunião, o papa falou de modo bastante forte com a comissão sobre a política de "tolerância zero" ao abuso sexual infantil. O senhor acha que foi eficaz? O discurso corresponde à realidade?
Acho que o Papa Bento XVI e o Papa Francisco destacaram muito a tolerância zero ao abuso na Igreja. Além disso, todas as normas legais e canônicas que foram implementadas desde 2002 e revisadas em 2010, mais os recentes desenvolvimentos durante o papado de Francisco, mostram que este papa, assim como o anterior, está realmente determinado a lutar contra o abuso.
Mas também devemos perceber que a Igreja Católica não é uma corporação multinacional em que a um clique do CEO todos se alinham. Como viu e como já ouviu nas últimas notícias, há pessoas em franca oposição ao papa [em muitas coisas].
Quanto à luta contra o abuso sexual, se acontecesse [abuso] agora, acho que a resposta seria muito forte. Temos um compromisso muito bom em muitas frentes, embora não da mesma forma no mundo todo. Mas o papa, os líderes dos dicastérios, os escritórios do Vaticano e muitas conferências dos bispos fizeram seu dever de casa. Enviaram suas diretrizes [antiabuso].
Explicaram como lidar com os abusadores, como ouvir as vítimas. Mas estamos falando sobre uma tarefa geracional de mudança de uma cultura que costumava ser de negligência e acobertamento, então não se modifica isso em uma semana, um mês, um ano. Progredimos, mas acho que há muito a fazer.
Em breve, haverá uma grande conferência no Centro para a Proteção de Menores da Universidade Gregoriana. Sobre o que será e quais são os resultados esperados?
Começamos no dia 3 de outubro à noite, e o título é "Dignidade infantil no mundo digital" (Child Dignity in the Digital World). Teremos dois dias completos de conferências e oficinas e depois, no último dia, 6 de outubro, seremos recebidos pelo Papa Francisco e entregaremos a ele uma declaração.
Muito se tem discutido sobre o uso e abuso na internet, dentro da internet. O nosso interesse em criar este congresso é tentarmos reunir os principais cientistas, líderes de empresas digitais, autoridades e funcionários do governos e de ONGs, da UNICEF e da Interpol, as autoridades policiais, bem como as religiões, para discutir o que podemos fazer para garantir que os jovens estejam melhor protegidos na rede.
A característica única é que, além de ouvirmos as pessoas mais bem informadas em todo o mundo, também queremos que essas pessoas possam conversar entre si e criar algo - não apenas uma declaração de intenção de fazer algo melhor, mas algumas etapas concretas e propostas para governos, empresas digitais, todos que são responsáveis por aquilo que está on-line e pelo que pode acontecer aos jovens e aos adultos vulneráveis.
Falando de internet, uma história recente que levantou questões sobre a proteção da Igreja e da criança envolve uma situação na embaixada papal em Washington, D.C., em que um diplomata do Vaticano foi transferido para Roma depois que as autoridades estadunidenses o identificaram como parte de uma investigação sobre possível posse de pornografia infantil. Foi fácil para algumas pessoas considerarem essa situação como uma tentativa de encobrimento. O que você diria às pessoas que têm esse olhar?
Entendo completamente o que essas pessoas pensam, com base no que foi escrito. Realmente não entendo esse tipo de reação [do Vaticano] e tenho certeza de que os bispos estadunidenses estavam bastante chateados com o tratamento dado. O problema não é que o diplomata tenha sido reintegrado, porque todos os governos fazem isso, mas deveríamos ter explicado de maneira diferente. Deveríamos ter pelo menos esclarecido o básico, e isso não parece ter acontecido. Acredito que deveria ter sido tratado de forma diferente.
Todos esses eventos, tratados de forma tão trágica e sem profissionalismo, mostram uma oportunidade de melhorar as coisas. Tenho certeza de que este caso específico, que vem apenas alguns dias antes da nossa conferência, traz a oportunidade de repensar questões fundamentais: como lidamos com isso? Como lidamos com isso publicamente e como cooperamos de forma mais direta com a aplicação da lei em um país?
O senhor disse que deveria ter sido tratado de forma diferente. Como? O que deveria ter sido dito às pessoas quando surgiu pela primeira vez?
Não sei os detalhes, mas tenho certeza de que, em primeiro lugar, a Igreja local deveria ter se envolvido. Não parece ter sido o caso, e acredito que o Cardeal [Daniel] DiNardo [Presidente da Conferência Episcopal dos Estados Unidos] disse mais ou menos isso. Então, deveriam ter pedido a evidência que fez que essa pessoa fosse definida como um possível suspeito. Como não sabemos, criou-se uma situação que é ruim para todo mundo. Agora há um possível suspeito, e algumas pessoas acreditam que a liderança da Igreja, ou seja, neste caso a Santa Sé, ou seções da Secretaria de Estado, agiu na defensiva e de acordo com o antigo modelo de ocultação dos fatos. Os bispos nos EUA estão praticamente, acredito, esperando uma resposta sobre como poderia ter acontecido.
Penso que deveria ter sido emitida uma declaração, e o nome da pessoa deveria ter sido revelado, porque agora temos a situação de que o nome foi publicado no New York Times e em outros lugares, mas não reconhecido pela Igreja. Nesta era de redes sociais e transparência, é preciso estar à frente. Esta ainda não é a cultura em vários locais da Igreja, não apenas no Vaticano, mas em muitos países onde não se apresentam situações difíceis e desconfortáveis dessa maneira.
Honestamente, isso não tem que ver especificamente com a Igreja. Acabei de voltar de Fiji, por exemplo, onde o estupro é o crime mais comum, mas ninguém fala sobre isso porque é muito vergonhoso. Nossa cultura, dos Estados Unidos e da Europa Central, certamente optaria por uma postura e procedimentos bastante diferentes, e é por isso que precisamos treinar as pessoas.
De onde o senhor acha que vem o compromisso do Papa Francisco com essa questão?
Encontramos o papa, na qualidade de comissão pontifícia, por cerca de uma hora na quinta-feira, quando pudemos apresentar nossas próprias propostas e relatório, e ele depois falou de improviso. Uma frase realmente me impressionou. Ele disse: 'Aprendi muito ouvindo as vítimas'. Mais especificamente, estava se referindo ao dia em que encontrou duas vítimas inglesas, duas irlandeses e duas alemãs por cerca de 45 minutos, cada. Eram pessoas muito diferentes, histórias muito diferentes e formas muito diferentes de lidar com o abuso cometido pelo clero.
Implicitamente, ele nos disse que essas reuniões mudaram seu pensamento. Disse que tem muita clareza sobre o que precisamos fazer. Disse que eu aprendi como devemos lidar com isso. É um exemplo para toda a equipe da Igreja, todos os líderes, e também todos os fiéis. De minha parte, me motiva a continuar este trabalho apesar de toda a negligência e resistência passiva que às vezes encontro. Quero dizer, não encontro nenhuma resistência ativa real, é mais apenas a maneira antiga de fazer as coisas e uma certa reação de defesa imediata e rotineira.
Até perceber que é uma dúvida nossa a todas as pessoas que foram terrivelmente prejudicadas pelo clero, realmente não se sente a necessidade de se comprometer continuamente com a perseverança. Essa é a motivação que procuramos, e vejo isso acontecer. Viajei para 50 países em seis continentes e vejo que isso está crescendo. Mas não vai mudar as coisas como passe de mágica.
O papa também disse que aprendeu algo, que perdoar os culpados de abuso sexual não funciona e prometeu não fazê-lo novamente. Isso também é um impulso na direção certa?
Isso nos incentivou, como comissão, nos encoraja aqui no Centro para a Proteção de Menores na Universidade Gregoriana e incentiva todos os que trabalham nessa área na Igreja.
Estive na Austrália há quatro semanas e a Igreja está realmente sofrendo muita pressão por causa da Comissão Real sobre Abuso Sexual Institucional e do caso contra o Cardeal [George] Pell que está pendente. O Santo Padre, desde a criação da Centro para a Proteção de Menores, realmente nos ajudou, porque é dada visibilidade a essa questão. O papa fala sobre isso várias vezes... Não sei de quantos outros temas falou de forma proeminente e clara.
Tenho certeza de que [a liderança do papa] não penetra imediatamente em uma cultura clerical de longa data, cuidando primeiro e acima de tudo do próximo, o que significa sentir que os padres precisam ser defendidos e assim por diante. Uma coisa não quer dizer a outra de forma imediata. Mas mais e mais bispos, mais e mais provinciais e mais e mais partidos responsáveis na Igreja entendem que os primeiros que devem ser ouvidos são as vítimas. Todos os que prejudicaram os jovens de forma tão horrível precisam ser punidos e precisamos continuar nessa linha.
Em relação à parte legal, o lado canônico, tudo isso é muito claro. Os procedimentos da Igreja agora são definidos, não há nada a explicar. Qualquer tipo de movimento em torno das pessoas agora é punível, uma vez que o papa, pouco mais de um ano atrás, emitiu um documento chamado "Like a Loving Mother", no qual as diretrizes para a responsabilidade dos bispos são apresentadas.
O que está faltando é a implementação concreta, e discutimos isso na reunião da comissão. O Cardeal [Sean] O'Malley, o presidente da nossa comissão, certamente defende o avanço no caminho de definir, esclarecer e também implementar o significado da responsabilidade dos bispos.
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Especialista diz que o Vaticano falhou na resposta a suspeitas de posse de pornografia infantil de enviado - Instituto Humanitas Unisinos - IHU