06 Setembro 2017
"Quanto mais reconhecida for uma marca, maior será o impacto negativo que um boicote causará à sua reputação" escreve Roberto Naime, doutor em Geologia Ambiental e integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale, em artigo publicado por EcoDebate, 05-09-2017.
Esta é a primeira parte de um artigo em quatro.
CRUZ (2013) faz reflexões sobre a Responsabilidade Social Corporativa (RSC), que tem permeado o cotidiano empresarial nos últimos anos e as orientações teóricas sobre esse conceito divergem de acordo com a área de conhecimento e o interesse do autor.
A teoria mais conhecida é a dos “stakeholders” ou “partes interessadas”, que propõe a gestão dos interesses de todos os atores ligados, direta ou indiretamente, a uma empresa. O consumidor é um destes “stakeholders” e também pode ter seus interesses satisfeitos ou não.
O boicote é um comportamento de repúdio que se caracteriza pela decisão do consumidor em deixar de comprar um produto, serviço ou uma marca (MATTILA et al 2010), o que pode gerar perdas tangíveis de ordem econômica.
Temas como Responsabilidade Social Corporativa (RSC) e sustentabilidade têm recebido grande destaque na agenda de grandes, pequenas e médias empresas.
Seja numa perspectiva pragmática ou numa perspectiva crítica, esta problemática tem perpassado o cotidiano de empresas que buscam uma melhor posição no mercado ou uma reconstrução de uma cultura organizacional que priorize valores, tais como respeito e atendimento aos interesses dos “stakeholders”, respeito ao meio ambiente e à sociedade, e a geração de valor ao acionista.
CRUZ (2013) nesta lógica sistêmica e que analisa não somente os interesses econômicos da empresa, do que é que o conceito de Responsabilidade Social Corporativa (RSC), não tem a preocupação de abordar o tema somente na lógica do retorno financeiro para os acionistas.
Uma empresa socialmente responsável atende aos interesses dos atores envolvidos direta ou indiretamente em seus processos – e um desses atores é o consumidor. De acordo com a “Teoria dos Stakeholders”, o sucesso de uma empresa dependerá de como ela gerencia os interesses dos diversos atores (DONALDSON e PRESTON, 1995).
Considerando que o consumidor é um destes “stakeholders” é normal que seus interesses sejam atendidos por uma empresa. Pode ser racional pensar que o não atendimento destes interesses pode gerar prejuízos financeiros para as empresas.
Quando um valor ou um conjunto de valores de um grupo de consumidores não estão congruentes ou distantes dos valores organizacionais ou mercantilistas de uma empresa, seus produtos ou serviços podem não ser comprados por este grupo. Numa ação ativista, este grupo de consumidores pode deixar de comprar um produto, um serviço ou uma marca de uma empresa.
A situação em que os valores pessoais do consumidor não correspondem aos valores organizacionais de uma empresa e que gera um comportamento de repúdio deste com relação a práticas de responsabilidade social, resultando em possíveis prejuízos tangíveis e intangíveis a uma marca, é chamada de “Backlash” (SMITH et al, 2010, p. 622).
Já o boicote é uma forma de “backlash”, sendo mais específico, uma vez que o comportamento de repúdio se caracteriza com a decisão do consumidor em deixar de comprar um produto, serviço ou uma marca (GARDBERG et al, 2006), podendo gerar perdas tangíveis de ordem econômica.
Os valores sociais e mercantilistas da atual sociedade têm mudado ao longo das últimas décadas. Seja pelo incremento educacional, ou melhoria das comunicações. O fato é que o cidadão hoje tem uma melhor percepção de danos que uma empresa pode causar à sociedade, ao meio ambiente, aos seus funcionários e a outros possíveis atores.
O que se percebe é que as empresas, cada vez mais, se preocupam com sua imagem e sua reputação organizacional, como evidencia AAKER (2004) ao apresentar resultados de perdas financeiras de empresas que tiveram suas reputações ou imagens negativadas em razão de acidentes ambientais ou posturas ideológicas da empresa.
A imagem está relacionada à percepção de um grupo de pessoas (físicas ou jurídicas, com valores semelhantes) sobre uma organização. Já a reputação é conceituada como o conjunto das imagens de uma empresa (ARGENTI, 2005), ou seja as percepções dos grupos com relação a uma determinada empresa. Tanto uma quanto a outra se torna um ativo intangível na lógica competitiva em vigor.
O boicote de um consumidor a uma empresa, produto ou serviço, além de gerar o prejuízo financeiro tangível, que reflete no resultado contábil da companhia em um determinado período, gera também o prejuízo financeiro intangível. Assim como no prejuízo financeiro tangível, o prejuízo financeiro intangível ocorre por meio da negativação da imagem ou reputação da empresa com relação à sua atuação diante de seus “stakeholders”.
No Brasil, a empresa calçadista Arezzo teve que retirar a coleção ‘Pele Mania’ de todas as lojas no país após manifestações de consumidores e ativistas na rede social virtual facebook (CRUZ, 2013).
É perceptível que “marcas que efetivamente transportam um significado e valores estão mais vulneráveis ao ativismo de mercado” (SMITH et al, 2010, p. 626), como foi o caso da empresa de material e acessórios esportivos Nike ao negligenciar em sua cadeia de suprimentos empresas terceirizadas na China que se utilizavam de mão de obra semi-escrava.
Quanto mais reconhecida for uma marca, maior será o impacto negativo que um boicote causará à sua reputação. Foi problematizado o tema boicote e sua relação com a Responsabilidade Social Corporativa.
A autopoiese sistêmica dominante necessita ser alterada. Pois hoje só o consumismo garante a manutenção dos círculos virtuosos da sociedade. Aumento de consumo gera maiores tributos, maior capacidade de intervenção estatal, maior lucratividade organizacional e manutenção das taxas de geração de ocupação e renda. O consumismo precisa ser substituído pela ideia de satisfazer as necessidades dentro de ciclos.
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