04 Setembro 2017
Classificadas pelo Fisco como 'perda de arrecadação', renúncias tributárias foram concedidas pelos governos nas últimas décadas a fim de estimular setores da economia ou regiões.
Ao mesmo tempo em que luta para tentar reequilibrar as contas públicas, que vêm registrando nos últimos anos rombos bilionários sucessivos em um cenário de baixo nível de atividade e dificuldade para cortar despesas obrigatórias, o governo também concede benefícios gigantescos para setores da economia, regiões do país e até mesmo para as pessoas físicas.
A reportagem é de Alexandro Martello, publicada por G1, 03-09-2017.
As chamadas renúncias tributárias, ou seja, a perda de arrecadação que o governo registra ao reduzir tributos com caráter "compensatório" ou "incentivador" para setores da economia e regiões do país, estão estimadas em R$ 284 bilhões neste ano.
Juntamente com os benefícios financeiros e creditícios (R$ 121,13 bilhões), os valores totais estão projetados em R$ 406 bilhões para este ano, com alta de 7,4% frente ao ano de 2016 (R$ 378 bilhões). Os números são da Receita Federal e do Tribunal de Contas da União (TCU).
Nas renúncias, há uma miríade de benefícios. Entre eles: Zona Franca de Manaus, para empresas do Simples, pessoas físicas (deduções do IR de saúde e educação), cesta básica, exportações, energia, empregados domésticos, donas de casas, indústria automobilística, pessoas com deficiências, entidades sem fins lucrativos, filantrópicas, subsídios do BNDES, informática, desporto e crianças e adolescentes (veja a lista no fim desta reportagem).
As renúncias são resultado de medidas adotadas principalmente no passado, por outros governos, mas algumas, como o novo Refis, programa de parcelamento, foram adotadas pelo governo Temer, ou mantidas, como a do Repetro (para a indústria petroleira).
Mas outras foram encerradas, como a concessão de benefícios para o audiovisual. O governo Temer também quer reonerar a folha de pagamentos, mas ainda precisa passar a medida pelo Congresso Nacional. Alguns benefícios concedidos por governos anteriores estão sendo questionados pela Organização Mundial de Comércio (OMC).
O valor concedido em benefícios tributários e financeiros neste ano supera todas as despesas com saúde e educação (sem contar pessoal), Bolsa Família, benefícios de prestação continuada (BPC), seguro-desemprego, abono salarial, Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), Fundeb e Fies, que, juntos, estão estimados em R$ 317,44 bilhões para todo ano de 2017.
Segundo os números do Ministério do Planejamento, as renúncias de arrecadação previstas para este ano, com estes benefícios tributários e financeiros, também equivalem cerca de 32% das receitas totais do governo (última estimativa do governo, feita em agosto, de R$ 1,28 trilhão).
Segundo o pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre-FGV) e professor do Instituto de Direito Público, José Roberto Afonso, toda renúncia deveria ser concedida prevendo custos e benefícios, e posteriormente avaliações, regulares, se possível independentes para checar se estão sendo atendidos os seus objetivos, o que não acontece.
"Os casos de frustrações seriam os primeiros candidatos a revisão", afirmou.
Para Afonso, o mesmo ato que concedeu o benefício pode caçá-lo também. "Basta o governo tomar iniciativa de propor a revisão. O caso recente do Repetro e do novo Refis foram desanimadores porque, de decreto a lei, apontaram no sentido oposto", declarou ele.
O Sebrae, por sua vez, defendeu os benefícios para as micro e pequenas empresas, concedidas por meio do Simples Nacional – programa que unifica e simplifica o recolhimento de tributos para o setor. De acordo com o órgão, os pequenos negócios são os responsáveis pela geração de renda de 70% dos brasileiros ocupados no setor privado.
"Mesmo com a retração da economia, o número de empreendimentos aumentou. Isso evitou uma maior estagnação do país. Se não houvesse o empreendedorismo de pequeno porte, o número de desocupados seria ainda maior", disse o presidente do Sebrae, Guilherme Afif Domingos.
Para ele, as micro e pequenas empresas exercem uma função de "colchão social", já que parte dos empregadores desse segmento conseguiu segurar muitos de seus funcionários e abrigar outros que se viram sem trabalho durante a crise econômica.
Já a Zona Franca de Manaus celebrou neste ano 60 anos de existência. Os benefícios à região foram prorrogados em 2014 até 2074. A Superintendência da Zona Frana (Suframa) avaliou em artigo que o modelo de negócios da Zona Franca é marcado por ser "economicamente sustentável, socialmente justo e ambientalmente responsável".
Classificadas pelo Fisco como "perda de arrecadação", as renúncias tributárias, estimadas no valor de R$ 284 bilhões neste ano, foram concedidas pelos governos nas últimas décadas, permanecendo ainda vigentes, para estimular setores da economia ou regiões do país.
Entre elas, estão a perda de arrecadação com o Simples Nacional e com a Zona Franca de Manaus, e também benefícios para as pessoas físicas - como, por exemplo, as deduções no Imposto de Renda de Saúde e Educação, que beneficiam principalmente as classes média e alta.
A maior renúncia fiscal do governo, por exemplo, vai para as micro e pequenas empresas inscritas no Simples Nacional - que contam com tributação simplificada e menor do que as médias e grandes companhias do país. Somente nesse caso, a perda de arrecadação estimada para este ano é de R$ 82,99 bilhões - valor que é mais do que duas vezes o orçamento da Educação, estimada em R$ 31,36 bilhões para este ano.
Quando se faz a análise das renúncias por tributos (veja gráfico abaixo), aquele mais utilizado para dar benefícios é a Cofins, com R$ 64 bilhões estimados neste ano (desoneração da cesta básica, de medicamentos, e Simples Nacional, entre outros).
Em seguida, vêm as renúncias feitas por meio da contribuição da previdência social, com R$ 62 bilhões em desonerações - principalmente por conta da redução de tributos sobre a folha de salários (que o governo quer diminuir), filantrópicas, Simples Nacional e exportação da produção rural.
As renúncias tributárias feitas por meio do Imposto de Renda das Pessoas Físicas (IRPF), por sua vez, têm uma perda estimada de arrecadação de R$ 41,8 bilhões em 2017. Neste caso, se destacam as isenções de IR para quem tem mais de 65 anos, a aposentadoria por moléstia grave, as deduções no IR com Saúde (R$ 12,69 bilhões neste ano) e Educação (R$ 4,29 bilhões), entre outros. Também há renúncia de mais R$ 46,2 bilhões por meio do IR das empresas.
Renúncias tributárias em 2017 (Foto: Gráfico da Secretaria da Receita Federal)
No caso dos benefícios financeiros e creditícios, que estão estimados em R$ 121,13 bilhões neste ano, o chamado setor produtivo é o maior beneficiado, seguido pelos programas sociais e pelo setor agropecuário (veja gráfico abaixo).
Por destinação, segundo o TCU, os três maiores beneficiários desses recursos são: empréstimos da União ao BNDES, com R$ 23,87 bilhões (para cobrir a diferença entre juros de mercado e taxas subsidiadas sobre o estoque existente); Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), com R$ 15,82 bilhões; e os Fundos Constitucionais de Financiamento (FNE, FNO e FCO), com R$ 15,37 bilhões previstos para este ano.
Benefícios financeiros em 2017 (Foto: Foto acórdão TCU)
Veja abaixo a lista das principais renúncias tributárias estimadas por setor em 2017 pela Receita Federal, sem contar benefícios financeiros
Desoneração Cesta Básica: R$ 17,58 bilhões
Exportação da Produção Rural: R$ 6,26 bilhões
Seguro rural: R$ 218 milhões
Zona Franca de Manaus: R$ 1,24 bilhão
Aposentadoria de Declarante com 65 Anos ou Mais: R$ 6,44 bilhões
Automóveis - Pessoas Portadoras de Deficiência: R$ 367 milhões
Cadeira de Rodas e Aparelhos Assistivos: R$ 244 milhões
Dona de Casa: R$ 240 milhões
Entidades sem Fins Lucrativos - Associação Civil: R$ 2,7 bilhões
Entidades sem Fins Lucrativos - Filantrópica: R$ 1,39 bilhão
Despesas com Pesquisas Científicas e Tecnológicas: R$ 1,48 bilhão
Informática e Automação: R$ 5,76 bilhões
Inovação Tecnológica: R$ 2,05 bilhões
Simples Nacional: R$ 64,09 bilhões
Zona Franca de Manaus: R$ 17,19 bilhões
Atividade Audiovisual: R$ 282 milhões
Entidades sem Fins Lucrativos - Cultural: R$ 163 milhões
Programa Nacional de Apoio à Cultura: R$ 1.35 bilhão
RECINE: R$ 10,7 milhões
Entidades sem Fins Lucrativos - Recreativa: R$ 258 milhões
Incentivo ao Desporto: R$ 235 milhões
Olimpíada: R$ 212 milhões
Fundos da Criança e do Adolescente: R$ 346 milhões
Fundos do Idoso: R$ 87 milhões
Horário Eleitoral Gratuito: R$ 319 milhões
Creches e Pré-Escolas: R$ 21 milhões
Despesas com Educação: R$ 4,29 bilhões
Entidades Filantrópicas: R$ 4.54 bilhões
Entidades sem Fins Lucrativos - Educação: R$ 3,61 bilhões
PROUNI: R$ 1,32 bilhão
Transporte Escolar: R$ 6 milhões
Biodiesel: R$ 65 milhões
Gás Natural Liquefeito: R$ 666 milhões
Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura: R$ 2,41 bilhões
Termoeletricidade: R$ 740 milhões
Financiamentos Habitacionais: R$ 2,19 bilhões
Minha Casa, Minha Vida: R$ 582 milhões
Poupança: R$ 8,43 bilhões
Inovar-Auto (indústria automobilística): R$ 1,21 bilhão
Petroquímica: R$ 1,09 bilhão
Setor Automotivo: R$ 2,49 bilhões
Simples Nacional: R$ 18,9 bilhões
SUDAM: R$ 1,84 bilhão
SUDENE: R$ 2,71 bilhões
Zona Franca de Manaus: R$ 6,42 bilhões
Assistência Médica, Odontológica e Farmacêutica a Empregados: R$ 5,08 bilhões
Despesas Médicas: R$ 12,69 bilhões
Entidades Filantrópicas: R$ 6,82 bilhões
Entidades sem Fins Lucrativos - Assistência Social e Saúde: R$ 3,79 bilhões
Medicamentos: R$ 5,31 bilhões
Produtos Químicos e Farmacêuticos: R$ 2,13 bilhões
Aposentadoria por Moléstia Grave ou Acidente: R$ 10,75 bilhões
Benefícios Previdênciários e FAPI: R$ 4,45 bilhões
Desoneração da Folha de Salários: R$ 17,03 bilhões
Indenizações por Rescisão de Contrato de Trabalho: R$ 5,99 bilhões
MEI - Microempreendedor Individual: R$ 1,55 bilhão
Incentivo à Formalização do Emprego Doméstico: R$ 685 milhões
Embarcações e Aeronaves: R$ 1,46 bilhão
Leasing de Aeronaves: R$ 787 milhões
Motocicletas: R$ 107 milhões
TAXI: R$ 219 milhões
Transporte Coletivo: R$ 1,66 bilhão
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Renúncia fiscal soma R$ 400 bi em 2017 e supera gastos com saúde e educação - Instituto Humanitas Unisinos - IHU