16 Agosto 2017
Na tentativa de barrar o avanço do agronegócio sobre o Cerrado, mais de 50 organizações da sociedade civil lançaram a Campanha Nacional em Defesa do Cerrado. Através do abaixo assinado na plataforma Change.org, as organizações pedem que o Cerrado e a Caatinga sejam transformados em patrimônios nacionais.
A reportagem Caroline Oliveira e publicada por CartaCapital, 15-08-2017.
A inclusão como patrimônios foi proposta pelo senador Demóstenes Torres (DEM-GO) com a criação da PEC 504/2010. “Porque existem três biomas considerados patrimônios nacionais e outros não?”, questiona Isolete Wichinieski, agente da Comissão Pastoral da Terra em Goiás (CPT-GO).
A PEC 504 foi aprovada no Senado Federal e desde 2010 está em tramitação na Câmara dos Deputados. De acordo com a ficha da PEC na Câmara, a legislação ainda não foi votada por encerramento de sessão e outras causas como a falta de quórum por obstrução.
Pedro Alves dos Santos personifica a condição das comunidades do Cerrado. Conhecido como Pedro Piauí, nasceu e se criou com as mãos na terra, assim como seus oito filhos que com ele vivem. Da comunidade Sussuarana, localizada no município de Campos Lindos, no Tocantins, a vida de Piauí é um cultivo às terras do Cerrado, assim como outras comunidades têm a existência diretamente ligada à sobrevivência do bioma. “Comunidades são guardiãs da vida, da diversidade, da terra”, afirma Piauí.
O processo de expansão da agropecuária já expulsou muitas famílias da comunidade de Piauí. Com um histórico de ameaças, ele afirma que a maioria das pessoas de sua comunidade já foi embora. “Sou um dos poucos resistentes na região”, conta o agricultor de feijão, arroz, mandioca e milho.
De acordo com dados da CPT, em 2016 aconteceram mais de 1.500 conflitos por terra no país. Foram mais de 60 pessoas mortas envolvendo aproximadamente 23 milhões de hectares. São os maiores índices desde 2007.
Na cidade de Piauí, atingida pelo Plano de Desenvolvimento Agropecuário (PDA) do MATOPIBA, um pólo de produção de grãos está sendo implantado, tendo a soja na linha de frente. O projeto, criado durante a gestão da ruralista Kátia Abreu no Ministério do da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), abrange áreas dos estados de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. Cerca de 90% do MATOPIBA se compõe pelo Cerrado.
Para João Meirelles Filho, ambientalista e diretor do Instituto Peabiru, a PEC 504 ainda não foi aprovada por conta do interesse do agronegócio de flexibilizar cada vez mais a questão ambiental, “a própria questão do direito das comunidades em seu próprio território”, analisa. Uma das maiores produtoras e exportadoras de soja do país, por exemplo, tem como dono o ministro do agricultura e pecuária, Blairo Maggi, conhecido como “rei da soja”.“Há uma perda de direitos de comunidades indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais e assentados em detrimento da bancada do boi”, acredita o diretor do Instituto Peabiru.
“Recentemente, fazendeiros ocuparam uma área já em processo de regularização no norte de Minas Gerais. A comunidade de pescadores Caraíbas, em Sergipe, também passou por uma reintegração de posse. Outras regiões do Piauí também têm conflitos, como a região de Santa Filomena, onde uma empresa de gás metano se considera dona da região”, elenca Wichinieski apresentando o conflito agrário como uma mancha pelo território brasileiro.
Com o PDA MATOPIBA, a agente da CPT acredita que as regiões devastadas serão regularmente passíveis de devastação. “Cinco dos municípios mais desmatados do Cerrado estão na Bahia, exatamente na região do MATOPIBA”, exemplifica Wichinieski.
João Meirelles Filho, ambientalista e diretor do Instituto Peabiru, enxerga esses conflitos também como uma guerra contra o consumidor de carne, o qual se alimenta “sem perceber que está comendo o futuro das próximas gerações, tudo sai dos biomas”.
Filho lembra que há quase dez anos a ONU relacionou o aumento do consumo de carne ao esgotamento de terras disponíveis no planeta. “Quando a gente fala em soja e milho, mais da metade dos grãos do planeta vão para alimentar os animais”, explica Filho.
Para ele, a maioria das pessoas não relaciona a destruição da Amazônia com a opção alimentar, mesmo com o aumento do consumo sendo a maior ameaça à humanidade hoje, maior que o consumo de petróleo”.
Para diminuir o avanço do agronegócio sobre o Cerrado, a PEC deve vir junto com um pacote de políticas públicas nesse sentido e "envolve um processo de educação e compressão do que realmente tem valor”, entende Meirelles Filho, afirmando que apenas transformar o bioma em patrimônio nacional não sensibiliza ninguém.
Ele deu o exemplo da região amazônica, considerada patrimônio nacional e, que ainda assim, passa por um processo de desmatamento intenso em decorrência da agropecuária.
“O Cerrado está interligado aos biomas ao redor. Se houver um colapso do Cerrado, tudo em entra em convulsão. É um sistema só. Não existe vida sem Cerrado”, conclui Meirelles Filho.
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Campanha quer aprovação de PEC que prevê proteção para o Cerrado e a Caatinga - Instituto Humanitas Unisinos - IHU