21 Julho 2017
É um quebra-cabeças, sim, mas menos pela história do que pela maneira como é narrada. De Canção em Canção, novo opus de Terrence Malick, faz passar pela tela alguns relacionamentos complicados, em um meio musical cujo epicentro é a cidade de Austin, Texas.
O comentário é de Luiz Zanin Oricchio, publicado por O Estado de S. Paulo, 20-07-2017.
Faye (Rooney Mara) divide-se entre o produtor musical Cook (Michael Fassbender) e o músico BV (Ryan Gosling). Entram no affaire a mulher de Cook, uma insinuante Rondha (Natalie Portman), a elegante Amanda (Cate Blanchett). Tudo gravita em torno do mundo musical da cidade, o que justifica o título em dois níveis. Primeiro, porque há a música como negócio, e então o poder se concentra em Cook. Segundo, no que a música transcende o poder, e tem algo de mais profundo a dizer a todos.
A maneira de Malick de penetrar nesse mundo é singular. Muitas vezes, as vozes dos personagens são ouvidas em off e não em diálogos à maneira naturalista. São como alusões, palavras que vêm de outra parte. Depois, há uma câmera que não se prende necessariamente aos rostos dos personagens, mas divaga em busca de outros detalhes, de diferentes pontos de vista. Como se algumas imagens fizessem comentários à parte numa trama que se insinua de modo nada linear, alternando tempos e lugares. Como se tentasse apresentar as camadas de memória que compõem cada ser humano.
Por exemplo, há uma espécie de “rima” interna na maneira como a água evoca em Faye a lembrança de fatos passados e são resgatados de outra maneira no presente. Como sabem a filosofia e a literatura (de Heráclito a Proust), assim como não nos banhamos duas vezes no mesmo rio, também não recuperamos a memória das coisas tais como elas se deram. Tudo é processo, perda e reconstrução. É a complexidade desse estar no mundo ambivalente que Malick tenta captar através do cinema.
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Em 'De Canção em Canção', música e triângulos amorosos fazem você pensar o mundo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU