05 Julho 2017
“Prendem pessoas sem nenhum tipo de flagrante, em alguns casos forjam situações. Entendo que é uma determinação superior e isso já têm ocorrido há uns dois anos. É como se o governo mantivesse uma polícia política, composta por policiais militares e civis para cercearem os legítimos direitos de reunião e manifestação previstos na Constituição Federal”, avalia o advogado e conselheiro do Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana) Ariel de Castro Alves sobre as recorrentes detenções de manifestantes.
Para a coordenadora do Centro de Referência Legal da ONG Artigo 19, a advogada Camila Marques, existe atualmente um quadro de repressão institucional ao direito de protesto.
A reportagem é de Maria Teresa Cruz e publicada por Ponte.org, 03-07-2017.
“Com isso, quero dizer que a violência e as detenções arbitrárias são as regras em uma manifestação”, explica. A advogada concorda com Ariel de Castro Neves: “Entendo que existe uma política institucional que se desdobra em ações coordenadas entre todas as esferas de poder do Estado, ou seja, temos um sistema de justiça que vem consolidando uma jurisprudência criminalizadora dos movimentos sociais e manifestantes, um legislativo que propõe leis que claramente visam criar instrumentos normativos para restringir, limitar e criminalizar ainda mais os movimentos e manifestantes e, por fim, para completar esse ciclo, temos um executivo que está a frente da elaboração de políticas conservadoras, violentas e criminalizadoras”, afirma Camila Marques, destacando a recente lei antiterrorismo.
Para a Artigo 19, a situação pode ficar ainda pior se o Congresso aprovar o projeto de lei (PL) 5.065/2016, do deputado federal Delegado Edson Moreira (PR-MG), que pretende inserir “motivações político-ideológicas” entre as razões que podem caracterizar uma ação terrorista. Em uma nota pública lançada em 27/6, diversas organizações da sociedade civil criticam o conteúdo do PL afirmando que as mudanças podem deixar “os movimentos sociais e manifestantes sujeitos à arbitrariedades na interpretação legal, algo especialmente problemático dado o contexto geral de repressão e criminalização destes grupos”. Já o deputado nega intenção de enquadrar movimentos sociais como terroristas e afirma que sua intenção é “coibir black blocs”.
Na sexta-feira (30/06), esse modus operandi da Polícia Militar de São Paulo se repetiu, quando 10 pessoas foram detidas, duas pela manhã, após um protesto pedindo moradia no centro de São Paulo. Outros 7 — 5 adolescentes e 2 adultos —, ligados ao movimento secundarista, foram detidos quando entravam na avenida Paulista para participar do ato pedindo a saída de Temer e a convocação de eleições diretas. No final do protesto, no viaduto do Chá, aconteceu a décima detenção. Sobre a prisão de uma manifestante de 17 anos, advogados envolvidos no caso disseram terem ouvido policiais afirmarem no 2º DP (Bom Retiro) que ela “estava marcada”.
No primeiro caso, o protesto já havia sido dispersado e Elaine e Antonia, ligadas à Frente de Luta por Moradia, estavam na esquina da Rio Branco com a rua Aurora tomando café da manhã. Elas foram reconhecidas nas gravações que a PM fez da manifestação e acusadas de obstrução de via, embora estivessem dentro do estabelecimento e não no meio da rua no momento da prisão.
No segundo episódio, os detidos eram estudantes que estavam seguindo para a concentração do vão livre do MASP e não foram informados do motivo da abordagem e da detenção. Todos foram levados para o 78º DP e liberados depois de algumas horas.
Uma advogada, que pediu para não ser identificada, e já atendeu alguns casos de detenções em protestos confirma a história de que algumas pessoas ficam mesmo marcadas. Ela mencionou um caso ocorrido no ano passado, em que três pessoas foram detidas no dia seguinte a uma manifestação, em casa e no trabalho, sem mandado.
Um estudo feito pela Artigo 19, publicado em fevereiro deste ano, mapeou manifestações ocorridas entre 2015 e 2016 e constatou que 1244 prisões aconteceram no período, sendo 104 em um único dia: 5 de agosto, em ato contra os gastos dos jogos olímpicos. No levantamento, a ONG chega a mencionar a narrativa intimidatória dessas prisões, que, em sua grande maioria, são injustificáveis.
“Na ampla maioria das vezes as detenções são realizadas sem provas nem fortes indícios de que o manifestante detido estivesse de fato praticando algum ato ilícito, são detidos pela suposta prática de desacato, dano ao patrimônio sem que haja qualquer evidência e justificativa plausível para isso”, avalia Marques, que ressalta também, a ilegalidade nas detenções para averiguação — como no caso da prisão das duas integrantes da FLM, na sexta. “É uma prática ilegal, inconstitucional e que apenas legitima um estado de exceção nas ruas. Sem falar também nas detenções por fatos que sequer constituem crime, como os casos em que manifestantes foram detidos por estarem filmando a ação policial. Isto é, estamos diante de um quadro inconstitucional de detenções, no qual o abuso e a arbitrariedade é a regra”, conclui.
5 de agosto de 2016
Até o momento, a manifestação recordista de detidos. Segundo o levantamento da Artigo 19, foram 104 pessoas presas nas mais diversas situações. O protesto era contra os gastos dos jogos olímpicos. Ainda na concentração, no vão livre do MASP, já era possível perceber o tom dado pelos policiais àquela manifestação, onde se concentravam aproximadamente 200 pessoas. Policiais militares revistaram aleatoriamente mochilas e exigiam nome e RG, práticas consideradas arbitrárias pela Artigo 19.
31 de agosto de 2016
O fotógrafo Vinicius Gomes, de 19 anos, foi agredido, teve a câmera destruída por PMs e, em seguida, foi detido sem saber, contudo, o motivo. Alguns dias depois, um grupo de fotógrafos foi protestar na avenida Paulista e denunciar a violência contra imprensa nas manifestações. Na ocasião, Vinicius contou à Ponte Jornalismo, que, ao chegar ao DP, a alegação é que ele estaria atirando pedras contra os policiais. “Só se a máquina fotográfica tiver uma nova função e além de tirar fotos possa lançar pedras”, ironizou.
4 de setembro de 2016
21 jovens que seguiriam para um ato contra o presidente Michel Temer foram detidos no Centro Cultural São Paulo sob a alegação de que estavam em atitude suspeita. O episódio acabou revelando a atuação de um infiltrado em grupos de manifestantes e movimentos sociais, como revelou, em primeira mão, a Ponte Jornalismo. O caso foi amplamente acompanhado pela imprensa e, rapidamente, a identidade de Balta Nunes foi revelada: capitão do Exército, Willian Pina Botelho. Os estudantes foram levados ao Deic (Departamento de Investigações do Crime Organizado) e lá tiveram novas violações: ficaram incomunicáveis e sofreram pressão do delegado que, a todo momento, e decidiu indiciar os 18 adultos por associação criminosa e corrupção de menores. Cada um dos dois crimes podia render até quatro anos de reclusão. O juiz Rodrigo Telline de Aguirre Camargo relaxou a prisão durante audiência de custódia. A Procuradoria da Justiça Militar de São Paulo considerou que o capitão infiltrado agiu dentro da lei. Os jovens ainda respondem na justiça e tiveram as vidas afetadas, como mostra reportagem da Agência Pública.
28 de abril de 2017
Movimentos sociais e centrais sindicais haviam convocado a “greve geral” com protestos em todo o país. Em São Paulo, policiais reprimiram uma manifestação que acontecia na Radial Leste e detiveram 6 pessoas, todas ligadas ao Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). Todos foram levados ao 65º DP onde o delegado decidiu manter presos três deles, que foram enquadrados por incitação ao crime. Outras 16 pessoas que participavam de manifestações em outras regiões da cidade também foram detidas por acusações que iam de desacato a obstrução de via e dano ao patrimônio.
1º de maio de 2017
Pelo menos 8 pessoas foram detidas na avenida da Consolação após festa do Dia do Trabalhador, na região da Paulista, onde houve manifestação contras as reformas propostas por Temer. Eles foram autuados em flagrante por tentativa de incêndio, explosão e incitação ao crime.
30 de junho de 2017
Na manifestação contras as reformas propostas por Temer e pedindo por Eleições Diretas, 7 estudantes foram detidos quando entravam na Avenida Paulista (episódio contemplado também em vídeo que abre esta reportagem). Mais tarde, uma manifestante que estava sentada no viaduto do Chá foi detida por ter sido reconhecida pela polícia por participação em outros atos e detenções anteriores. Ainda na sexta-feira, duas integrantes de movimento que luta por moradia foram presas enquanto tomavam café após ato no centro de São Paulo que foi reprimido pela PM.
Controle externo mais eficiente do Ministério Público, denúncias na Corregedoria das polícias, uma mudança de conduta do Judiciário e a elaboração de um protocolo de uso de força no contexto de padrões internacionais são apontados como possíveis caminhos para reverter esse quadro.
“É necessário uma série de mudanças de práticas, bem como o envolvimento ativo de algumas instituições. Seria necessário, por exemplo, que o Ministério Público fiscalizasse mais e exigisse explicações, exigisse a transparência dos atos policiais, averiguasse e investigasse os atos ilegais e abusivos”, pontua Marques. “Seria necessário também que o próprio Judiciário condenasse os abusos policiais ao invés de legitimá-los. Os membros do Judiciário não deveriam se pautar de acordo com suas convicções pessoais. Com isso, quero dizer que o Sistema de Justiça tem em suas mãos o dever de reverter esse cenário”, critica.
Para o Alves, o fortalecimento das denúncias pode ajudar. “As pessoas que são presas ilegalmente, que sofreram abusos de autoridade e outras violências e arbitrariedades policiais devem procurar sempre os órgãos de controle externo da polícia, como Ouvidoria Geral de Polícia, o MP e o próprio Condepe”, afirma.
Outro lado
A Ponte Jornalismo enviou um e-mail às assessoria da PM e CDN, empresa privada que cuida da comunicação da SSP, mas até o momento não obteve resposta.
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Violência policial e detenções arbitrárias viraram regras em manifestações - Instituto Humanitas Unisinos - IHU