A linguagem secreta da moda, símbolo de fragilidade

Moda | Foto por Unsplash, Pixabay

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23 Junho 2017

As modas têm algo estúpido e devastador. Se você perguntar a um jovem porque usa seu cabelo raspado no lado e espetado sobre a cabeça como uma cestinha, ele vai dizer que todos usam assim. Mas você sabia que essa moda da raspagem lateral quer expressar uma raiva militaresca e foi lançada por Kim Jong, o pequeno gordo cruel ditador da Coreia do Norte? A resposta é um 'dar de ombros' de 'tanto faz como fez'.

O comentário é de Dacia Maraini, escritora e poetisa italiana, autora do roteiro, entre outros, do filme Storia di Piera, publicado por Corriere della Sera, 20-06-2017. A tradução é de Luisa Rabolini

Também causam assombro aqueles que compram, por um alto preço, calças jeans cheias de rasgos que imitam uma falsa pobreza que agrada principalmente aqueles que não são pobres. E o que dizer da moda de sapatos de bico fino, (por nossa sorte, já passada) que causa deformações aos pés? O mito do pé pequeno nasceu na China, do desejo de mostrar que uma menina nobre e rica não precisava caminhar. Andar a pé era coisa de camponesa, por isso deformavam seus pés para torná-los inutilizáveis. Mesmo os sapatos de ponta fina e saltos altos de hoje são prejudiciais ao pé de uma mulher que quer caminhar, correr, subir e descer escadas.

Mas se a moda exige...

E o que dizer sobre a barba comprida, muitas vezes grisalha, que os adultos, especialmente os intelectuais, carregam com desenvoltura? Foram os fanáticos religiosos que começaram com isso. Para eles, a barba é um símbolo de austeridade e rigor moral. O paradoxo é que, mesmo aqueles que se declaram laicos e combatem os fanatismos, deixam crescer a barba.

É a moda, não há nada a fazer, cara amiga.

Quem é que sabe que as tatuagem nasceram nas prisões, como uma linguagem da pele aprisionada? Foram os analfabetos, os pobres escravos que não sabiam ler nem escrever que começaram a falar com as imagens de seu corpo. A tatuagem mais repetida era a da borboleta (lembram-se de Papillon?) ou da gaivota, que expressava o desejo de atravessar as grades e voar no céu aberto. Mesmo as figuras femininas ou os barcos a velas enfunadas falavam da liberdade perdida. O corpo tornava-se o papel em que se escreviam as mensagens de um recluso infeliz e sozinho. Como é que, hoje, meninos e meninas, que nunca estiveram em uma prisão, deixam espetar agulhas em sua pele para imitar, sem saber, aqueles desesperados segregados nas prisões de séculos passados?

A moda alimenta-se de linguagens secretas e memórias perdidas, e conta uma fragilidade sem remédio. A arrogância está em repetir um rito sem saber a sua origem, por cega alusão a um sofrimento que não é próprio, como o crucifixo brilhante no pescoço de uma mulher, como a argola presa a uma pálpebra ou ao lábio como lembrança de uma distante escravidão.

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