06 Junho 2017
Projetos de interesse do agronegócio são aprovados em sequência na Câmara e no Senado. Ambientalistas denunciam o uso da legislação ambiental como moeda de troca pelo governo para garantir apoio parlamentar.
Mesmo na crise há oportunidades. É o que diz uma máxima do capitalismo. Essa lição tem sido levada às últimas consequências pela bancada que representa os interesses do agronegócio no Congresso Nacional. Vários projetos que beneficiam ruralistas avançaram na Câmara e no Senado em um espaço de poucos dias, em meio à crise deflagrada pela divulgação das delações da JBS, que implicaram diretamente o presidente Michel Temer, além do senador Aécio Neves (PSDB-MG) e o deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR). Grupos ambientalistas alertam que, enfraquecido pelas denúncias e em busca de apoio, o governo deu carta branca para que parlamentares da base votassem projetos de seu interesse, oportunidade que a bancada ruralista não deixou escapar.
O último episódio do avanço da agenda do agronegócio no Congresso aconteceu na última quinta-feira (01/06) com a aprovação, pelo Senado, da Medida Provisória 759/16, que estabelece regras para a regularização de terras da União ocupadas na Amazônia Legal e novos procedimentos para regularização fundiária urbana. A medida, que agora segue para sanção presidencial, havia sido aprovada na Câmara no dia 24 de maio, em sessão esvaziada por deputados da oposição que abandonaram o plenário em protesto contra a emissão, pelo presidente, de um decreto autorizando o emprego das Forças Armadas para “garantia da lei e da ordem” no Distrito Federal entre os dias 24 e 31 de maio.
A medida foi apelidada de “MP da grilagem” por movimentos sociais do campo e grupos ambientalistas, principalmente devido às alterações que ela faz no texto da lei 11.952/09, que regulamentou, no segundo mandato Lula, o ‘Terra Legal’, programa de regularização de terras da União ocupadas irregularmente na Amazônia Legal.
“No discurso a ideia era dar segurança jurídica para pequenos produtores, posseiros que ocupavam determinadas áreas, mas sem titulação. Mas há estudos que já levantam que boa parte dos beneficiários são grandes propriedades, que muitas vezes utilizavam o ‘Terra Legal’ para legalizar terras griladas”, afirma Karina Kato, professora do Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade (CPDA) da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).
A MP aprovada agora é uma “versão piorada” do programa, de acordo com o advogado Mauricio Guetta, do Instituto Socioambiental (ISA). Relatada pelo senador Romero Jucá (PMDB-RR), além de ampliar a abrangência do programa para todo o território nacional, flexibilizou os critérios para regularização. “Antes as salvaguardas ambientais eram pré-requisito para essa regularização, então o proprietário teria que ter a sua área de preservação permanente devidamente preservada, assim como a reserva legal, ter licenciamento ambiental se fosse o caso, enfim, deveria respeitar toda a legislação; hoje, pelo texto que foi aprovado na Câmara, bastaria a inscrição no cadastro ambiental rural sem que haja necessidade de cumprir, de fato, a legislação”, alerta.
Além disso, a MP ampliou de 1,5 mil para 2,5 mil hectares o tamanho máximo das propriedades passíveis de serem regularizadas. “O que o Romero Jucá fez foi estender para o latifúndio, inclusive permitindo que pessoas donas de outras propriedades façam essa regularização a preço de banana”, critica Guetta e adverte: “Essa medida, fatalmente, vai parar no Supremo, a gente não tem dúvida”.
Presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), o deputado Nilson Leitão (PSDB-MT) discorda da análise de que a MP é um incentivo à grilagem. “O Brasil é o país que mais tem terras para assentamentos em todos os países do mundo, e não regulariza, simplesmente não consegue regularizar essas áreas, o que é um crime com o produtor, seja ele pequeno, médio ou grande”, afirma. Ele acredita que há um excesso de burocracia para regularização fundiária no país. “Isso é o que essa esquerda socialista quer. Ela quer justamente que você não tenha o documento da sua propriedade para continuar promovendo invasão. O Estado é que tem que ser competente para resolver de quem é a propriedade, e não continuar criando novos donos a cada invasão”, protesta o deputado.
Segundo ele, o fato de a medida ter sido aprovada em meio ao Ocupa Brasília e com o plenário esvaziado não a deslegitima. “Aquilo não foi protesto, foi uma baderna que construíram em Brasília, uma destruição de prédios públicos. Quando eles [os deputados da oposição] abandonam o plenário, deixam de representar com o voto deles aquela parte da sociedade que concorda com eles. A democracia é isso, a maioria ganha, a minoria perde”, avalia.
No dia anterior à manifestação do dia 24 em Brasília, o Senado já havia aprovado outras duas medidas provisórias de interesse dos ruralistas. A primeira foi a MP 756, que reduziu em 487 mil hectares os limites da Floresta Nacional do Jamanxim, no sudoeste do Pará, criando uma Área de Proteção Ambiental (APA) do Jamanxim. A APA é um tipo de unidade de conservação que permite a compra e venda de terras em seu interior, a agricultura, a pecuária e a mineração. Já a MP 758 retirou 101 mil hectares do Parque Nacional do Jamanxim também para criação de uma APA, que vai se chamar Rio Branco.
“Essa é uma área que vem sendo muito disputada para escoamento da soja”, explica Karina Kato. “Ela sai hoje pelo porto de Paranaguá, mas como a exportação cresceu muito nos últimos anos está congestionado. Quanto mais cara ela chega no mercado internacional, menor competitividade ela vai ter. Então uma das propostas de alternativa para o escoamento é via Pará, e essa área do Jamanxim é justamente no entorno da ferrovia Ferrogrão, que eles querem usar para escoar a produção”, diz a professora do CPDA. Essa é outra questão que deve parar no STF, segundo Maurício Guetta. “A Constituição é explícita ao determinar que redução de unidade de conservação só pode ser feita através de lei, no sentido estrito. É outra medida que vai acabar no Supremo, gerando insegurança jurídica naquela região”, aponta.
A data da aprovação das MPs 756 e 758 no Senado, 23 de maio, coincide com a de uma reunião da Frente Parlamentar da Agropecuária em que os integrantes da bancada decidiram que manteriam o apoio aos projetos do governo de Michel Temer apesar das denúncias que o atingiram.
Em matéria do Canal Rural sobre a decisão, o deputado Marcos Montes (PSD-MG) afirmou: “O presidente não tinha uma aprovação popular e nós sabemos disso. No entanto, ele tinha aprovação dentro do Congresso e se a aprovação persistir, vai permitir que a gente avance nas reformas, o que é ideal para o Brasil. O que nós não podemos perder é a governabilidade, porque os avanços, através das reformas, têm que acontecer”.
Questionado pelo Portal EPSJV se o apoio da bancada ruralista ao governo tinha relação com a aprovação das medidas provisórias, o presidente da FPA, deputado Nilson Leitão afirmou que “não tem nada a ver uma coisa com a outra”. “O Michel Temer, com todos os problemas que tem vivido, conseguiu tirar esse desequilíbrio desse debate esquerda e direita e trazer equilíbrio. Eu acho que o que precisava fazer era tirar esse debate ideológico. Quando você tira esse debate ideológico, qualquer presidente que vier não vai ter mais condições de desequilibrar esse debate”, tergiversa.
No entanto, a aprovação sucessiva de projetos de interesse dos ruralistas em meio à crise do governo Temer e os riscos que isso traz para a legislação ambiental são motivos de preocupação para Maurício Guetta. “O governo Temer está buscando manter o apoio que tem no Congresso, na base do governo. Para isso, ele vai fazer as concessões que forem demandadas dele, independente do nível de barbaridade que se pretenda estabelecer. Me parece que o que está ocorrendo hoje é um processo de barganha dessas bancadas, e a bancada ruralista, devido ao seu número expressivo de parlamentares, tem esticado muito a corda”, aponta.
A flexibilização do licenciamento ambiental é outra pauta de interesse da bancada ruralista que avança no Congresso. Essa semana deve ir à votação na Comissão de Finanças e Tributação (CFT) da Câmara o PL 3.729/04, que é objeto de disputa entre o governo a bancada ruralista.
O projeto vinha sofrendo críticas por parte do ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, que vinha defendendo que o governo apresentasse um projeto próprio sobre o tema para ser votado no plenário da Câmara. A delação da JBS enfraqueceu a posição do governo, no entanto, e a bancada ruralista, que controla a comissão que vota a matéria na Casa, dá mostras de que deve obter mais uma “vitória” no Congresso.
Segundo o deputado Nilson Leitão, a matéria, que estava na pauta da comissão na semana passada, foi retirada por falta de consenso em torno de alguns itens do projeto, que ele acredita que deve ser atingido até a próxima reunião da comissão, marcada para quarta-feira (07/06). “O ponto que nós mais criticamos, que deve ser retirado do texto, é exatamente a dependência de órgãos que não está ligada diretamente à questão da liberação da licença, mas que fica condicionante à sua aprovação pra que a licença possa ser liberada, como o Iphan e a Funai, por exemplo. É uma burocracia desnecessária e que vem atrapalhar e muito”, diz Leitão.
Em nota técnica, o Ministério Público Federal fez diversos questionamentos ao processo de discussão e ao conteúdo do projeto de lei, citando entre os principais “pontos críticos” do texto a “falta de diálogo adequado com a sociedade civil” e uma “deficiente participação popular” nos debates. O MPF questionou ainda a fixação de “prazos exíguos e caráter meramente consultivo das autoridades envolvidas, possibilitando a aprovação dos licenciamentos sem a manifestação (ou com parecer contrário) de outros órgãos envolvidos no processo, especialmente o Iphan, a Funai, a Fundação Palmares, a SPU e o ICMBio, bem como seus equivalentes em âmbito estadual” e o estabelecimento de “prazos rígidos e insuficientes” para a realização de análises pelas autoridades licenciadoras, órgãos “notoriamente carentes de recursos humanos e financeiros para o adequado desempenho de suas funções”, bem como mesmo com parecer contrário dessas instituições.
O exemplo da Funai ilustra o problema identificado pelo MPF, segundo Maurício Guetta. “A Funai tinha parcos 14 funcionários para cuidar de licenciamento ambiental no Brasil inteiro. São quase 300 processos de licenciamento altamente complexos”, exemplifica. E o que já era ruim ficou pior sob a gestão do agora ex-ministro Osmar Serraglio no Ministério da Justiça. “Ele, que inclusive integra a Frente Parlamentar da Agropecuária , reduziu para oito funcionários, deixando o órgão em estado de calamidade. É evidente que com esse déficit ficou impossível cumprir qualquer prazo que se estabeleça”, critica, completando que o desmonte dos órgãos justifica, no discurso, o enfraquecimento da sua participação no licenciamento.
Outro ponto crítico do projeto em análise na Câmara diz respeito à previsão de isenção de licenciamento ambiental concedida a atividades como a agricultura, a pecuária e a silvicultura. “A lei não pode dispensar do licenciamento atividades de forma irrestrita assim, a priori. Para algumas atividades de menor impacto, pode até haver um licenciamento mais simplificado, mas um latifúndio que utilize agrotóxicos, que promova supressão de vegetação, que escasseie mananciais de água para suas atividades, isso gera um impacto significativo e esse empreendimento deve ser objeto de licenciamento rigoroso. A gente defende que haja proporcionalidade”, ressalta Guetta.
Segundo o advogado, essa questão já foi inclusive alvo de uma decisão do STF, em 2001, quando o tribunal julgou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) sobre uma lei estadual de Santa Catarina que isentava algumas atividades de licenciamento ambiental. “E o Supremo considerou que essa dispensa geral e irrestrita, independentemente do porte, do potencial poluidor e do local da atividade, é incompatível com a Constituição, e declarou a inconstitucionalidade dessa norma de Santa Catarina”, resgata Guetta.
A flexibilização da legislação sobre o licenciamento ambiental é um dos principais itens da agenda da bancada ruralista no Congresso, e o PL 3.729/04 é só uma das frentes de disputa. Em abril do ano passado a Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou a PEC 65/2012, de autoria do senador Acir Gurgacz (PDT-RO) e relatada pelo atual ministro da Agricultura, Blairo Maggi (PR-MT), que estabelece que a partir da apresentação de um Estudo de Impacto Ambiental (EIA) as obras de um empreendimento possam começar.
A PEC, que aguarda para ser votada em plenário, segundo seus críticos, acaba, na prática, com o processo de licenciamento ambiental. “A ideia é acabar com a necessidade de aguardar as etapas do licenciamento para construir, porque hoje só se consegue construir a partir da segunda etapa, que é a etapa de instalação. Essa PEC, na medida em que já permite a construção a partir de um estudo que as próprias empresas pagam para uma consultoria fazer, desmonta de fato o licenciamento. Porque depois que a obra está construída, nenhum governo consegue desmontar”, afirma Karina Kato.
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Em meio à crise, ruralistas obtêm vitórias no Congresso - Instituto Humanitas Unisinos - IHU