30 Mai 2017
A operação do governador Geraldo Alckmin e do prefeito João Doria na Cracolândia, no último domingo 21, mostrou como a Guarda Civil Metropolitana tem sido destacada para atuar em funções estranhas às suas obrigações.
Foto: Victória Damasceno/CartaCapital
A reportagem é de Beatriz Drague Ramos, publicada por CartaCapital, 29-05-2017.
Na ocasião, a Guarda teria revistado usuários de drogas, competência atribuída à Polícia Militar. Por isso, um inquérito civil foi aberto na última terça-feira 23 pelo Ministério Público em parceria com a Defensoria Pública. A suspeita está sendo apurada pela Promotoria.
Casos de violência e desvio de função têm sido crescentes após aprovada a Lei 13.022, que fornece poder de polícia às Guardas Municipais. O texto sancionado por Dilma Rousseff em 2014 regulamenta o parágrafo 8º do artigo 144 da Constituição Federal, que versa sobre os papéis atribuídos às forças policiais no País. No texto da lei aprovada por Dilma, guardas municipais passaram a ter a missão de proteger vidas, com direito a porte de arma, e não apenas patrimônios como anteriormente.
Episódios como os de agressão e apreensão de pertences à força, entre eles cobertores, itens pessoais e documentos, de cidadãos em situação de rua e de catadores de materiais recicláveis têm sido divulgados com frequência pela mídia. Sobretudo após a edição do Decreto Municipal 57.581, em janeiro de 2017, que passou a permitir a apreensão de objetos de pessoas em situação de rua na capital paulista.
Incidentes criminosos também têm ocorrido com certa periodicidade, como no caso da morte do menino Waldik Gabriel Silva Chagas de 12 anos, ainda na gestão do prefeito Fernando Haddad, do PT. Ou no caso do morador de rua Samir Ahamad, agredido brutalmente pela Guarda em maio, na zona sul de São Paulo. Ele teve seu punho quebrado ao tentar impedir que seus pertences fossem levados. A corregedoria geral da GCM afirma que vai apurar a conduta dos agentes e que eles serão afastados das atividades operacionais temporariamente.
Os episódios de uso da violência por parte da guarda na região da cracolândia foram incluídos em um relatório da organização social “A Craco Resiste”. Para os ativistas “o discurso do prefeito faz com que agentes da ponta sintam-se mais à vontade para agir com truculência”.
Segundo o ex-delegado Edson Luis Baldan, professor de direito penal da PUC-SP, houve um aumento nas ações repressivas da GCM e da violência generalizada após a aprovação da lei que cede poder de polícia às guardas.
“Elas conquistaram, ainda que, através de um diploma legal questionado em sua constitucionalidade, o poder que tanto buscavam”, declara Baldan, acrescentando que, grande parte das guardas foram treinadas por policiais militares da reserva. “A ausência de regulamentação levou à liberdade total dos municípios em formar e fiscalizar como quisessem os seus corpos de polícias”.
Para Baldan, o que a Polícia Militar e a GCM vêm apresentando em comum são traços de militarização, desde sua subordinação a códigos militares até em seu perfil operativo, ficando evidentes na operação da Cracolândia.
“As práticas que eles empregam naquele ambiente, não é o do policial pensado para o tratamento comunitário. Só posso qualificar a última operação como sendo um desastre”, afirma Baldan.
O policiamento e as ações comunitárias estão entre as principais atribuições das Guardas, mas dados fornecidos pela Lei de Acesso à Informação e publicados em reportagem do jornal "O Estado de S. Paulo" revelam que o número de ações comunitárias foram reduzidos de 96% para 84%, quando comparado ao primeiro trimestre de 2016.
O professor explica que, as Guardas Municipais Comunitárias têm estruturas policiais democráticas. Elas estão sempre mais próximas à comunidade a que servem, atendendo aos problemas locais.
“O uso moderado da força é um exemplo, porque não necessariamente elas estão preocupadas com a aplicação irrestrita de certas normas penais, que muitas vezes são drásticas. No caso da Cracolândia, houve uso drástico da aplicação das normas penais”. Explicita Baldan. Dentre os principais desafios para uma mudança estrutural nas polícias, o ex delegado crê que seja vencer os corporativismos das polícias e do Ministério Público.
“Ninguém desconhece que o MP tem utilizado as polícias militares e até GCM para fazer missões de investigação, de polícia judiciária, como nós denominamos. Com isso, eles vêm defendendo algo que vem ganhando força, que é o ciclo completo de polícia. Isto é, atuar na prevenção, na repressão e na investigação”. Diz, Baldan.
No ciclo, as polícias ao invés de serem contidas em sua atuação, teriam mais liberdade de ação e mais atribuições. A condição promoveria um total militarismo na segurança pública. Ele está proposto nas PECs 51/2013 e 423/2014.
Como possível saída, Baldan defende a municipalização das polícias militar e civil. No modelo, o município passa a ocupar um espaço cada vez maior na prestação dos serviços públicos de segurança através de corpos de polícia não militarizados, formados e descolados operativamente das forças militares.
A PEC 51/2013, do senador Lindbergh Farias (PT-RJ), tramita desde 2015 e visa promover a desmilitarização das polícias. O texto trata da municipalização da segurança pública e propõe atribuir às Guardas o poder de prevenir, reprimir e investigar após a completa desmilitarização das forças policiais no País.
Por outro lado, tramita no Supremo Tribunal Federal uma ação de inconstitucionalidade contra a lei aprovada em 2014 que ampliou as competências da GCM.
A participação popular também está entre as urgências anunciadas pelo professor. "Precisamos de uma forma urgente para estabelecer os mecanismos de controle popular dessas guardas.” A lei prevê órgãos colegiados com participação da sociedade civil. “As Guardas devem se submeter ao controle, inclusive externo, com ouvidoria e com a possibilidade de fiscalização por órgãos municipais”, comenta Baldan.
Conforme explica o professor, no cenário internacional os Estados Unidos também seguem o mesmo fenômeno de militarização. A transferência dos equipamentos, veículos e armamentos, que eram excedente das forças armadas, para as forças policiais proporcionaram um crescimento generalizado da violência nas práticas policiais modernas. Por isso, houve uma preocupação do governo de Barack Obama em reverter o processo de militarização das polícias.
A PM da Itália e a Guarda Civil da Espanha, ambas com atribuições militares, também são a favor da desmilitarização. "Os códigos que regem essas polícias são extremamente rígidos, são concebidos para manter uma hierarquia férrea, uma doutrina a qualquer custo e um campo de guerra, que me parece inadequada em tempos de paz para missões de policiamento civil", conclui Baldan.
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Em São Paulo, Guarda Municipal assume cada vez mais o papel da Polícia Militar - Instituto Humanitas Unisinos - IHU