28 Março 2017
Construção de pântanos e estações de tratamento podem acabar com o desperdício de água e ainda gerar biocombustível
"Até 2025, a escassez absoluta de água será uma realidade diária para cerca de 1,8 bilhão de pessoas", escreve Tamara Avellán, doutora e pesquisadora na Unidade de Gestão de Recursos Hídricos da Universidade das Nações Unidas (UNU-FLORES, Alemanha), em artigo publicado por The Conversation e reproduzido por CartaCapital, 27-03-2017.
Em um mundo onde os recursos vitais são cada vez mais escassos, os países não se podem dar ao luxo de desperdiçá-los. Mas é exatamente isso o que fazemos. Após utilizarmos água em nossas casas e empresas, ela é descartada – contendo muitos recursos valiosos.
As águas residuais são ricas em carbono e nutrientes e, se coletadas e tratadas adequadamente, podem fornecer água nova, fertilizantes e energia. Diversas nações e grandes cidades já construíram sofisticadas estações de tratamento de águas residuais que eficazmente recuperam nutrientes, bioenergia e produzem “água nova”, que pode ser reutilizada. Contudo mais de 80% de todas as águas residuais, ainda fluem para ecossistemas naturais, poluindo o meio ambiente e levando consigo valiosos nutrientes e outros materiais recuperáveis.
Os sistemas de águas residuais em grandes cidades são frequentemente eficazes, embora também sejam muito caros de construir, manter e operar. Contudo, esse cenário é melhor do que a atual situação em pequenas cidades. Nestes locais, encontram-se frequentemente sistemas mal adaptados, com falta de equipe para realizar a manutenção e a operação necessária.
Em países latino-americanos, os habitantes de pequenas e médias cidades têm, no máximo, tratamento in situ sob a forma de fossas sépticas, às quais não se efetua manutenção regular e adequada.
Na Guatemala, apenas cerca de 5% das cidades com menos de 2 mil habitantes têm estações de tratamento centralizadas; e na Bacia do Lago Atitlán, naquele mesmo país, cerca de 12% da população não está conectada a nenhum tipo de sistema de saneamento. Se existe alguma infra-estrutura , seu principal objetivo é apenas coletar as águas residuais, não tratá-las e reintroduzi-las no ciclo da água.
A situação é ainda mais problemática se considerarmos que, de acordo com o Fundo de Populações das Nações Unidas, os moradores de pequenas e médias cidades na América Latina duplicarão nos próximos 15 anos, um número que novamente dobrará nas próximas três décadas. Ainda assim, a maior parte dos esforços para melhorar a gestão de águas residuais concentra-se nas grandes cidades da região.
Imagine que fora de uma dessas pequenas cidades encontra-se um belo terreno: à superfície, é esteticamente agradável e oferece refúgio para a vida selvagem local. Debaixo, há um pântano que trata águas residuais e produz energia. A energia gerada evita que as famílias precisem recorrer ao uso de lenha recolhida na natureza ou a estrume como combustível para cozinhar. Além disso, o escoamento deste pântano pode ser usado em segurança para a irrigação de plantações.
Este não é um panorama imaginário. É o que se chama de “ambiente de pântano construído“, que já está em prática em pequena escala em todo o mundo.
Como parte de uma equipe que estuda o potencial dos ambientes de pântano, analisamos 800 exemplos de biomassa em mais de 20 países.
Descobrimos que, dependendo do clima e do tipo de plantas utilizadas na construção deste tipo de pântano, poderiam ser irrigados diariamente até 45 hectares de terra com água residual. Isso reduziria a necessidade de água fresca para irrigação e de energia para o seu bombeamento.
Neste tipo de sistema, uma hipotética comunidade de 60 pessoas necessitaria de uma área de pântano de cerca de 420 metros quadrados. Este pântano poderia fornecer a população com 630 quilos de biomassa seca por ano, o suficiente para produzir 10 gigajules anuais de energia (ou quase 2,8 mil kWh).
Nesta perspectiva, uma residência média na Etiópia, com cinco pessoas por casa, precisa de cerca de sete gigajules para cozinhar. Logo, a energia anual gasta para cozinhar nesta comunidade de 12 casas gira em torno de 84 gigajules.
O biocombustível produzido pelo pântano pode cobrir cerca de 12% da necessidade de combustível do vilarejo. Ao reduzir a a necessidade de combustíveis para cozinhar, o vilarejo pode em média salvar meio hectare de floresta por ano.
Outra solução é a construção de estações descentralizadas de tratamento de águas residuais nas comunidades afetadas. Ao contrário das estações de cidades, em instalações descentralizadas as águas residuais brutas são tratadas diretamente onde são produzidas em vez de serem confinadas no sistema de esgotos. Nas zonas rurais, este tipo de instalação pode proporcionar acesso imediato à água limpa e reduzir a poluição ambiental.
Devido ao seu tamanho relativamente pequeno e baixas pegadas de carbono, o impacto negativo destas plantas no meio ambiente é menor do que o das estações tradicionais. Outro bônus é que cada local pode ser feito sob medida para atender às condições climáticas regionais, exigências estéticas, demandas de qualidade e uso pretendido da água.
Não há mais nenhuma boa razão para desperdiçar qualquer tipo de água. Coletar e explorar as águas residuais é tecnicamente viável e financeiramente justificável.
Se bem gerida, a água utilizada deixa de ser um perigo para o meio ambiente e torna-se uma fonte acessível e sustentável de energia, nutrientes e outros materiais recuperáveis.
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Como a água reciclada pode revolucionar o desenvolvimento sustentável - Instituto Humanitas Unisinos - IHU