09 Março 2017
Segundo o sociólogo italiano Luca Diotallevi, professor da Universidade de Roma Tre, “a Igreja tem organizações, mas não é uma organização. Isso significa que os ministros ordenados servem, e não possuem a Igreja. E que o ministério ordenado está a serviço da fé. Isso é a simples doutrina católica do Vaticano II”.
A reportagem é de Lorenzo Fazzini, publicada no jornal Avvenire, 07-03-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Você ressalta que o cristianismo perdeu o seu caráter subversivo e fundou uma política religiosa de matriz estatal. Portanto, o “fim” do confessionalismo é bom para a natureza mais autêntica da fé cristã?
Lutero e outros com ele já tinham substituído a teoria das duas espadas (Igreja e Império) com a dos dois Reinos: o Estado se encarrega do aquém, a Igreja, do além. Por isso, os cristãos estavam necessariamente submetidos ao soberano. Essa situação podia ter o seu sentido até ao século XIX, mas não com a crise atual do Estado. Ainda mais que, no campo católico, o movimento laical do início do século XX, depois o litúrgico, em seguida o Concílio Vaticano II e o pensamento de Joseph Ratzinger já nos impulsionaram para outras margens. Além disso, a laicidade absoluta jacobina não estava tão longe da política religiosa austro-húngara ou da repressão soviética: Teresa e José usavam o cristianismo respeitando-o, os jacobinos não o respeitavam e substituíram, a União Soviética o substituiu perseguindo-o e trocando-o por uma religião própria, o ateísmo.
O que esse fim do confessionalismo permite?
Usando palavras bíblicas, ele nos permite recuperar a altura, a largura, a profundidade do cristianismo. Ou seja, descobrir, na escola de De Lubac, Von Balthasar, Montini, que o cristianismo não é um tapa-buracos da modernidade. Isso significa, definitivamente, a diferença entre Dom Abbondio e Frei Cristóvão. Ou, para citar as palavras de Pino Colombo, fazer teologia também no social.
Em que aspectos da sociedade contemporânea o cristianismo pode recuperar vitalidade?
Pensemos no Duc in Altum de João Paulo II. Infelizmente, ele tinha sido interpretado com a ideia: “Somos fortes, vamos em frente”. Mas o convite do Papa Wojtyla era o eco da indicação de Jesus a Pedro: ir para águas mais profundas rumo a novas rotas, mover o gesso da Igreja sem perder a estrutura. Em síntese, a recuperação da liberdade dentro das próprias fronteiras do cristianismo.
Durante anos (afirma o seu livro), pensou-se que a Itália, Irlanda, Polônia e, em certo sentido, os Estados Unidos eram a exceção no mundo contemporâneos, países em que “mais modernidade” não significava “mais marginalização” do dado religioso.
Os países que você cita conheceram uma certa resistência aos processos de secularização. Agora que assistimos a um retorno do religioso não cristão, estamos despreparados para redescobrir como o cristianismo tem a capacidade e a fecundidade de impactar em todas as dimensões da vida, certamente não na forma do integralismo, mas na da liberdade. Por isso, diante da new age ou da low intensity religion (aquela que prefere se dirigir aos santuários marianos em vez de viver a experiência cristã comunitária), custamos a ter uma proposta cristã que não esteja liofilizada. A verdadeira tarefa é ampliar o campo da fé, de tal maneira que a fé não se reduza a devoção, mas compreenda todas as esferas da vida pessoal e social, fugindo da prática integralista, mas vivendo na liberdade. Esse é um evento que marca uma grande passagem: nos últimos anos, encerra-se um longo parêntese que reduziu as potencialidades do cristianismo.
Para você, o fim do confessionalismo também sela o declínio do princípio territorial das religiões, aquele “cuis regio, eius et religio” estabelecido em Westfália, no fim das guerras religiosas que ensanguentaram a Europa.
Agora, a cena religiosa é global. E o catolicismo está perfeitamente equipado para esse desafio. Mas atenção: não é um global indiferenciado. O catolicismo tem ótimas chances, mas não são óbvias. Por exemplo: na Europa, a Igreja, no sentido da hierarquia, também deveria dar mais espaço e confiança para os católicos, assim como ocorreu no momento do nascimento da Europa unida, quando foram De Gasperi, Adenauer e Schumann que fundaram esse espaço político supranacional. Tanto que, no campo protestante, olhava-se para a Europa que se unia como para “um complô católico”, só porque eram católicos os políticos que estavam trabalhando nesse sentido. Hoje, ao contrário, há menos mediação por parte da Igreja, e isso levanta ainda mais a reação, muito forte, dos lobbies anticatólicos em Bruxelas e arredores.
Ecoando o Papa Francisco (“A Igreja não é uma ONG”), você afirma: “A Igreja tem organizações, mas não é uma organização”. O que quer dizer?
Isso significa que os ministros ordenados servem, e não possuem a Igreja. E que o ministério ordenado está a serviço da fé. Isso é a simples doutrina católica do Vaticano II. No entanto, ainda persiste a ideia de que abrir espaço para os leigos significa ceder-lhes um miligrama do poder clerical. Enquanto, ao contrário, o apostolado dos leigos é outro: é matrimônio, política, economia, culinária, esporte, não colaborar na pastoral. Há ainda um longo caminho a percorrer para uma verdadeira abertura ao laicato.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
"O cristianismo está diante de uma grande oportunidade." Entrevista com Luca Diotallevi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU