16 Fevereiro 2017
“Veremos o que ele faz e, a partir daí, avaliaremos. Sempre o concreto...” Foi assim, há 20 dias, que o Papa Francisco respondeu a uma pergunta do jornal espanhol El País sobre Donald Trump, mostrando que não quer se associar a certas campanhas preventivas contra o novo presidente. Embora, como também era previsível, alguns dos procedimentos emitidos pela Casa Branca nas últimas semanas tenham provocado fortíssimos protestos de amplos setores do mundo católico, começando pela ordem executiva já conhecida como “muslim ban”.
A reportagem é de Andrea Tornielli, publicada no sítio Vatican Insider, 12-02-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Esse procedimento também teve entre os seus resultados o fato de recompactar a Igreja estadunidense: pronunciaram-se os expoentes da ala mais em sintonia com Francisco, do cardeal de Washington, Donald Wuerl, ao de Chicago, Blaise Cupich. Este último, dentre outras coisas, tinha se perguntado por que a proibição não incluía “o país de origem de 15 dos 19 terroristas do 11 de setembro”, uma evidente referência à Arábia Saudita.
Porém, também levantaram a sua voz os expoentes da ala mais conservadora, como o cardeal Daniel DiNardo, atual presidente dos bispos dos Estados Unidos e filho de migrantes. E também os arcebispos José Horacio Gómez, de Los Angeles, e Charles Chaput, da Filadélfia. Também não faltarão reações à nova onda de detenções e expulsões de imigrantes ocorridas em todo o país nas últimas horas.
Outras decisões de Trump, ao contrário, foram recebidas positivamente pelos bispos dos Estados Unidos, começando pela ordem executiva de cortar o financiamento público à Internacional Planned Parenthood, a entidade que financia as clínicas no exterior onde é possível abortar. “Esperamos que a mesma justa atenção à vida daqueles que ainda não nasceram também seja voltada às vidas daqueles que fogem da guerra ou buscam um futuro melhor”, comenta um estreito colaborador do papa.
Poderá haver outras sintonias possíveis com a Santa Sé na abordagem mais dialogante e menos excludente com a Rússia de Vladimir Putin, assim como nas políticas sociais.
Nos Estados Unidos, a pobreza extrema cresceu ao longo dos últimos 40 anos, e a piora das condições de vida é um dos impulsos do eleitorado à mudança, na América assim como na Europa. Não deve ser subestimada a intenção do presidente dos Estados Unidos de restaurar a lei Glass-Steagall desejada por Franklin Delano Roosevelt depois da crise de Wall Street de 1929, que separava os bancos comerciais dos bancos de investimento e finanças. Um procedimento abolido por Bill Clinton com uma decisão que está entre as causas da crise econômica de 2008.
Até hoje, não chegou nenhum pedido de audiência ao Vaticano por parte da Casa Branca. “Quando ele for pedido, as portas obviamente estarão abertas, como sempre estiveram para todos”, explicam as fontes diplomáticas do outro lado do Rio Tibre. É provável que, antes de apresentar um pedido formal através dos canais oficiais, Trump queira nomear o novo embaixador junto à Santa Sé, cargo neste momento vago e para o qual também foi sugerido o nome, dentre outros, de Newt Gingrich. Uma data possível para o encontro no Vaticano é o fim de maio, quando o presidente dos Estados Unidos vai participar do G7 de Taormina.
Nas últimas semanas, alguns comentaristas e alguns artigos do jornal The New York Times destacaram a existência de uma possível margem romana para Trump, ressaltando as conexões existentes entre Stephen Bannon e o cardeal conservador estadunidense Raymond Leo Burke, patrono da Ordem de Malta, um dos quatro signatários das “dubia” sobre a Amoris laetitia, além de ser o único cardeal que insistiu publicamente na necessidade de uma “correção formal” ao magistério do Papa Francisco.
Bannon é conselheiro do presidente e alma do site Breitbart News, expressão da direita mais rude e ideológica. Mas é difícil levantar a hipótese de que Trump vai se mover em direção ao Vaticano através do cardeal Burke, que já é considerado o mais exposto entre os opositores do Papa Francisco em Roma. Nos Estados Unidos, o purpurado que o novo presidente conheceu melhor é o arcebispo de Nova York, Timothy Dolan.
Em torno do novo presidente, também há expoentes evangélicos que manifestam uma atitude muito mais positiva em relação ao papa argentino. Entre eles, a sua conselheira espiritual, a pastora Paula White. Isso foi confirmado pelo Vatican Insider por Salvatore Martinez, presidente do movimento italiano da Renovação no Espírito, que acaba de voltar de Washington, onde participou do tradicional National Prayer Breakfast: “Para além das primeiras resoluções discutíveis, é evidente que a presidência de Trump não vai querer renunciar à inspiração cristã do conceito de liberdade religiosa, de luta contra a pobreza, de defesa das identidades culturais, de diálogo cultural com o Ocidente e com o Oriente cristão. O bem comum nunca se encontra em esquemas autorreferenciais, e os Estados Unidos estão bem cientes disso. Há pontes a serem construídas, que podem superar muros de incomunicabilidade”. Também com o Vaticano.
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Trump e Vaticano, uma relação a ser construída - Instituto Humanitas Unisinos - IHU