10 Fevereiro 2017
"Eu ficaria de olho para ver se o que está acontecendo no Espírito Santo e no Rio são prenúncio de algo maior ou apenas coisa isolada. Se for a primeira opção e a população resolver ir à ruas por conta das tungadas de curto, médio e longo prazo, o país entra em nova fase", escreve Leonardo Sakamoto, jornalista e cientista social, em artigo publicado no seu blog, 09-02-2017.
Eis o artigo.
Proibidos de fazer greve, policiais militares paralisaram as atividades no Espírito Santo após suas esposas e famílias bloquearem saídas de quartéis. Eles reivindicam reajustes atrasados e melhores condições de trabalho. O medo disparou nas ruas do Estado.
No Rio de Janeiro, a Polícia Militar novamente disparou bombas contra funcionários públicos que protestavam contra o pacote de reajuste fiscal do governo do Rio de Janeiro. Do lado dos servidores, coquetéis molotov e fogos foram lançados.
O Espírito Santo gabava-se de ser um exemplo na melhoria da segurança pública até que uma demanda represada dos profissionais da área eclodisse e manchasse essa vitrine internacional. O Rio de Janeiro é um Estado quebrado, menos por conta dos direitos pagos a seus funcionários e mais pela farra dos subsídios e facilidades dados a empresas, setores econômicos e megaeventos. Lá o risco do movimento capixaba se repetir é grande.
Considerando que a retomada da geração de empregos tem sido lenta e que boa parte da ''confiança'' que o governo Temer tem obtido entre investidores é devido a reformas que transferem a conta da crise apenas para o bolso dos trabalhadores mais pobres e protegem os mais ricos, a pergunta é: estamos vendo uma amostra, nesses dois estados, do que será o Brasil nos próximos anos? Com protestos de trabalhadores, convulsão social, fragilidade institucional, insegurança e medo.
Apesar de Michel Temer dizer que está desarmando uma bomba-relógio, as principais reformas que ele vem conduzindo é que são as bombas-relógio em si. Algumas programadas para estourar quando ele já estiver longe do Palácio do Planalto. Outras, com explosão quase que imediata.
A Reforma da Previdência (que vai elevar a idade mínima para 65 anos, o tempo mínimo de contribuição para 25 anos e a idade mínima para aposentadoria rural a 65 anos), a nova emenda constitucional que limitou o crescimentos de gastos em áreas como educação e saúde públicas nos próximos 20 anos e a reforma do ensino médio (fruto de um processo imposto e sem discussão com a sociedade) vão se fazer sentir daqui a alguns anos.
Já a Reforma Trabalhista proposta por ele (que não envolve apenas o pacote apresentado, mas todas as leis que mexem com direitos e vêm sendo discutidas no Congresso Nacional na surdina) terá efeito imediato em muitas categorias de trabalhadores.
Se o trabalhador do setor privado perceber que suas perspectivas futuras são um chulé fedido e sua vida atual uma desgraça que não melhora nem com reza brava, a chance de protestos e greves aumenta. O que retardará a retomada econômica prometida.
E, quanto aos servidores públicos: por mais que o Supremo Tribunal Federal tenha decidido por limitar o direito (constitucional) à greve dos servidores públicos, cortando o ponto dos que cruzaram os braços, o brasileiro é criativo e consegue dar um jeito.
As barricadas nas portas dos quartéis no Espírito Santo são uma amostra disso, uma vez que os policiais afirmam que o movimento não é deles, mas de suas famílias. Diante da mudança nas aposentadorias e cortes causados pela agora aprovada PEC do Teto, quantas categorias de servidores públicos (principalmente as que ganham pouco, como professores, enfermeiros, policiais, entre outros) não irão às ruas como última saída, dando uma banana para o corte de ponto?
Há, por certo, uma questão de timing. A bomba explodirá no colo de Temer e aliados ou numa próxima gestão, uma em que o projeto de governo for democraticamente eleito?
É claro que com a quantidade de sindicatos e sindicalistas subservientes ao poder político e econômico; com uma população mal informada e porcamente consciente sobre seus direitos; com o entorpecimento trazido pelo bombardeio na TV, que faz você acreditar que quem faz greve em nome da própria dignidade é um bosta; e pelo cansaço extremo de uma população pobre que, quando chega em casa, é incapaz de refletir sobre sua própria condição antes de cair morta na cama, fica mais difícil de imaginar que isso aconteça em massa no curto prazo. Mas não é impossível.
Em evento na Caixa, nesta quinta (9), Temer afirmou que seu governo conseguiu fazer em poucos meses as reformas que ele imaginava que levariam dois anos para acontecer. E falou das reformas citadas neste post, que tungam direitos dos mais pobres.
Fico com receio do que isso significa. Pelo que tudo indica, ele vai querer fazer mudanças tributárias para facilitar a vida das pessoas jurídicas, mas sem mexer, é claro, com o fato ridículo de que a classe média paga proporcionalmente mais imposto de renda do que os mais ricos – dividendos recebidos de empresas não são taxados. Noves fora, os subsídios às próprias empresas. Mas se sobrar tempo, ele fará o quê? Fim do voto feminino? Fim da República? Revogação da Lei Áurea?
Institucionalmente, a chance de que essas reformas que reduzem o mínimo de Estado de bem-estar social que temos sejam interrompidas é a Operação Lava Jato transformar a governabilidade de Temer no rascunho do mapa do inferno (o que, acredito, apesar dos escândalos diários, não está perto de acontecer) ou o Tribunal Superior Eleitoral de Gilmar Mendes resolver decidir pela cassação da chapa (o que está mais distante ainda). Principalmente porque uma parcela grande do PIB sorri com as reformas que estão sendo realizadas.
Mas eu ficaria de olho para ver se o que está acontecendo no Espírito Santo e no Rio são prenúncio de algo maior ou apenas coisa isolada. Se for a primeira opção e a população resolver ir à ruas por conta das tungadas de curto, médio e longo prazo, o país entra em nova fase.
Se melhor (com a população sendo protagonista de sua vida) ou pior (com a chegada de um ''salvador'' que, não se engane, podará direitos ao invés de garanti-los), como diria a Glória, não sou capaz de opinar.
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Crise no ES e pancadaria no RJ são amostras do Brasil pós-impeachment? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU