06 Fevereiro 2017
É difícil prever com exatidão quais serão as consequências no tabuleiro mundial da posse de Donald Trump na Casa Branca. Para a Santa Sé e para a sua ação diplomática, também se abrem cenários a serem monitorados com atenção, começando justamente pelas relações com o novo presidente dos Estados Unidos.
A reportagem é de Marco Bernardoni, publicada no sítio Settimana News, 02-02-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Sobre as grandes questões internacionais, Obama – ao menos no seu último mandato – tinha se mostrado bastante atento às posições vaticanas. Graças à obra de mediação de John Kerry, a Santa Sé alcançou, com a presidência dos Estados Unidos, uma série de boas convergências que, obviamente, espera-se que se mantenham.
Clinton, entre os dois, era a candidata mais conhecida e previsível. Trump, com o qual ainda não houve contatos oficiais, deve ser descoberto como político e presidente. A linha diplomática da Santa Sé é aquela expressada publicamente por Francisco, também na recente entrevista ao jornal El País. “Veremos o que acontece. Mas me assustar ou me alegrar com o que possa acontecer, nisso acho que podemos cair numa grande imprudência – sermos profetas ou de calamidades ou de bem-estares que não vão acontecer, nem uma coisa nem outra. Veremos o que ele faz e, a partir daí, avaliaremos. Sempre o concreto. […] Coisas concretas. E do que é concreto tiramos as consequências”.
Portanto, espera-se para ver o que Trump fará, como vai conjugar o “Make America Great Again”, na consciência de que, entre as declarações da campanha eleitoral e os comportamentos dos presidentes eleitos, sempre corre uma certa distância e de que Trump agora deve enviar aos eleitores a mensagem de que não vai trair as suas promessas. O respeito pela vontade popular que se expressou nas eleições é indiscutível, e a Santa Sé colabora, em todos os lugares, com quem está no governo pelo bem da Igreja local e de toda a sociedade, mantendo abertas as relações e o diálogo.
É claro, os primeiros passos do novo presidente dão o que pensar e preocupam. A restrição das entradas de sete países muçulmanos ou o muro na fronteira com o México – como ressaltava o cardeal Turkson – são sinais nada bons enviados para outros países tentados pelo fechamento das fronteiras. Trump é um protestante próximo da corrente da “teologia da prosperidade”, que expressa posições antitéticas àquelas reiteradas muitas vezes por Francisco (com grande força na Evangelii gaudium). Mas, mesmo nesse caso, não se antecipam julgamentos, assim como sobre a questão ambiental, que é um tema sensível para o Papa Bergoglio.
A anunciada reforma do Obamacare (imediatamente “congelada” por Trump) não seria, em si, um problema, dados os aspectos problemáticos contra os quais o episcopado estadunidense se levantou. Será preciso avaliar em que direção irá essa reforma e, especialmente, que atenção ele terá pelos mais pobres. Os sinais não são unívocos. A suspensão dos fundos federais em favor das ONGs que praticam o aborto também não pode ser considerada uma expressão de uma convicção pessoal, repetindo o que foi feito por todos os últimos presidentes republicanos.
Continuam sendo muito claras as poucas palavras da mensagem enviada por Francisco ao novo presidente no dia da sua posse: “Eu rezo para que as suas decisões sejam guiadas pelos ricos valores espirituais e éticos que moldaram a história do povo estadunidense e o compromisso da sua nação pelo avanço da dignidade humana e da liberdade em todo o mundo. Que, sob a sua liderança, a estatura dos Estados Unidos possa continuar sendo medida acima de tudo pela sua preocupação com os pobres, os marginalizados e os necessitados, que, como Lázaro, esperam em frente à nossa porta”.
Há algum tempo, a Santa Sé acredita que não é bom isolar a Rússia. Por isso, mantém relações e diálogo aberto com Moscou sobre várias questões. A Rússia desempenha um papel importante em algumas das situações mais quentes no Oriente Médio (principalmente na Síria) e só poderá ter um papel também na busca de soluções. Quanto à aproximação entre Trump e Putin, depois das declarações da campanha eleitoral, o novo presidente parece ter se tornado mais cauteloso (como já se viu durante o encontro com a primeira-ministra britânica, Theresa May).
Sobre a Síria, realizou-se recentemente uma conferência no Cazaquistão (Astana, 23 e 24 de janeiro), sem grandes avanços e sem a Arábia Saudita na mesa de negociações. Espera-se pela próxima conferência, prevista para Genebra, sob os auspícios da ONU, a partir do dia 8 de fevereiro. Lá se verá se alguma coisa mudou. Se os Estados Unidos também estarão presentes, e se a Europa estará envolvida ou ficará de fora, como até aqui. Dada a hostilidade de Putin, será difícil ver a União Europeia representada na mesa. A Turquia, além disso, continua sendo uma grande incógnita por causa da sua atitude bastante ambígua (começando pela aliança com os xiitas do Irã, na qual ninguém confia muito).
Uma série de países do Leste Europeu, como Polônia, Lituânia, Estônia e Letônia, estão muito desconfiados em relação à Rússia. A Santa Sé sabe que os episcopados locais também estão. Na Síria, ao contrário, entre os líderes religiosos – não só cristãos – espalhou-se um certo sentimento pró-russo, porque a intervenção militar de Moscou foi um sinal de esperança em uma situação de desespero generalizado. Da parte dos líderes das minorias religiosas, nunca desapareceu o apoio a Assad (e não desaparecerá agora, tendo ficado claro que Assad vai permanecer no jogo). Depois de intervir ao seu lado, a Rússia ofereceu aos sírios uma alternativa ao Isis ou a um dos tantos grupos de combatentes presentes in loco, uma parte dos quais está afiliado à Al-Qaeda.
O papa quis enviar uma mensagem de proximidade e de atenção à trágica situação das comunidades cristãs na Síria com a nomeação a cardeal do núncio Mario Zenari, optando, simultaneamente, por deixá-lo no lugar, em Damasco.
Depois de tantos anos, Trump colocou novamente em discussão a “One China Policy” dos Estados Unidos. E isso deve ter feito soar mais de um sinal de alerta em Pequim. Da parte chinesa, as reações foram cautelosas até agora. Mas a diplomacia nestes dias está trabalhando na tentativa de restaurar o terreno das relações.
A China pretende manter uma posição forte no tabuleiro mundial. Se, de repente, se sentisse mais vulnerável, poderia olhar para a Santa Sé como um parceiro interessante por, pelo menos, duas razões. Acima de tudo, pelo fato – penoso também para a China, que faz da “harmonia” uma das pedras angulares do seu pensamento – de ter em casa duas comunidades católicas divididas e – de fato – em conflito. Em segundo lugar, pelo prestígio internacional que derivaria ao governo do maior país comunista a partir de um acordo com a Santa Sé.
Os contatos já se tornaram regulares há algum tempo, muitas vezes chegando a casos concretos. Na entrevista ao jornal El País, o próprio Francisco confirmou a existência de “uma comissão que está trabalhando há anos com a China e que se reúne a cada três meses, uma vez aqui e outra em Pequim. E há muito diálogo com a China”. Também nesse caso, a diplomacia da Santa Sé está empenhada sobretudo em obter e salvaguardar as condições de liberdade necessárias para a vida e a missão da Igreja no país.
Quanto ao 9º Congresso dos Representantes Católicos na China (a mais alta cúpula do catolicismo “oficial”, que encerrou no dia 29 de dezembro), o ideal para a Santa Sé seria que ele não fosse celebrado. Agora, está se buscando entender o que aconteceu. A impressão é a de um certo distanciamento dos tons agressivos do passado (basta pensar no Congresso anterior de 2010) e de uma atenção real para evitar provocações. Não houve, por exemplo, nenhuma concelebração pública dos bispos (legítimos e ilegítimos), o que teria posto Roma em grandes dificuldades.
O tema que hoje parece preocupar mais é o fechamento neonacionalista (ou populista) que está crescendo em diversas partes do mundo. Na história, quando esse impulso prevaleceu, normalmente pré-anunciou períodos difíceis e pouco luminosos. Por isso, olha-se com atenção para as próximas eleições a serem realizadas na Europa, França e Alemanha particularmente. Francisco concluía assim a entrevista citada: “Claro, as crises provocam medos, alertas. Para mim, o mais típico exemplo dos populismos europeus é o 1933 alemão. Depois de [Paul von] Hindenburg, a crise de 1930, a Alemanha estava destroçada, tentava se levantar, buscava sua identidade, estava à procura de um líder, de alguém que devolvesse sua identidade, e havia um rapazinho chamado Adolf Hitler que disse ‘eu posso, eu posso’. E toda a Alemanha votou em Hitler. Hitler não roubou o poder, foi eleito por seu povo, e depois destruiu seu povo. Esse é o perigo. Em momentos de crise, o discernimento não funciona, e para mim é uma referência contínua. Busquemos um salvador que nos devolva a identidade e defendamo-nos com muros, com arames farpados, com qualquer coisa, dos outros povos que podem nos tirar a identidade. E isso é muito grave. Por isso sempre procuro dizer: dialoguem entre vocês, dialoguem entre vocês”.
O diálogo ecumênico e inter-religioso tem a sua parte nessa diplomacia pela busca da paz. O papa está convencido disso, como mostram os passos concretos dados por ele em todas as direções: para o Oriente, para as Igrejas reformadas (veja-se a viagem para Lund, a abertura do Jubileu da Reforma) quanto para as instituições islâmicas (é de grande importância a visita ao Vaticano, em maio passado, do imã de al-Azhar).
Em nível mundial, registra-se uma dramática falta de líderes de verdade, de autoridade. Há um vazio de personalidade e de orientação generalizado, não só em nível político, mas também cultural, econômico etc. Por isso, a figura de Francisco e o seu estilo de governo – aberto e de autoridade, sempre atento à dignidade da pessoa, especialmente os mais frágeis – fascina e é considerado uma referência mundial.
A diplomacia vaticana compartilha com os seus homólogos uma abordagem realista e não escolhe os seus interlocutores. Mesmo assim, não renuncia, em um jogo de bilhar nem sempre fácil com os episcopados e as comunidades locais, de relembrar os valores humanos e espirituais de referência. No dia 1º de agosto de 1917, quando o Papa Bento XV escrevia a sua mensagem aos chefes dos povos beligerantes, qualificando a guerra em curso como um “inútil massacre”, ele sabia que ficaria sozinho e que correria o risco de ser mal compreendido até mesmo pelos católicos das potências em guerra.
À distância de um século, entende-se melhor o que está em jogo. Mais uma vez, é a paz. Mesmo sem as características “totais” das guerras do século XX – o Papa Francisco fala de “guerra em pedaços” – o confronto entre Norte e Sul, entre os incluídos e os excluídos da globalização, deu início a uma mudança de rumo liderada pela recuperação da soberania nacional e por personagens políticos de tipo populista. Interpretar essa passagem não para excluir, mas para ligar, por uma nova redistribuição de renda e uma sustentabilidade social e ambiental, é o verdadeiro desafio. A Europa poderia desempenhar um papel importante. E não faltará a contribuição de Francisco.
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A Santa Sé na era Trump - Instituto Humanitas Unisinos - IHU