03 Fevereiro 2017
“Vivemos com sofrimento a sensação de um descolamento entre a mensagem que as tuas palavras conservam e a consciência por parte da Igreja. Certamente, é questão de semeaduras longas, e nos é pedida a paciência do agricultor do evangelho. Mas parecemos reconhecer tentativas de contrariar o evangelho, seja na indisponibilidade de algumas lideranças eclesiais, seja nas reações de um certo número não desprezível de fiéis que parecem impermeáveis ao teu anúncio.”
Publicamos aqui a carta aberta do grupo italiano Nella Gioia dell’Evangelo, datada de janeiro de 2017, que será enviada ao Papa Francisco. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Caríssimo Papa Francisco, imaginamos a quantidade de cartas sobre a tua escrivaninha. E como não pensar que seria pretensão esperar que a nossa fosse lida e fosse respondida? Até porque vem de um pequeno grupo – composto por leigos, presbíteros, religiosos – que não pode se orgulhar senão da sua paixão e da sua pequenez.
Acima de tudo, gostaríamos de te agradecer e, depois, gostaríamos de compartilhar brevemente contigo alguns pensamento. Agradecer-te porque, em ti, nas tuas palavras e nos teus gestos, este pequeno grupo se sentiu como que interpretado. Nas nossas origens, tínhamos nos chamado Il vangelo che abbiamo ricevuto [O Evangelho que recebemos]. Vínhamos de várias partes da Itália. O pequeno grupo de Milão, chamando-se também Laboratorio di Sinodalità Laicale [Laboratório de Sinodalidade Laical], ressaltava uma dimensão que trazemos no coração. Agora que tu vieste entre nós, demo-nos um nome caro para ti: Nella Gioia dell’Evangelo [Na Alegria do Evangelho].
Trazíamos e, em parte, ainda trazemos, no coração o sofrimento pelo risco de um evangelho reduzido a código de comportamento moral, enquanto ele é, acima de tudo, o anúncio do amor do Pai, que, na força do Espírito, manifestou-se e disponibilizou-se a todos na vida humana e profética de Jesus, o galileu de Nazaré. Estamos convencidos, de fato, que apenas permanecendo dentro de toda a amplitude e profundidade do evangelho é possível falar para nós mesmos, para os nossos irmãos e para as nossas irmãs dentro e fora da Igreja visível, para experimentar junto com todos a potência libertadora do evangelho. Na tua voz, ouvimos mais uma vez, com insistência, estas palavras: evangelho, alegria, sinodalidade. Captamos nas tuas palavras e nos teus gestos um olhar diferente sobre o magistério do bispo de Roma.
Tu te colocas como aquele que se põe na companhia do seu povo, indicando de modo simples horizontes evangélicos para os quais podemos caminhar juntos. De fato, tu estás encorajando toda a Igreja, com as suas estruturas, a sair do encurvamento sobre si mesma, na convicção de que só “saindo e arriscando” é que ela faz experiência do evangelho que é chamada a anunciar.
Desde o dia da tua eleição, na qual pediste ao povo para invocar sobre ti a bênção de Deus, tu deste valor à reciprocidade entre pastores e rebanho a eles confiado, ao olfato do povo de Deus, à sua “infalibilidade” no crer, à participação e responsabilidade de todos os batizados no desafio da evangelização. Nessa perspectiva, esperamos que os muitos carismas que o Espírito dá a batizados e batizadas, e as muitas diaconias que estes exercem na Igreja e no mundo encontrem um adequado reconhecimento no ordenamento e na práxis eclesial.
A instituição de uma comissão chamada a estudar a questão da conferência do diaconato às mulheres, sem dúvida, é uma grande abertura de um novo horizonte. Mas, para além dessa questão específica, esperamos um repensamento global da visão do ministério, que, na história, conheceu diversas variações. De fato, a comunidade eclesial inteira é chamada ao único ministério de anunciar o Senhor, lutando pela libertação e pela integridade da criação e de cada pessoa humana, começando pelos descartados e pelos últimos da terra.
Portanto, parece-nos urgente que as várias formas de ministério, longe de se configurarem como posições de poder, sejam concebidas e vividas na Igreja e a partir da Igreja no esplendor da gratuidade evangélica, a serviço do Reino e, portanto, de uma humanidade a caminho.
Fortalecido por essa convicção, cada ministério que preside na comunhão sentirá como irrenunciável o chamado a estar disponível à escuta, o chamado ao discernimento como dom do Espírito e como fruto de caminhos autenticamente sinodais, que sabemos que coenvolvem os componentes laicais que hoje, a meio século do Concílio, ainda permanecem marginalizados.
Vivemos com sofrimento a sensação de um descolamento entre a mensagem que as tuas palavras conservam e a consciência por parte da Igreja. Certamente, é questão de semeaduras longas, e nos é pedida a paciência do agricultor do evangelho. Mas parecemos reconhecer tentativas de contrariar o evangelho, seja na indisponibilidade de algumas lideranças eclesiais, seja nas reações de um certo número não desprezível de fiéis que parecem impermeáveis ao teu anúncio.
Perguntamo-nos, às vezes, como é possível participar das assembleias litúrgicas e, depois, assumir posições, conscientemente ou não, opostas ao evangelho. Como costurar novamente a fratura? Em tempos em que nos confiamos a slogans, parece-nos oportuno apontar para um apelo ao “pensar”, a “expor-se ao contato” com o mundo, favorecendo, em cada realidade eclesial, a partir das paróquias, experiências para “ver, julgar, agir, acompanhar”, como nos parece que tu sugeriste em Florença.
Lugares e tempos não elitistas, em estreita relação com o povo de Deus que vive fadigas e esperanças da vida cotidiana, iluminada pela alegria do evangelho. Muitas vezes, tu nos convidaste a sonhar. Contamos-te sonhos. Na confiança de compartilhar outros contigo em um futuro próximo. Em comunhão de oração,
O grupo Nella Gioia Dell’evangelo
Maria Cristina Bartolomei, Milão
Ugo Francesco Basso, Milão
Marco Bertè, Parma
Gianfranco Bottoni, Milão
Massimo Cadamuro, Veneza
Angelo Casati, Milão
Francesco Castelli, Milão
Ursicin Gion Gieli Derungs, Milão
Italo De Sandre, Pádua
Luciano Guerzoni, Modena
Licinia Magrini, Bolonha
Giancarlo Martini, Verbania
Giovanni Nicolini, Bolonha
Enrico Peyretti, Turim
Ugo Gianni Rosenberg, Turim
Francesco Scimè, Bolonha
Carlo Urbani, Veneza
Fabrizio Valletti, Nápoli
É possível assinar essa carta enviando a própria adesão até o dia 20 de fevereiro de 2017, indicando nome, sobrenome e cidade de residência ao seguinte endereço de e-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.
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Carta aberta ao Papa Francisco: Evangelho, alegria, sinodalidade - Instituto Humanitas Unisinos - IHU